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Comemorar o Natal faz bem? A ciência responde pra você
| Foto: Fernando Zequinão

Acabamos de celebrar o Natal. O feriado natalino é fixado por lei, conforme determina o § 2º do art. 215 da Constituição, a fim de proteger o patrimônio cultural de um dos “grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216 da Constituição), os cristãos. Em virtude da data, milhões de família se reuniram, trocaram presentes e compartilharam refeições.

Diante de tanta movimentação por causa do Natal, poderíamos nos questionar: qual o efeito dessas reuniões sobre o bem-estar e a saúde psicológica das pessoas, bem como sobre a estabilidade e coesão do grupo familiar? Elas têm algum valor para além do puro entretenimento?

Foram essas perguntas que cinco pesquisadores da Espanha e do Chile resolveram responder. Em artigo publicado no International Journal of Social Psychology, intitulado “Merry Christmas and Happy New Year! The impact of Christmas rituals on subjective wellbeing and family's emotional climate”, eles avaliaram o impacto da participação no que chamam de rituais familiares de Natal e de Ano Novo sobre o bem-estar pessoal e o clima familiar.

Eles concluíram que a participação em celebrações familiares nessas datas tem efeitos significativamente positivos no bem-estar pessoal e coletivo. Indicadores como “satisfação com a vida, bem-estar social percebido e equilíbrio afetivo” são todos positivamente impactados. Ademais, segundo a pesquisa, a participação nesses rituais teve também um efeito positivo no clima familiar, no suporte social e na redução dos níveis de solidão. Os dados ainda demonstraram que quanto maior a frequência nesse tipo de evento, maiores os efeitos positivos.

Por outro lado, a pesquisa demonstra que conflitos negativos entre pessoas no período são capazes de anular aqueles efeitos positivos e até mesmo superá-los.

Em suma, creio que é possível concluir que as evidências científicas confirmam o bom senso popular: o período natalino é uma época para confraternização, reconciliação e paz.

Frise-se que as conclusões do artigo não estão isoladas. Pelo contrário, elas confirmam toda uma linha de pesquisa sobre o papel dos encontros familiares periódicos – as tradições de família – nos níveis de bem-estar pessoal e no fortalecimento dos laços entre os parentes.

Os autores usam a expressão “rituais familiares” para se referir a esses eventos tradicionais dentro das famílias. Segundo a professora americana Catherine M. Bell, autora da obra Ritual: Perspectives and Dimensions, publicada pela prestigiada editora da Universidade de Oxford: “os rituais são definidos como atos simbólicos e comportamentos repetitivos e padronizados que ocorrem em determinadas circunstâncias de tempo e lugar. Eles são percebidos como sequências de ações planejadas correspondentes a pontos temporais no ciclo social ou em momentos específicos dentro do calendário bem como em fases de transição e crise.”

o professor canadense John D. Friesen, em artigo que trata dos rituais especificamente familiares e de seu papel no fortalecimento das famílias (“Rituals and family strength". Direction, 19 (1), 39-48), descreve esses rituais familiares como atividades episódicas que envolvem a maioria ou todos os membros da família e têm um significado simbólico para eles. Outro estudo de professores de Nova Iorque, publicado no Journal of Family Psychology, aponta que esses rituais são considerados como reflexos de tradições familiares, práticas culturais e incorporam certos valores.

Por isso, o professor da Universidade George Washington, George W. Howe, conclui que o significado do ritual familiar se estende além do evento específico, formando uma teia complexa e com impactos duradouros na estrutura familiar e no bem-estar dos indivíduos. Chegam a idêntica conclusão os professores da mesma instituição, Steven J. Wolin e Linda A. Bennet, em trabalho intitulado Family Rituals, no qual afirmam que os rituais familiares fortalecem o senso de história e enraizamento, bem como formam um senso de tradição e transmitem crenças e valores, auxiliando na estabilização das famílias.

Com efeito, o professor da Universidade do País Basco, autoridade sobre o tema, Dr. Dário Paez, em dois trabalhos publicados com outros autores, ambos no Journal of Social Issues (aqui e aqui), sintetiza que, mediante a similaridade percebida em crenças e emoções, bem como pelo reforço mútuo, empatia e atração, a participação em rituais apresenta os seguintes efeitos: provoca ou reforça emoções e afetos positivos; aumenta a identificação social e fortalece a solidariedade e um sentimento de adesão, resultando na percepção de maior apoio social e menor solidão; intensifica a adesão aos valores e o respeito aos símbolos, bem como aumenta a concordância com as crenças sociais positivas, além de facilitar a recuperação após eventos traumáticos; reforça o clima emocional positivo, por meio de maior apoio social, afeto positivo e crenças sociais positivas.

As evidências também dão suporte à convicção de que os efeitos positivos dos rituais familiares se estendem à socialização infantil positiva e ao senso individual de identidade. De fato, trabalho de pesquisadores americanos que se concentrou no impacto dos “rituais familiares” sobre a saúde infantil, observou que as famílias não clínicas (aquelas sem adolescentes em tratamento por problemas psicológicos) pontuaram mais alto em um índice relativo à intensidade na participação desses “rituais de família” em comparação com as famílias clínicas (famílias com adolescentes em tratamento por problemas psicológicos), o que sugere que as atividades familiares ritualizadas têm um impacto positivo no equilíbrio e na formação psicossocial das crianças, bem como no estado de saúde mental dos adolescentes.

Frise-se que as pesquisas demonstram que a frequência em atividades de socialização dessa espécie tem um efeito positivo não apenas subjetivo, nos níveis percebidos de bem-estar, mas também objetivo, nos índices de suporte social mútuo e na coesão familiar.

Logo, parece-nos possível concluir que a relevância das festividades de Natal ultrapassam de longe a de um simples entretenimento. Sem dúvida, elas podem ser assim classificadas. Porém, seus efeitos apresentam forte e positivo impacto, tanto no nível psicológico e afetivo, quanto no social e familiar.

Creio que caberiam ainda dois comentários finais.

Primeiro, é que o Natal possui um sentido ainda mais profundo, sobre o qual não tenho a competência para me aventurar a explorar. Porém, acredito poder recordar que essa data lembra um fato histórico absolutamente único e cheio de traços surpreendentes: um Deus – a fonte última de toda realidade – que se encarna e toma a forma de uma criatura para redimir o gênero humano. Com isso, amplia nossa força para acreditar, dá vigor à nossa esperança, aumenta a temperatura do nosso amor, e nos concede um exemplo de vida e conduta inigualável.

Em segundo e derradeiro lugar, penso que é necessário falar dos presentes de Natal. Se é verdade que existe uma excessiva concentração nos presentes onde o sentido mais profundo do Natal começa a escassear, parece que muitas vezes há também uma crítica excessiva, de viés puritano e moralista, contra eles. Creio que não há nada de negativo nos presentes; pelo contrário. O problema seria que eles se tornassem uma mera externalidade. Parece-me que os presentes devem ser a externalização (o modo como seres corpóreos buscam comunicar) de uma alegria profunda e interior, pela percepção da grandeza do sentido do Natal. Ele não é uma mera ação externa, mas a comunicação de algo que está dentro: a alegria decorrente da chama da fé, do alento da esperança, e do vigor da caridade que sentimos ao lembrar do nascimento de tão célebre Aniversariante.

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