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A metáfora de George Orwell sobre o poder continua imbatível. Quem leu A Revolução dos Bichos lembra: cansados dos maus tratos infligidos pelos fazendeiros humanos, os bichos, liderados pelos porquinhos, fazem a revolução. Instalam um governo mais justo, com várias regras para garantir a igualdade. No fim, porém, os porcos sentem o gosto do poder e vão ficando cada vez mais parecidos com os humanos que tocavam a fazenda. Para garantir seus privilégios, abusam dos outros e vão riscando as regras de justiça uma a uma. No final, a única que ainda sobra é a de que "todos os bichos são iguais". Mas com o famoso adendo: "Alguns, porém, são mais iguais do que os outros".

O PT de Lula se fez com um discurso bonito de oposição. Pregava justamente uma maior igualdade. Queria nos livrar do FMI e "de tudo aquilo que estava por aí", lembram? E não faltavam motivos para que o eleitor se empolgasse: Lula tinha sido um combatente importante contra a ditadura, ajudou a mudar o movimento sindical brasileiro, criou um partido que reuniu operários a intelectuais. Falava de questões realmente relevantes num país onde a vasta maioria ficava relegada ao esquecimento. E em 2002 a população resolveu colocá-lo no poder.

Não é que o discurso fosse totalmente falso. A gestão do PT, que logo completará dez anos, trouxe avanços verdadeiros para a inclusão social. Não é só o Bolsa Família, embora isso por si só seja importante. É o conjunto, com ProUni, geração de mais empregos, garantia de mais direitos e acesso a três refeições por dia para muita gente. Menor desigualdade, de fato.

Mas cada vez mais a descoberta de como funcionavam os bastidores do poder petista dão mais razão à metáfora de Orwell (que, claro, escrita em outro contexto, tinha como alvo os stalinistas). O mensalão como um todo mostra que o partido foi riscando uma a uma as regras que pregava. Inclusive as regras da ética. As regras de independência de poderes. As regras da democracia. Tudo em nome do poder.

E, assim como na fábula de Orwell, a cláusula que restou, a de que todos são iguais, também ganhou adendos. Os companheiros eleitos para promover a justiça social mereciam mais, ainda que novas regras precisassem ser riscadas. O que espanta, porém, nas declarações vindas à tona de Marcos Valério, é a velocidade com que isso parece ter acontecido.

No depoimento que agora vem a público, Valério diz que se reuniu com Lula e José Dirceu para falar de empréstimos que, tudo indica, irrigariam o esquema de compra de votos no Congresso. Mas quando isso ocorreu? No início de 2003. Ou seja, assim que Lula chegou ao poder pela primeira vez. E, na mesma época, por meio de Freud Godoy, Valério teria repassado dinheiro de origem suspeita para pagar contas pessoais do presidente.

O que parece, assim, não é que Lula, ao passar anos à frente do Planalto, decidiu que era inútil nadar contra a corrente. Se tudo o que Valério diz for verdade (e é preciso apurar isso), Lula não se transformou naquilo que tanto criticava ao longo de um processo demorado. Ao chegar a Brasília, já saberia muito bem como poderia e tentaria operar um esquema que o transformaria no antigo fazendeiro que expulsara do poder. Será?

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