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O principal recado do procurador Gherardo Colombo e do juiz Piercamillo Davigo, protagonistas da mitológica Operação Mãos Limpas que abalou a Itália durante os anos 90 e que estiveram presentes no evento promovido pelo Estadão na última terça, deveria ser ouvido por todos os brasileiros.

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Após três mil mandados de prisão expedidos, seis mil investigados (incluindo quatro ex-primeiros ministros) e doze suicídios, a corrupção na Itália, segundo eles, voltou ainda mais forte. Como uma bactéria atacada por um antibiótico fraco, a corrupção no país de Sílvio Berlusconi se renovou, adaptando métodos e táticas para ganhar resistência e sobreviver, e está mais espalhada e robusta do que antes.

Os paralelos entre a Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, e a Mãos Limpas italiana são óbvios, assim como os prognósticos sombrios. Se Colombo e Davigo fizeram a gentileza de cruzar o Atlântico para avisar dos riscos que o Brasil corre, o mínimo que podemos fazer é ouvir. Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, também palestrantes do evento, pareceram concordar com seus pares da Mani Pulite de que o cenário futuro pessimista está longe de ser improvável.

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A lição mais importante que se pode tirar do alegado fracasso da megaoperação italiana é que o combate ao crime não pode e não deve ser baseado apenas em ações penais mas numa mudança estrutural das relações entre estado e sociedade em que o judiciário é uma parte de um esforço muito maior de refundação do país em bases mais morais e éticas. Sem o envolvimento e o apoio direto da população, o remédio não só não vai curar o paciente como ele acabará pior do que antes do tratamento.

A Itália mostrou que há um processo darwinista de seleção natural entre os agentes que participam da roubalheira. Quando a Operação Mãos Limpas começou a investigar e prender corruptos, os mais lentos e inábeis foram presos, enquanto os mais rápidos, adaptáveis e inteligentes fugiram das garras da justiça formando novas alianças, criando métodos mais sofisticados e aumentando a eficiência das organizações criminosas. Se antes os corruptos italianos eram ao menos envergonhados, hoje são cínicos e ousados, certos de que nunca serão pegos.

No começo da Mani Pulite, segundo Colombo e Davigo, havia amplo suporte da população italiana e da imprensa, filas de colaboradores dando testemunhos, entregando provas e oferecendo informações para os investigadores. Com o tempo, a Operação foi perdendo o fôlego e o apoio da opinião pública, as reformas estruturais não vieram e os corruptos voltaram ainda mais resistentes aos antibióticos tradicionais.

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Os número da Operação Lava Jato impressionam: mais de R$ 6 bilhões em propinas identificadas envolvendo apenas a Petrobras, uma roubalheira que teria causado um prejuízo de mais de R$ 40 bilhões para a estatal. A Lava Jato já teve mais de 100 condenações que somam 1.600 anos de cadeia. Mais emblemáticos ainda são os nomes envolvidos e que levaram a prisões inimagináveis como as de Marcelo Odebrecht, do marqueteiro João Santana, do ex-ministro Antonio Palocci, do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e a condenação de Lula a quase 10 anos de prisão.

O combate da corrupção sistêmica, que envolve os principais escalões do governo e estatais, passa necessariamente por uma diminuição das garras do estado, a descentralização da administração pública e a devolução do poder aos estados e municípios. No lugar dos corruptos atuais, não basta “profissionalizar” o estado, como imaginam certos liberais iludidos e inocentes que compram a idéia positivista de uma burocracia científica em substituição aos cleptocratas atuais. Sempre que houver alguém com poder para criar dificuldades, haverá venda de facilidades. Não adianta trocar a CUT por ex-alunos de Harvard, é preciso menos estado.

Não adianta trocar a CUT por ex-alunos de Harvard, é preciso menos estado.

Outro ponto, tão importante quanto, é um permanente esforço para tornar a corrupção socialmente inaceitável. Sem diminuir a importância do sistema penal e das condenações, é preciso que o corrupto não seja visto como um bandido romântico, um revoluncioário contra o sistema, alguém que “rouba mas faz” e que “os fins justificam os meios”. Roubar dinheiro público não deve dar apenas processo, deve causar a morte social de quem comprovadamente cometeu o crime.

Lula, condenado a nove anos e meio de cadeia por Sérgio Moro, é hoje o líder das suspeitíssimas pesquisas de opinião para presidente na próxima eleição. Mesmo que se admita as repetidas falhas dos principais institutos de pesquisa do país nas campanhas mais recentes, é inegável que Lula ainda goza de alguma popularidade, especialmente entre bilionários, investidores, celebridades e jornalistas, gente com recursos e meios para fazer a carreira política de Lula renascer das cinzas. Há tempo e dinheiro para isso.

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A desfaçatez com que Lula perambula pelo país fazendo campanha eleitoral e a maneira condescente com que é tratado pela imprensa, especialmente se comparada à cobertura de seus potenciais adversários ano que vem, mostra que estamos ainda a anos-luz da necessária e urgente condenação moral a um político que deixou um país economicamente devastado, politicamente corrompido, eticamente confuso e administrativamente aparelhado até o limite. Se a caravana de Lula custa a empolgar, mesmo nos grotões mais remotos do país, é cedo para considerar seu projeto de poder como carta fora do baralho.

A condenação moral de Lula e dos envolvidos nos principais casos de corrupção do Brasil passa pela construção urgente de narrativas que traduzam para a população, de forma dramática e envolvente, o que o jornalismo em geral tem falhado miseravelmente em demonstrar. Um exemplo para ser aplaudido de pé é o competente e convincente “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, com direção de Marcelo Antunez e Ary Fontoura fazendo um Lula digno de Oscar. É impossível, mesmo para o mais alienado dos espectadores, ignorar a roubalheira petista depois de assistir o filme.

Mais que uma nova classe política, o país precisa de uma nova elite que tenha algum compromisso com a nação e com os brasileiros além da tradicional arrogância esnobe de tratar os brasileiros como animais irracionais que merecem apenas pão e circo. Com uma elite hedonista, niilista e decadente, moralmente corrompida ao ponto de piscar o olho para a normalização da pedofilia, qualquer projeto viável de país é impossível.

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Recentemente, o apresentador e pré-candidato Luciano Huck deu declaração tão antiliberal quanto a de qualquer membro de um grupelho de extrema-esquerda como o PSOL, mostrando mais uma vez a total desconexão da elite do país, assim como das suas celebridades e de seus intelectuais orgânicos, com as reais necessidades da população.

Sem uma elite com um mínimo de formação intelectual e base moral, que entenda o caminho percorrido pelos países mais prósperos, livres e democráticos do mundo, a euforia com a Lava Jato pode terminar numa ressaca de proporções venezuelanas.