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Great Thunberg joins a protest by climate activist near UN headquarters on August 30, 2019, in New York. (Photo by Bryan R. Smith / AFP)
Great Thunberg joins a protest by climate activist near UN headquarters on August 30, 2019, in New York. (Photo by Bryan R. Smith / AFP)| Foto: AFP

Antes de entrar no tema, tenho o dever de dizer que, na minha opinião, o discurso da menina Greta Thunberg na ONU atravessou o samba. A comparação mais fácil que me ocorre é a performance Iron Maden de Janaína Paschoal. Toda vez em que a forma é objeto de mais observações que o conteúdo, a aparição pública não teve sucesso.

Compreendo as motivações da adolescente e entendo que alguém da idade dela tem todo o direito ao descontrole numa performance pública tão importante. Duvido, aliás, que muitos de seus críticos adultos conseguissem articular mais de duas sílabas naquele ambiente. Admiro a paixão dela e a disposição para lutar pelo que considera correto. Nada disso faz com que o discurso tenha atingido os objetivos que ela pretendia. Foi muito fígado com uma pitada de ressentimento e frases feitas, coisa que enfraquece toda a trajetória da adolescente numa oportunidade que me pareceu sob medida para engrandecê-la.

Mas o fenômeno mais interessante não é uma escorregada de adolescente sob os holofotes é o bando de machos ferozes que está choramingando pela "agressividade excessiva" da menina mas justificando os arroubos mais virulentos e indecentes do bolsonarismo. Muita gente pode concordar comigo e dizer que realmente a moça foi mal ali, menos quem justifica o discurso bolsonarista. Eduardo Jorge e Augusto de Franco, homens que eu respeito muito partilham da minha visão sobre o discurso. Respeito o que eles dizem, não respeito quem tem uma medida para a menina e outra para a agressividade de fanáticos políticos barbados.

Talvez seja mais um desdobramento da prática que tem sido tratada como espontaneidade: humilhar e esculachar mulheres sempre que elas ousarem abrir a boca com ideias próprias.

O dramaturgo Roberto Alvim foi defendido nas redes sociais por bolsonaristas após dizer o seguinte sobre Fernanda Montenegro: “A foto da sórdida Fernanda Montenegro como bruxa sendo queimada em fogueira de livros, publicada hoje na capa de uma revista esquerdista, mostra muito bem a canalhice abissal destas pessoas, assim como demonstra a separação entre eles e o povo brasileiro” . Não é meio agressivo isso, talvez mais até que uma menininha?

O presidente da República, Jair Bolsonaro, é tratado como autêntico e espontâneo. Experimente dizer que ele é agressivo e verá a ira nas redes sociais. " É só você deixar de comer menos um pouquinho. Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também." , disse. Não é agressivo também?

Essa a seguir, como defensora intransigente da família, considero além de agressiva, é cruel, bárbara. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele", disse o presidente da República sobre o pai do presidente da OAB, queimado pela ditadura num forno de engenho.

Durante a campanha eleitoral, o presidente empunhou um tripé de câmera como se fosse uma arma e disse: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr do Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem de ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein, galera. Vão ter de comer é capim mesmo”. Foi tratado como "quem fala o que pensa" por alguns dos que reclamam hoje de agressividade excessiva de uma menina por ela ter dito que sua infância foi roubada.

Os bolsonaristas mais radicais são especialmente cruéis e virulentos com mulheres. Não criticam, tentam humilhar, diminuir a biografia, ridicularizar, deixar bem claro que mulheres não deviam abrir a boca e devem ser aniquiladas se não obedecem.

O presidente briga com a França? Diz que a mulher do presidente deles é feia. Tem problemas com a ONU? Difama o pai da ex-presidente do Chile. No gabinete presidencial estão alguns dos homens mais baixos e indecentes no tratamento com mulheres que já vimos no serviço público, coisa de fazer o infame "mulher de grelo duro" de Lula parecer coisa do jogo. Foi condecorado com a Ordem do Rio Branco um senhor que rivaliza com mulheres falando das partes íntimas delas, exatamente para deixar claro que não podem ter ideias.

Esses dias, o ministro da Educação mandou um abraço, via twitter aos "guerreiros" do 55 chan, um fórum de internet dedicado, entre outras coisas, a planejar atentados em escolas. Lá foram gestados os autores dos massacres do Realengo, de Suzano e do ataque no Rio Grande do Sul. Nesse fórum, mulheres são chamadas de "depósitos". É disso mesmo que você está pensando, depósito de sêmen.

O presidente da República chegou a se encontrar em viagem oficial com um garoto que milita por ele na internet e diz, dia sim outro também, que odeia mulheres apesar de apreciar o órgão sexual feminino. Assessores da presidência expressam na internet seu apreço por desempregados ressentidos que dedicam boa parte do dia a esculachar mulheres utilizando sempre a linguagem sexual, humilhação e ameaça.

Ministros e influencers bolsonaristas se orgulham de dizer que a "falta de compostura" do presidente da República é uma cobrança inútil do politicamente correto. Eu discordo, mas eles têm o direito de dizer isso. O mistério é: como podem, ao mesmo tempo, achar que uma mocinha é agressiva demais? Então eles podem cobrar compostura do mundo mas não precisam ter nenhuma? São mais que os outros por quê?

Quem passa pano para tudo isso tem o direito de dizer que a menina sueca foi agressiva demais? Claro que tem. Mas nós temos o direito de expor a incoerência e pedir que essas pessoas se expliquem.

O mais tenebroso de tudo é a demolição dos valores cristãos e de família que o governo jura até hoje defender. Os princípios de igualdade que chegaram à legislação e constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos vêm da moral judaico-cristã e muito dos Evangelhos, onde Jesus demanda e consegue que mulheres sejam vistas como criação humana de Deus, não como propriedade dos homens.

Não há cristão nem defensor da família que compactue com desrespeito às mulheres, com a linguagem chula e indecente usada contra nós, com a tentativa de diminuir a importância central da mulher na família, com os sucessivos ataques contra a honra de mães, com a sexualização doentia que se expressa de maneira indecente toda vez que um dos militantes ressentidos se depara com uma opinião feminina da qual discorda.

Quem cala consente. Todo aquele que é indiferente diante desse circo dos horrores do desrespeito contra mulheres e da normalização da baixaria é, na verdade, cúmplice. Não tenham medo de defender os princípios que norteiam a vida dos brasileiros, aposto que somos maioria. Agradeço à menina Greta e ao seu descontrole emocional por ter me dado a oportunidade de desmascarar um discurso hipócrita.

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