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Ana Luiza Fischer T de Souza Mendonça, juíza do Trabalho da 3ª Região
Ana Luiza Fischer T de Souza Mendonça, juíza do Trabalho da 3ª Região| Foto: Divulgação

Entrevista com a juíza Ana Luiza Fischer
Ana Luiza Fischer T de Souza Mendonça é juíza do Trabalho da 3ª Região. Integrou a comissão de redação da Reforma Trabalhista e de outras normas legais. Foi uma das coordenadoras do GAET – Grupo de Altos Estudos do Trabalho do Ministério da Economia.

O ex-presidente Lula, líder das pesquisas para a sucessão presidencial, usou suas redes sociais para defender a revogação da Reforma Trabalhista de 2017 e ainda cita a Espanha como exemplo. Como a sra. avalia as declarações do ex-presidente?

A reforma de 2017 foi uma das poucas leis trabalhistas que buscou aprimorar o ambiente de negócios no Brasil que, como se sabe, pode ser muito nocivo ao empreendedor. Sem um bom ambiente de negócios não há empreendimento e não há emprego, uma vez que quem empregaria prefere obter rendimentos de outra forma. O beneficiado por um ambiente empresarial saudável é, portanto, em última instância, o trabalhador.

O que podemos aprender com os resultados da Reforma Trabalhista de 2017? Considerando seu impacto na economia e nas relações de trabalho, houve avanços? A revogação da reforma seria um retrocesso?

A reforma trabalhista prestigiou a livre iniciativa, a liberdade e a segurança jurídica. Embora tenha parecido ousada a muitos, tenho a impressão de que essa visão decorre muito mais do ineditismo de se ter uma lei trabalhista dita flexibilizante, do que propriamente da profundidade de suas alterações. É preciso lembrar que a reforma na verdade tornou lei vários posicionamentos já sedimentados pelo STF, como o da validade da terceirização de serviços, da legalidade de planos de demissão voluntária e o da prevalência de acordos coletivos sobre a lei. De igual modo, após a entrada em vigor, o STF já chancelou vários pontos da reforma, sendo o mais importante a extinção da contribuição sindical.

A meu ver a revogação da reforma trabalhista não seria apenas um retrocesso como enfrentaria problemas de natureza técnica: não é possível, no direito brasileiro, ocorrer  a chamada repristinação - termo que significa o retorno à vigência de lei anteriormente revogada. É de se presumir, portanto, que a intenção anunciada não seja propriamente de uma "revogação" da reforma trabalhista, mas sim, de realização de uma nova reforma em sentido contrário. Em qualquer caso, a discussão passaria pelo Congresso Nacional e não poderia advir exclusivamente do Poder Executivo.

Há menos litigância na justiça do trabalho depois da reforma?

Houve redução de cerca de 30% no número de processos trabalhistas no Brasil (que estava no patamar de quatro milhões de novas ações todos os anos) e há consenso até mesmo entre os críticos da reforma de que essa redução deveu-se à entrada em vigor da nova lei. As novas regras de concessão de gratuidade de justiça, o regime de sucumbência e a homologação de acordo extrajudicial  mostraram-se instrumentos eficazes à redução de conflitos e a uma certa moralização da litigância. É verdade que o cenário alterou-se muito com o advento da pandemia e com algumas decisões pontuais do STF. Todavia, foi possível ver empiricamente os resultados que se alcançam a partir de incentivos legais.

Qual foi a importância da flexibilização das leis trabalhistas durante a pandemia?

A reforma regulamentou uma série de novos fenômenos no mercado de trabalho, impensáveis na década de 40, quando a CLT nasceu pelas mãos da ditadura varguista. Entre eles, vale citar o novo trabalho a tempo parcial, o trabalho intermitente e o teletrabalho. Estes dois últimos se mostraram essenciais para o enfrentamento da pandemia no campo do trabalho. O contrato intermitente, em especial - aquele em que o empregador convoca o empregado apenas quando há demanda e em que o trabalhador pode trabalhar para diversos tomadores - mostrou-se adequado à realidade transitória e à cautela empresarial, especialmente nos setores mais afetados, como o de serviços, bares e restaurantes.

Como a sra. avalia as críticas às relações entre aplicativos como Uber, Rappi e iFood seus parceiros (motoristas e entregadores)?

A ocupação de trabalhadores autônomos por meio de plataformas promete ser a grande discussão trabalhista no Brasil dos próximos anos. E ela se dará no campo doutrinário, legal e jurisprudencial. Eu acredito que essa forma de ocupação floresceu enormemente numa sociedade como a brasileira, onde há enorme informalidade e baixa instrução, justamente em razão de sua relativa liberdade. É uma ocupação que gera renda e trabalho imediatos a quase qualquer pessoa, de quase qualquer qualificação. É preciso também lembrar que esses trabalhadores, formalizados como microempreendedores (MEI), têm acesso aos principais benefícios previdenciários a um custo muito menor que o presente no emprego. Possivelmente isso será afetado por uma regulamentação, em especial se esta regulamentação se mostrar muito intrusiva. Além disso, me parece que esse tema está candente e, portanto, propício ao populismo, ainda mais em ano de eleição.

Como o Brasil poderia avançar nas relações trabalhistas?

A nossa legislação trabalhista protege o empregado, mas a rigidez da CLT acaba por deixar à margem da cobertura legal uma parcela imensa de trabalhadores, em especial, os desempregados e os trabalhadores informais. Convivemos, portanto, com dois tipos de trabalhadores: os que têm tudo – emprego, salário, direitos trabalhistas e previdenciários – e os que nada têm – os informais e os desempregados. Uma boa legislação trabalhista deve olhar para todos os trabalhadores e estabelecer incentivos inteligentes para quem emprega.

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