A promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988 foi um marco na história do Brasil, que acabava de sair de um longo período de restrição aos direitos| Foto: ABr
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Uma data que talvez não seja tão lembrada pelos brasileiros quanto a que dá nome à tradicional Rua 25 de Março em São Paulo – dia da outorga da Carta Imperial de 1824 –, o 5 de outubro, comemorado na próximo sábado, marca os 25 anos da promulgação da Constituição de 1988, conhecida como "Constituição Cidadã". O apelido, cunhado pelo presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, dá uma ideia dos anseios da época, marcada pela transição dos regimes autoritários para a democracia.

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VÍDEO: O ex-deputado federal paranaense Nilso Sguarezi, um dos constituintes de 1988, conta algumas histórias do período.

"É um marco histórico: 25 anos de um regime de liberdades democráticas é algo que nunca tivemos. Esse é o ponto alto", resume o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Antonio Villa. Justamente pelo longo período de repressão, políticos e juristas concordam que havia uma grande cobrança pela cobertura dos diversos direitos para as várias camadas sociais. "Foram organizadas comissões temáticas, e todos os setores organizaram lobbys para garantir sua parte no texto", conta o ex-parlamentar paranaense Nilso Sguarezi, que foi deputado constituinte.

Para ele e o senador Alvaro Dias (PSDB), que também participou do processo de implantação da constituinte, um dos grandes erros da atual Lei Maior do país é a "disfarçada" prevalência do Executivo sobre os demais Poderes. "Havia uma expectativa de que passaríamos a conviver realmente com a interdependência entre os Poderes e que o Legislativo deixaria de ser submisso, e isso não ocorreu, porque os métodos são outros, mas o Legislativo continua subjulgado", avalia Dias.

Detalhismo

As cobranças sociais e institucionais, aliadas ao grande tempo para elaboração do texto constitucional – com debates e votações que se estenderam por 18 meses –, também geraram um texto detalhista e prolixo, segundo Villa. "Na época, confun­­diu-se Constituição com programa político partidário. Mas programa político partidário é de ocasião, e Constituição é um texto permanente", explica. Para ele, muitos dos 250 artigos de 1988 poderiam ter sido incorporados por outras leis.

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Apesar de ter nascido de uma expectativa nacional, esse detalhismo, segundo o advogado e cientista político Marcelo Navarro, acabou não garantindo efetivamente os direitos sociais, uma das metas em 1988. "Essa garantia de bem-estar social melhorou se comparada com o que tínhamos, mas, por outro lado, há problemas sistêmicos na economia e na sociedade como um todo que impedem esse desenvolvimento", aponta.

Alguns deles tentaram ser resolvidos pelo próprio texto constitucional, por exemplo, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a determinação de o salário mínimo dever atender às necessidades básicas do trabalhador. "Nesses aspectos, estamos muito longe de uma igualdade. Ainda há uma distribuição de renda muito diferenciada dentro do Estado brasileiro", avalia o professor de Direito Constitucional da PUCPR, Alvacir Nicz.

Os especialistas são unânimes em mostrar que esse Estado de bem-estar social, muito mais que uma garantia constitucional, depende de outras políticas públicas, que envolvem questões econômicas, sociais e educacionais voltadas à população brasileira. "Se houver uma cobrança da sociedade para que os governantes visualizem o planejamento dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, o caminho [da Constituição] é para uma vida longa", diz Nicz.

Riqueza de detalhes do texto continua a causar problemas

Apesar de ter garantido direitos fundamentais jamais efetivados anteriormente, a riqueza de detalhes com que foi tratada a Constituição de 1988 gera problemas ainda hoje, como o alto índice de mudanças e incrementos ao texto por meio de emendas. Até agora foram 74 regramentos incorporados e tantos outros que tramitam no Congresso Nacional.

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Para especialistas, muitas dessas matérias refletem os anseios políticos de cada época e não necessariamente uma garantia de leis às pretensões populares. Um dos exemplos citados pelo historiador e professor da UFSCar Marco Antonio Villa é a emenda constitucional que garantiu a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1997. "Na constituinte, ninguém pensou na reeleição, não era uma questão que a maior parte deles defendia", conta.

"As emendas deturparam o sistema constitucional, porque o Legislativo deveria fazer lei e fiscalizar e, com emenda parlamentar, ele está se imiscuindo na administração", avalia o ex-deputado constituinte Nilso Sguarezi. Para o cientista político e advogado Marcelo Navarro, algumas questões precisavam necessariamente de revisões, mas o processo de mudança foi se distorcendo com o tempo. "As emendas dependem de engenharia política muito grande para serem efetivadas", observa.

Mutações necessárias

O professor de Direito Constitucional da PUCPR, Alvacir Nicz, revela que, mesmo regada a vícios políticos, algumas emendas são realmente imprescindíveis para garantir a mutabilidade da lei. "A Constituição não pode ser estática. Na medida em que a sociedade está em um processo dinâmico de mudanças, o texto tem que ir mudando, até porque ela é extremamente grande, extensiva e detalhista", avalia.

Nicz aponta ainda que não é possível fazer uma comparação entre o sistema brasileiro e o ­norte-americano, que possui uma Constituição enxuta e praticamente imutável em dois séculos, por exemplo. "Lá, há um construtivismo feito pelo tribunal superior com a mesma literalidade do texto. Nós temos um amor ao positivismo, talvez até seja um exagero, mas, por ela ser assim, importa nela um significado maior de alterações concretas."

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