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Se o país não muda, o eleitor faz a mudança por ele
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Numa live surpresa no último sábado (08), Bolsonaro lamentou não conseguir “mudar o destino do Brasil”. Disse que “a América Latina está pintada de vermelho” e que ainda não decidiu se tentará a reeleição. A tensão se explica: ele sabe que seu destino passa pelas eleições do próximo domingo e as perspectivas não são nada boas.

Nos EUA, as eleições que ocorrem no meio do mandato do presidente costumam ser vistas como um indicativo do humor da nação em relação ao seu desempenho. Quando eleito, o presidente americano normalmente faz a maioria dos deputados da câmara, mas não é raro que perca muitas cadeiras em dois anos, o que cria muitas dificuldades para sua gestão e um alerta para sua chance de reeleição.

Não temos o hábito de ver a eleição municipal brasileira como um recado ao governo federal, mas foram os candidatos e o próprio presidente os primeiros a “nacionalizar” as disputas. Bolsonaro participou de lives, pediu votos e deu apoio explícito a diversos políticos, colocando em xeque sua capacidade de transferência de votos, como analisado no artigo “O mito da transferência de votos do mito”.

Bolsonaro subiu o tom nos últimos dias, especialmente após o infortúnio de Donald Trump, o líder mundial dos nacional-populistas que emergiram a partir de 2016. Ao entrar de cabeça na eleição deste ano, Bolsonaro se expõe ao primeiro e mais importante teste de sua popularidade, com reflexos importantes para suas pretensões políticas. Uma derrota de seus protegidos ente ano ecoará pelos próximos dois anos.

O governo escolheu candidatos em diversas cidades, em algumas dando apoio escancarado e colocando a tropa de choque das redes sociais para pedir votos. A maior batalha está em São Paulo, onde Bolsonaro busca derrotar o prefeito Bruno Covas, pupilo do arquirrival João Doria. Seu soldado na capital, o neobolsonarista Celso Russomanno, pela terceira vez consecutiva larga na frente e depois despenca nas pesquisas, com chances reais de ficar de fora do segundo turno. Pode ser a derrota mais simbólica de todas, mas provavelmente não a única.

No Rio de Janeiro, berço do bolsonarismo, o prefeito Marcelo Crivella, outro bolsonarista de ocasião, continua patinando e, mesmo que consiga vaga no segundo turno contra Eduardo Paes, tem resultados nada animadores e, até o momento, não ameaça o oponente. Flávio e Carlos Bolsonaro estão na campanha de Crivella, assim como toda máquina neopentecostal de Edir Macedo, mas até agora ele não decolou. Amém.

Em Belo Horizonte, Bolsonaro tem um candidato nanico: Bruno Engler (PRTB), 23 anos, amigo dos filhos do presidente e fundador do “Direita Minas”. Ele amarga um distante quarto lugar com 4% das preferências dos eleitores, segundo o último Ibope. Alexandre Kalil, com 62%, caminha para a mais fácil vitória nas grandes cidades.

Na capital gaúcha, a liderança está com a candidata comunista Manuela D’Ávila. Bolsonaro não tem um apadrinhado explícito em Porto Alegre, deixando seus seguidores divididos entre quatro nomes: Sebastião Melo (MDB), Valter Nagelstein (PSD), Gustavo Paim (PP) e Marchezan Júnior (PSDB). Destes, apenas Melo e Marchezan são competitivos e ambos muito pouco identificados com o presidente.

Em Curitiba, Rafael Greca (DEM) deve vencer com facilidade, deixando para trás o bolsonarista Fernando Francischini (PSL). O mesmo acontece em Salvador, capital onde Bolsonaro tem a maior rejeição, com Bruno Reis (DEM), afilhado político de ACM Neto, liderando com folga contra Cezar Leite (PRTB). Em Recife, bastou o presidente anunciar seu apoio à Delegada Patrícia (Podemos) para que ela caísse nas pesquisas, a rejeição disparasse e sua presença no segundo turno é cada vez menos provável.

Seu candidato com mais chances entre as principais cidades do país é o Capitão Wagner (PROS), de Fortaleza. Derrotado no segundo turno em 2016 pelo atual prefeito Roberto Cláudio (PDT), ligado aos Ferreira Gomes, Wagner é uma figura polêmica e responde pela acusação de ter sido um dos líderes do motim da PM cearense no início deste ano. Wagner minimiza seu envolvimento, mas sua vantagem nas pesquisas não é confortável e a chance de ser derrotado por Sarto (PDT) é real.

Por tudo isso, o desabafo presidencial na última live é um grito bolsonarista na essência. Ele antecipa que não vai conseguir “mudar o país”, terceirizando os resultados frustrantes de seu governo. Invoca o dragão comunista, tentando manter suas tropas em alerta, perfiladas e prontas para o combate imaginário. Ao final, coloca sua reeleição em dúvida, projetando a imagem de desapegado ao cargo, vítima de um leviatã invencível.

Quem ainda compra esse discurso? No próximo domingo, o Brasil terá uma boa chance de saber.

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