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Dilma na abertura dos trabalhos do Congresso, no seu primeiro ano como presidente: 98 MPs foram enviadas ao parlamento desde então | Ichiro Guerra/ Presidencia
Dilma na abertura dos trabalhos do Congresso, no seu primeiro ano como presidente: 98 MPs foram enviadas ao parlamento desde então| Foto: Ichiro Guerra/ Presidencia

Análise

Instrumento é anacrônico, afirma advogado

Doutor em Direito do Estado e professor do mestrado em Direito do UniCuritiba, o advogado Fernando Gustavo Knoerr é taxativo em afirmar que as MPs são um instrumento excepcional, mesmo no regime parlamentarista – para o qual foram estruturadas. "No Brasil, dá-se ao presidente um poder enorme, porque ele consegue aliar o poder normal do Executivo ao poder de legislar. É um instrumento anacrônico num modelo presidencialista", diz.

Para ele, a maioria das medidas provisórias editadas não se justifica, uma vez que não atende, principalmente, ao princípio de urgência. Knoerr avalia que o governo se vale das MPs, na verdade, para forçar o Congresso a tratar de determinados assuntos. "Lei não se faz como pão. Lei pede estudos, levantamentos, dados técnicos", defende. "O risco de se disciplinar matérias de lei por meio de MPs é o risco da legislação afoita e que tem tudo para ser falha."

Questionado sobre a PEC 70/11, o advogado afirma que a mudança ideal em relação às MPs seria instituir uma legislação que as restringisse ainda mais. "As medidas provisórias são uma exceção que têm virado regra. Isso quebra o sistema constitucional."

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  • Sarney: 125 medidas provisórias, em cinco anos de governo
  • Collor: dois anos na Presidência e 89 MPs
  • Fernando Henrique: primeiro a editar mais de 200 MPs
  • Lula: Em oito anos de governo, 414 medidas provisórias

Depois da novela quase interminável em que se transformou a votação da Medida Provisória (MP) dos Portos há três semanas, a Câmara dos Deputados finalmente decidiu mudar o rito de tramitação das MPs. Após oito meses de espera, foi criada uma comissão especial para avaliar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 70/11, que especifica de forma clara os prazos para o trâmite das MPs.

Apesar de recorrente, o debate em torno das medidas provisórias ganhou contornos tragicômicos no caso do texto dos Portos, quando deputados viraram madrugadas na Câmara e até dividiram um panelão de arroz carreteiro servido em pratos de plástico para conseguir aprovar a matéria. No último dia de tramitação e a apenas quatro horas e meia de a MP perder a validade, os senadores aprovaram o texto.

Diante disso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), definiu que não incluiria mais na pauta MPs que chegassem à Casa a menos de sete dias de caducarem. O resultado é que duas matérias consideradas prioritárias pelo Palácio do Planalto, incluindo a que garantia a redução da tarifa de energia, acabaram perdendo a validade.

Numa tentativa de encerrar a polêmica, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), tirou da gaveta a PEC 70/11, de autoria de José Sarney (PMDB-AP), que já foi aprovada pelos senadores. Pela proposta, as MPs deverão ser votadas em 80 dias na Câmara e, posteriormente, em 30 no Senado.

Posicionamentos

O deputado Osmar Ser­­raglio (PMDB-PR) classifica as medidas provisórias como um instrumento "esdrúxulo" usado pelos seis presidentes da República desde 1988 – são 1.202 MPs até hoje. Para ele, as medidas provisórias já nasceram erradas, pois são um mecanismo parlamentarista aplicado num modelo presidencialista.

"No parlamentarismo, os congressistas se reúnem no dia seguinte para analisar uma MP. Aqui, não se vota, se rejeita o texto e nada acontece. Como a pena não é grave, há facilitação na emissão de MPs", argumenta.

Já o deputado Rubens Bue­­no, líder do MD (antigo PPS), vê as medidas provisórias como um mecanismo importante, mas que, historicamente, é usado sem qualquer urgência e relevância. "A enxurrada de MPs é um abuso que atrofia o Legislativo. É um gesto autoritário para mostrar que o Executivo manda no Congresso", critica. Por isso, ele defende a PEC 70/11, por entender que ela delimita prazos específicos para votação das medidas.

Serraglio, por outro lado, avalia que a proposta é contraditória por prever 120 dias para tramitação de MPs, enquanto projetos de lei com regime de urgência – em tese, menos urgentes – devem ser votados em 45 dias, segundo a Constituição. "Isso não faz sentido algum."

Em discussão

Como funciona, quais os problemas e quais as discussões em torno do trâmite de medidas provisórias (MPs):

A MP é um ato legislativo do presidente da República, editado em caso de "urgência e relevância". Tem força de lei e prazo de vigência de 60 dias, prorrogável uma só vez por mais 60.

Muitas MPs não são urgentes e relevantes. Em vários casos, as MPs poderiam ser substituídas por projetos de lei com caráter de urgência.

Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para se tornar lei em definitivo. Começa a tramitar na Câmara e depois vai ao Senado.

A PEC 70/11 define a necessidade de um julgamento de admissibilidade nas Comissões de Constituição e Justiça do Senado e da Câmara, nos primeiros dez dias de tramitação.

Atualmente, caso não sejam apreciadas pelo Congresso em 45 dias, entram em regime de urgência e passam na frente de todas as demais deliberações legislativas do plenário da Casa em que estiverem tramitando. É o trancamento da pauta. Se não forem votadas em no máximo 120 dias, perdem a eficácia.

A PEC 70/11 muda o rito de tramitação e determina prazos de andamento das MPs nas duas Casas. Pela proposta, as medidas provisórias deverão ser votadas em 80 dias na Câmara e, posteriormente, em 30 no Senado. Outros dez dias serão dados à Câmara para a análise de possíveis emendas apresentadas no Senado – depois disso, elas perdem a validade. Na Câmara, elas trancarão as votações após 70 dias, e, no Senado, depois do 20º dia de tramitação.

Não há restrições para o conteúdo das MPs. Caso ele seja alterado no Congresso, ela vira uma lei de conversão. Aprovada, ela vai para sanção presidencial. Nos últimos anos, a mudança do texto original das medidas provisórias tornou-se algo rotineiro no Legislativo, e o ato de incluir novos temas ganhou apelidos como "jabutis" ou "contrabandos". Essas "MPs Frankenstein" ou "MPs Árvore de Natal", em que são incluídos vários assuntos desconexos entre si, facilitam a aprovação de assuntos de interesse do governo.

Pela PEC 70/11, fica vedado incluir nas MPs "matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão".

Números

Desde a Constituição de 1988, foram editadas até agora 1.202 MPs, por seis presidentes diferentes. A média histórica é de 4 medidas provisórias por mês ou uma por semana.

• José Sarney (1985-1990): 125

• Fernando Collor (1990-1992): 89

• Itamar Franco (1992-1995): 142

• FHC (1995-2003): 334

• Lula (2003-2011): 414

• Dilma Rousseff (desde 2011): 98

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