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Eles parecem artistas dando autógrafo. Todas as terças-feiras, lá pelas 20 horas, várias rodas se formam em frente ao Centro Cultural São Paulo, na região central. Nesses encontros aparecem, em média, entre 200 e 300 pessoas. São jovens de todos os cantos da cidade que se reúnem para trocar folhinhas com assinaturas estilizadas das "grifes" de pichadores que rabiscam muros e monumentos da capital. O material é colecionado em pastas.

Quanto mais "famoso" pela freqüência com que o nome é visto pela cidade, mais venerado é o autor das pichações. Os encontros têm horário certo para acabar: por volta da meia-noite, quando os ônibus começam a rarear.

Durante quatro anos o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira, de 26 anos, do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo (USP), participou dessas reuniões e saiu à noite com pichadores para entender o que motiva jovens da periferia a andar por aí com uma lata de spray nas mãos.

- Quanto mais desenhada e estilizada a marca, mais eles acham bonito e, quanto mais ela aparece, mais status ganha o autor. Em princípio eu tinha a idéia que é, na verdade, senso comum em São Paulo que eles fazem isso por pura transgressão e vandalismo - conta.

Durante o trabalho de campo, no entanto, o pesquisador se convenceu de que o que sustenta o ato de pichar são as amizades que esses jovens travam entre si, uma organizada rede de sociabilidade. Segundo ele, trata-se mais de uma prática de lazer, de escrita urbana, do que de protesto.

Pereira prefere não fazer observações sobre os danos ao patrimônio público e privado causados pelas gangues de pichadores.

- Não há um alvo específico. A importância que a sociedade dá a monumentos e prédios históricos não é a mesma deles, que se sentem excluídos da cidade - diz.

Segundo o pesquisador, para os pichadores, quanto mais alto e mais difícil ou vigiado forem os locais que eles pretendem rabiscar, melhor.

- Eles gostam de comentar nas reuniões as ações espetaculosas pelas quais tiveram que passar ou as ocasiões que correram da polícia para pichar - conta Pereira.

Casos de quedas e acidentes também são assuntos freqüentes nesses encontros. Pelos depoimentos dos jovens durante a coleta de informações para a pesquisa, ele descobriu que os pichadores até o fim da década de 1990 se reuniam na Ladeira da Memória, ao lado da estação Anhangabaú do metrô.

Os encontros aconteciam às sextas-feiras. Esse 'point' foi desarticulado por causa da ação da Prefeitura de limpar e restaurar os monumentos da ladeira que estavam totalmente pichados.

Os pichadores também se encontram em festas para comemorar o aniversário da criação de um determinado grupo ou "grife" de pichação.

- Nessas ocasiões eles ouvem música, fumam maconha e ingerem bebida alcoólica - diz Alexandre Pereira, antropólogo da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo ele, há crianças a partir de 14 anos e homens feitos com até 30 anos de idade adeptos da pichação.

- Entrevistei um administrador de empresa e um taxista que tinham a pichação como lazer. Também há muitos motoboys nessa atividade.

A tribo é formada por homens, a maioria estuda ou cursou até a quarta série do ensino fundamental e esconde da família o ato de pichar. Pereira diz que ouviu durante os quatro anos que durou a pesquisa de campo que poucos sofrem repressão ou são enquadrados na lei de crime ambiental.

- O máximo que acontece é a polícia despejar neles a lata de spray ou dar um corretivo, como mandar limpar a delegacia. São raros os casos em que soube de jovens que foram processados e tiveram que prestar serviços à comunidade ou distribuir cestas básicas, que é o máximo de punição que ocorre - conta ele.

O pesquisador diz que outro fato curioso que motiva os grupos é saber que os rabiscos produzidos por eles podem vir a ganhar notoriedade na mídia. Na época do assassinato dos pais da estudante Suzane Richtofen, por exemplo, a casa da família apareceu toda pichada porque eles sabiam que as atenções e os holofotes estavam voltados para aquela propriedade, conta o antropólogo.

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