Na era Lula, reinavam metáforas futebolísticas. Quando o patrono da expressão “nunca antes na história do país” deixou o cargo, vieram os “veja bem”, “olha, minha querida” e “no que se refere” disparados pela presidente afastada Dilma Rousseff.
A chegada de Michel Temer ressuscitou o latim nos salões do Palácio do Planalto. Um certo ar retrô na colocação dos pronomes também está sendo restituído aos discursos presidenciais. O presidente interino adora uma mesóclise.
Logo na posse, ao falar das reformas necessárias, coroou de formalidades o discurso: “Nenhuma dessas reformas alterará os direitos adquiridos pelos cidadãos brasileiros. Quando menos fosse sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica”.
Muito antes de a palavra impeachment começar a circular no Congresso, Dilma se notabilizava por discursos com pouca linearidade, emendando um assunto no outro e se esquecendo de retomar o pensamento original. As falas eram marcadas pelo tom professoral, pontuadas com perguntas retóricas – que faz à plateia, mas ela mesma responde. Oradora tardia, já que disputou sua primeira eleição em 2010, Dilma acabou tendo vários discursos virando alvo de brincadeiras, como quando saudou a mandioca.
Dilma também ficou famosa por trocar nomes de autoridades. O ministro Aldo Rebelo (PCdoB-AL) era sempre chamado de Rabelo. O ex-governador Agnelo Queiroz (PT-DF) foi chamado de Aguinaldo Queiroz e Agnelo Rossi. Feminista, fazia questão de se apresentar como “presidenta” e destacava o gênero dos profissionais, ao citá-los: as jornalistas e os jornalistas; as fotógrafas e os fotógrafos.
A chegada do presidente interino, com uma fala ultraformal, por oras até rebuscada, estabeleceu um contraste imediato, resgatando uma linguagem retrô. Além da mesóclise, é comum nas falas do peemedebista o emprego contumaz da ênclise – outra colocação pronominal.
Nas duas falas públicas que fez até o momento, na posse e na entrevista ao “Fantástico”, Temer usou mais de uma dezena de ênclises: aposentar-se, casaram-se, permita-me, apresentaram-me, dar-se, tornou-se, exerçam-no, e por aí vai. Ele também utiliza com grande frequência as conjunções adversativas “no entanto” e “entretanto”.
Formado em Direito, Temer herdou o hábito de fazer citações em latim. A mais célebre foi a que abria a carta que dirigiu a Dilma no fim do ano passado, na qual reclamava de ser um “vice decorativo”: verba volant , scripta manent, que significa “as palavras voam, os escritos permanecem”.
Na semana passada, concluiu seu discurso com a língua romana ao explicar o objetivo de seu governo: “Vocês sabem que religião vem do latim religio, religare, portanto, você, quando é religioso, você está fazendo uma religação. E o que nós queremos fazer agora, com o Brasil, é um ato religioso, é um ato de religação”.
O professor de Língua Portuguesa Sérgio Nogueira afirma que não se pode avaliar como certa ou errada a forma de Temer discursar, mas sim como “pomposa” e “semierudita”. Quanto a Dilma, comenta que usava uma linguagem coloquial, “beirando o muito popular”.
“Temer enche sua fala de mesóclises, que está em desuso. É uma linguagem formal, um claro contraponto a Dilma, que usava uma linguagem coloquial. Temer, ao contrário, às vezes chega à raia do formalismo e essa diferença salta aos olhos”, compara o professor.
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