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Prolongar a vida e conservar a saúde são motores básicos do desenvolvimento científico, partindo da premissa que a vida é um dom sagrado, o bem jurídico mais importante e a maior preciosidade que devemos nutrir, cuidar e proteger. Parece inexplicável que tanta gente resolva extinguir a própria vida, mas o problema atravessa o tempo, as culturas, o progresso científico e a tecnologia. É o que mostra o relatório da Organização Mundial de Saúde divulgado hoje, véspera do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

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Enquanto você leu esse primeiro parágrafo, ocorreu um suicídio. É um a cada 40 segundos no mundo, a maioria de pessoas com menos de 45 anos - e, provavelmente, muitas outras formas de resolver seus problemas.

O que leva alguém a cometer suicídio permanece sendo algo que desafia cada um de nós e toda a sociedade. Qual o tipo de doença ou desespero que leva alguém a decidir que dar cabo do dom mais sagrado que recebemos é a melhor saída? São inúmeras as hipóteses levantadas todas as vezes em que nos deparamos com o suicídio de um famoso, uma dessas pessoas que tem tudo o que as outras imaginam que seja capaz de construir a felicidade.

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Lendo os dados do relatório, a grande impressão é que o primeiro passo para o enfrentamento desse tipo de problema é enfrentar nossos demônios internos. Acreditamos que devemos temer determinadas coisas ou agir contra outras com base na emoção, não nos números. Obviamente cada um de nós tem o sagrado direito de de dar atenção ao que lhe toca o coração mas, sozinho, esse movimento não nos ajudará a solucionar os problemas que nos afligem.

Sou mãe. Algumas das que estão lendo também são, alguns são pais. Pensemos numa filha. O que nos tira mais a tranquilidade: ela chegar tarde ou estar em casa, sob a proteção de conhecidos? Obviamente o período fora que, quando dura mais que o combinado, faz o coração dos pais explodir em borboletas e a imaginação voar mais que filme do Quentin Tarantino. No entanto, estatisticamente, é muito mais perigoso para a menina ficar em casa. A maioria das agressões de todo tipo contra mulheres é feita por conhecidos em ambiente familiar. Não sei se saber disso debela aquela aflição da gente quando uma filha atrasa, provavelmente não, mas pode nos ajudar a ter olho vivo em situações que pareciam inofensivas.

As grandes "verdades universais" sobre suicídios, que não passam de boatos, podem ser um grande entrave para o combate ao problema. Informações falsas são uma névoa que nos impede de ver a verdade antes que ela tenha consequências.

Algo que a maioria das pessoas já deve ter ouvido é que mais jovens se matam em países desenvolvidos. Provavelmente devido a casos que ficaram famosos no Japão, acabou se construindo uma lenda urbana. Até existe uma questão da preocupação existencial e do isolamento nos países ricos que provavelmente justifica números proporcionalmente mais altos. Mas o grosso dos suicídios de jovens é nos países médios ou pobres: 79%. Como neles vive 84% da população mundial, o número é realmente proporcionalmente mais alto nos mais ricos, mas não mais significativos em número de vidas perdidas.

O gráfico a seguir deixa mais clara a questão entre a matemática e a perda de vidas humanas. A parte vinho da barra é de vidas perdidas nos países médios ou em desenvolvimento e a bege é dos países ricos. Embora, proporcionalmente, exista uma taxa mais alta no grupo bege, o tamanho absoluto do grupo vinho é bem maior.

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"O suicídio é um problema de saúde global. Todas as idades, sexos e regiões do mundo são afetados. Cada dado representa uma vida que foi perdida por suicídio, cada perda é uma perda a mais." - dizem os autores do relatório da OMS.

O último relatório foi feito com dados coletados no ano de 2016 e o anterior era com dados de 2010. Na comparação, estamos progredindo: houve queda de 9,8% na taxa mundial de suicídios, com destaque para o oeste do Pacífico, a parte que banha Ásia e Oceania. Mas a região das Américas teve alta de 6% na taxa de suicídios, um problema a ser enfrentado por nós.

O gráfico abaixo mostra uma situação bem preocupante na região em que vivemos. Embora as Américas não tenham uma proporção de suicídios avassaladora, as taxas estão crescendo e é a única região do mundo em que isso tem acontecido.

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O suicídio é mais frequente entre os homens, quase o dobro da proporção verificada entre mulheres, uma média mundial de 1,8 suicídios masculinos para cada um feminino. Nos países ricos, vira uma questão ainda mais masculina: em torno de 3 suicídios de homem para cada suicídio de mulher. Difícil saber as causas, entender o dado. Mas é o fato e o enfrentamento dessa questão começa nele.

Também lidamos com um problema que atinge diferentes idades dependendo do nível econômico do país. Em geral, na média mundial, o suicídio é mais frequente abaixo dos 45 anos, contabilizando 52,1% dos casos. Mas essa média não pode ser tomada como um retrato real dos extremos. Nos países ricos, o suicídio é mais frequente entre os 45 e 55 anos. Já nos países médios e pobres, a frequência é maior entre os jovens de 20 a 30 anos de idade.

Os suicídios que ficam mais conhecidos do público são os de celebridades e aqueles que afetam o cotidiano dos demais, pessoas que se atiram de lugares altos. Faz parte do nosso imaginário que pontes ou prédios sejam locais preferenciais de suicídio. Estatisticamente não são. As formas de cometer suicídio mais comuns são enforcamento, evenenamento e com arma de fogo. A OMS lançou um guia de prevenção de suicídios direcionado especificamente a quem regula ou comercializa pesticidas.

Embora o relatório seja sobre suicídios, deixa também um alerta para a situação da juventude no mundo. Não temos sido bem sucedidos em encaminhar bem e proteger nossos jovens, principalmente as meninas. A principal causa de morte de meninas de 15 a 19 anos é complicação no parto.

É uma questão que precisa ser abordada com a gravidade e seriedade necessárias. Vemos no mundo inteiro muita gente se colocando em defesa da família. Como serão as famílias formadas por meninas de 15 a 19 anos? Embora seja muito cômodo querer parecer que gravidez na adolescência seja a exceção porque atinge uma porção pequena das meninas, é algo tão traumático que chega a ser a principal causa de morte entre elas.

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Causas de morte de adolescentes de 15 a 19 anos

O gráfico acima mostra que há profundas diferenças entre os perigos mortais que o mundo oferece para meninos e meninas dos 15 aos 19 anos de idade. Eles morrem mais, infinitamente mais e quase sempre na rua. Acidente de carro e violência são as principais causas de morte de meninos, seguidas pelo suicídio. Entre as meninas, as principais causas de morte são complicações da gravidez e suicídio, seguidas pelo acidente de carro.

Este definitivamente não é o mundo que eu quero deixar para as próximas gerações. Infelizmente, é assim que as estamos tratando. Amanhã é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio e é por isso que a OMS fez esse relatório. Que sirva para nos acordar das nossas certezas.