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Os atentados à bomba, durante a ditatura, causaram vítimas entre civis e militares | Fotos: arquivo pessoal
Os atentados à bomba, durante a ditatura, causaram vítimas entre civis e militares| Foto: Fotos: arquivo pessoal

História

Vítimas por todos os lados

Como medir o sofrimento das pessoas em uma época de exceção? No fim de março de 1965, o sargento Carlos Argemiro Camargo (foto acima) foi morto em serviço, no Oeste do Paraná. Deixou viúva Maria da Penha, na época com 17 anos, que estava grávida do primeiro e único filho do casal. Em 1970, Rômulo Barreto de Faria também era um jovem, com 16 anos, quando foi levado à força por militares e torturado.

Faria, que foi professor municipal por 25 anos e hoje ocupa um cargo administrativo, ainda se revolta bastante ao falar do passado. Ele conta que estava trabalhando quando foi levado para uma viatura, na companhia de "alguns monstros". "Muita gente foi torturada, ou fisicamente ou psicologicamente. Esse tipo de crime não deveria prescrever nunca e acho que o lado progressista das Forças Armadas deveria passar a história a limpo, para evitar que essas coisas voltem a acontecer." Segundo ele, os atos praticados por militantes eram necessários na época. "A primeira ilegalidade veio com o golpe militar, que destituiu um governo eleito democraticamente."

O sargento Camargo foi morto em um ataque de guerrilheiros de esquerda. Jornais da época publicaram que o objetivo do grupo era atacar o então presidente Castelo Branco, que estava em Foz do Iguaçu para a inauguração da Ponte da Amizade. Antes de chegarem à fronteira, houve o confronto com os militares. "Podia ter acontecido com qualquer um que tivesse o mesmo trabalho que ele. Quem está na chuva é para se molhar e, se é soldado, pode morrer", diz Maria da Penha.

Professora, Maria da Penha se diz tranquila com o passado e sem nenhuma vontade de buscar alguma reparação além da pensão que recebe por ser viúva de militar. "Sofri e sofro, porque não tive um pai para o meu filho. Mas superei."

  • Carlos Argemiro Camargo

Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) faça uma nova interpretação da Lei da Anistia, militantes de esquerda e opositores ao regime militar também poderiam ser responsabilizados pelos atos cometidos no passado. Essa é uma posição defendida por alguns advogados consultados pela Gazeta do Povo."Os direitos humanos não escolhem lados políticos. Se houve violação de direita ou de esquerda, qualquer um pode ser punido", avalia a pesquisadora Liliana Lyra Jubilut. O juiz Guilherme Guimarães Feliciano explica que em convenções internacionais, como o Tratado de Roma, atos como sequestros e assassinatos também são considerados crimes contra a humanidade. "A ação da OAB se restringe aos casos de tortura, pois há um entendimento de que os que eram da esquerda já foram julgados pelo aparelho de Estado da época da ditadura. Mas, em tese, o raciocínio vale para os dois lados."

AutoritarismoPara a cientista política Glenda Mezarobba, discursos que apontam que grupos de esquerda também poderiam ser responsabilizados revelam resquícios de autoritarismo na sociedade brasileira. "O país ainda não consegue fazer um acerto de contas com as vítimas da ditadura. Sempre aparecem ameaças veladas, mesmo que feitas sem essa intenção." Na opinião dela, a Lei da Anistia não anistiou os agentes de Estado. "Essa foi a interpretação que se deu a uma lei ambígua. Como a lei foi pouco testada nos tribunais, é a interpretação que parece se manter", opina a cientista política.

Vítima de atentado ficou no "limbo" da lei

Em março de 1968, Orlando Lovecchio se preparava para ser piloto comercial. Aos 22 anos, fazia as últimas horas de voo para tirar o brevê. Mas uma bomba que explodiu em frente ao Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, no dia 19 de março, interrompeu os planos dele. Por causa dos estilhaços, teve que amputar a perna esquerda. Ele não era militante ou militar, guerrilheiro ou agente de Estado. Apenas um civil que estava no local errado na hora errada.

O atentado é atribuído a um grupo de esquerda, a Aliança Libertadora Nacional. "Na época, como era o governo militar, o melhor era ficar quieto e por isso me resignei", conta Lovecchio. Em 2002 ele se inscreveu para receber a reparação econômica prevista na Lei do Anistiado Político (n.º 10.559), que beneficiava os prejudicados pelo regime. Mas, pela norma, ele não tinha direito, pois não foi perseguido ou punido durante a ditadura.

Lovecchio iniciou uma briga para ter algum tipo de indenização. Em 2004, o Congresso aprovou uma lei fixando o pagamento de uma pensão mensal vitalícia no valor de R$ 500 – o valor atual gira em torno de R$ 600. "É uma mixaria", diz. Ele se diz injustiçado porque considera que os autores do atentado "cometeram um ato terrorista" e, apesar disso, tiveram direito a indenizações.

Apesar do rancor que ainda guarda, Lovecchio diz que não é a favor da revisão da Lei da Anistia. Por outro lado, ainda luta para aumentar seus rendimentos. Há dois anos, entrou na Justiça para responsabilizar a União pelo dano que sofreu.

Para a cientista política Glenda Mezarobba, o Brasil falhou ao legislar sobre as reparações pagas às vítimas do regime militar – tema de sua tese de doutorado, defendida em 2007, na USP. Ela critica a distinção entre as indenizações pagas. As famílias de mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar tiveram direito a receber valores entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. Mas quem foi perseguido, sem ser morto, recebia um valor para recompor suas perdas econômicas do período. Muitas vezes, essa indenização superava em muito àquela paga aos familiares dos mortos.

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