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Fachada do TC estadual: dúvida se órgão pode fazer controle prévio das contas públicas | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Fachada do TC estadual: dúvida se órgão pode fazer controle prévio das contas públicas| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

6 dos sete atuais conselheiros do TC paranaense são ex-políticos. Quatro foram deputados e dois exerceram a função de secretário estadual.

90 dias é o prazo determinado pela Constituição para que qualquer Tribunal de Contas possa agir, caso tenha acionado o Legislativo e este não tenha tomado as providências necessárias.

Visto no passado como um cabide de emprego para políticos, os Tribunais de Contas (TCs), em âmbito federal e estadual, têm se mostrado mais ativos em suas ações de controle nos últimos meses. Em casos como o da redução da tarifa técnica dos ônibus de Curitiba e da suspensão de licitações milionárias da prefeitura e do Detran (veja quadro abaixo), o órgão tem deixado de ser um carimbador das contas de órgãos públicos e passou a determinar ações mais efetivas aos governantes. Entretanto, isso pode representar um passo além do que seria sua competência constitucional. Passo que, dependendo do caso, envolve questões de avaliação pessoal e, claro, política.

Esses órgãos têm como principal função ser um auxiliar do Poder Legislativo, do qual são parte integrante, na fiscalização das contas públicas. Pela lógica, o TC seria responsável pelo controle da execução do orçamento, elaborado pelo Poder Executivo e votado pelos parlamentos. Entretanto, em muitos casos, essa lógica tem sido invertida.

Para o professor de Direito Constitucional da UFPR Egon Bockmann, a Constituição não estabelece a previsão de um controle de contas prévio. "Talvez as previsões constitucionais positivadas em 1988 sejam anacrônicas, dados os desafios do século 21", afirma. O ideal, para ele, é que essas definições estivessem mais claras, o que poderia ser feito através de emenda. Entretanto, esse é um processo político demorado. Na ausência disso, o TC toma para si essa função e espaço de poder.

Para Bockmann, esse processo foi possibilitado por vários fatores. Por um lado, houve uma estabilização da economia brasileira a partir dos anos 90, o que permitiu, entre outras coisas, que os gastos públicos se tornassem mais previsíveis e legíveis. Além disso, houve uma constante melhora no quadro técnico desses tribunais. "O Tribunal de Contas da União investiu muito seriamente na carreira de seus servidores. Hoje, o concurso para auditor de contas da União é um dos mais disputados do Brasil", afirma.

Além disso, as necessidades também mudaram. Bockmann destaca a realização de contratos de longo prazo, que aumentaram a partir dos anos 2000. "O TC fica no meio de duas decisões. Vou deixar para analisar um contrato de 30 anos para depois que ele for executado ou analiso antes?", questiona.

Já o cientista político da UFPR Fabrício Tomio avalia que os tribunais passaram por um processo de institucionalização desde a Constituição de 1988. A partir desse momento, as carreiras internas do tribunal se tornaram mais sólidas, o que permitiu uma maior atuação desses órgãos. Além disso, nos últimos anos, as decisões desses tribunais ganharam mais visibilidade.

Contradição

Ainda assim, os TCs ainda vivem sob a contradição de ter um forte corpo técnico, mas uma direção eleita por critérios quase exclusivamente políticos. No TC do Paraná, por exemplo, dos sete conselheiros, quatro são ex-deputados e dois são ex-secretários estaduais – considerando nesta conta Fabio Camargo, afastado liminarmente do cargo no ano passado.

Casos urgentes exigem papel de ‘bombeiro’ do TC

A determinação do Tribunal de Contas do Paraná (TC) para reduzir a tarifa do transporte coletivo de Curitiba foi um exemplo de ato de fiscalização anterior à ação do gestor público. Na letra fria da Constituição, o TC deveria acionar o Poder Legislativo para que este acionasse o Executivo em caso de irregularidades. Porém, entendimentos sobre esse rito têm mudado ao longo dos anos.

Segundo o professor de Direito Administrativo Rodrigo Kanayama, da UFPR, essa não é uma questão pacificada no meio jurídico. A Constituição determina que, ao encontrar irregularidades nas contas, o Tribunal de Contas da União (TCU) – e, por simetria, os TCs estaduais – tem de acionar o Legislativo para que tome medidas cabíveis. Caso isso não ocorra em 90 dias, o TCU passa a ter poder de agir. Mas, segundo Kanayama, há julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitem que os tribunais ajam cautelarmente. "Acho que o Tribunal de Contas deve ter o poder de atuar. Ele não pode ficar somente sob a vontade do Legislativo, ou perde sua função", afirma.

Egon Bockmann, professor de Direito Constitucional da UFPR, acredita que essas decisões podem ocorrer em casos urgentes. Ele compara a situação com a de um bombeiro: se há uma "casa pegando fogo", ou seja, uma irregularidade flagrante que tem de ser sanada o mais rápido possível, o TC pode assumir as vezes do Poder Judiciário e "apagar o fogo". O problema, nesse caso, é definir o que é ou não urgente.

A questão do transporte em Curitiba seria um bom exemplo de caso que fica em uma zona cinzenta. Se a suspensão era ou não algo urgente, que dispensasse a participação da Câmara, foi uma avaliação dos conselheiros do TC. Como não há uma norma, a avaliação dessa urgência ficou a critério do TC .

Outros casos

Em outro caso envolvendo o TC que ganhou destaque no mês passado, sobre o repasse do governo do estado para obras da Arena, a participação do órgão foi mais discreta. Não houve uma determinação, apenas uma recomendação de que os repasses não fossem feitos.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o TC comunicou que os dois casos exigiam respostas diferentes. No caso dos repasses, não havia uma irregularidade flagrante, apenas um "óbice ao bom andamento dos trabalhos de fiscalização" do órgão, assim como um "prejuízo ao direito de informação da população". Já no caso do transporte, houve "ofensas à lei e à Constituição Federal".

Ponto fora da curva

Decisões recentes do TC envolveram o governo estadual e a prefeitura de Curitiba, os maiores órgãos públicos do estado.

Transporte coletivo

O TC considerou ilegais seis itens utilizados para o cálculo da tarifa técnica do transporte público de Curitiba – valor que serve como uma medida para os repasses da Urbs às empresas de ônibus. A partir disso, determinou, em caráter liminar, que a Urbs desconsiderasse esses itens no reajuste da tarifa técnica seguinte. Nos valores da época da decisão, isso significaria uma redução de R$ 0,43 no valor da tarifa. A decisão do TC foi suspensa pelo Tribunal de Justiça.

Publicidade da prefeitura

O TC suspendeu duas vezes a licitação das agências de publicidade que atenderão à prefeitura de Curitiba. A primeira vez foi no ano passado, quando o tribunal considerou irregulares quatro itens do edital. Uma nova licitação foi feita e apresentada em fevereiro, mas, novamente, o TC suspendeu o processo. O corregedor-geral do TC, Ivan Bonilha, considerou que, apesar de a prefeitura ter corrigido alguns dos equívocos apontados, feriu a Lei de Licitações ao, por exemplo, não deixar clara a possibilidade de participação de micro e pequenas empresas. O contrato é de R$ 20 milhões anuais.

Detran

Uma licitação de R$ 36 milhões do Detran para contratar serviços de monitoramento de exames práticos foi suspensa pelo TC em dezembro do ano passado. O órgão considerou irregular uma alteração feita no edital de licitação depois de sua publicação. Inicialmente, o edital exigia que apenas empresas que possuíssem atestado de capacidade técnica poderiam participar da concorrência. Depois, essa exigência foi retirada do texto. O tribunal não aceitou os argumentos usados pelo Detran para justificar a mudança.

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