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O ex-secretário da Receita Marcos Cintra foi candidato a vice-presidente na eleição deste ano pelo União Brasil.
O ex-secretário da Receita Marcos Cintra foi candidato a vice-presidente na eleição deste ano pelo União Brasil.| Foto: José Cruz/Agência Brasil.

A Justiça Eleitoral é um serviço como qualquer outro. Logo, sujeito a erros, vieses e até mesmo corrupção. A civilização jamais conseguiu solucionar plena e definitivamente esses problemas. Mas o constitucionalismo desenvolveu algumas formas de minimizá-los e tornar mais provável a aplicação de correções eventualmente necessárias na atividade dos órgãos de Estado.

Entre esses mecanismos, podemos mencionar: a abertura constante à crítica, inclusive mediante manifestações desde que pacíficas; o controle externo mediante sistema de checks and balances, isto é, por meio da atuação de outros poderes; e, a impossibilidade de qualquer órgão figurar como parte e juiz no mesmo caso, conforme já consagrado pelo constitucionalismo inglês no início do séc. XVII, no famoso caso Bonham.

Ao contrário do que parecem crer alguns de seus membros, o TSE e todos – absolutamente todos – os serviços prestados por ele estão sujeitos a críticas, questionamentos e desaprovação.

Isso tem consequências para os fatos atuais do Brasil envolvendo o TSE. De fato, o Tribunal vem, basicamente, violando simultaneamente todos esses preceitos numa escalada de silenciamento de seus críticos e num desmonte das liberdades públicas com efeitos negativos sobre as instituições democráticas.

Ao contrário do que parecem crer alguns de seus membros, o TSE e todos – absolutamente todos – os serviços prestados por ele estão sujeitos a críticas, questionamentos e desaprovação. Todavia, para criminalizar manifestações de reprovação, o TSE de forma artificiosa passou a interpretar que qualquer dúvida levantada à sua atuação seria um ataque às eleições e à democracia.

Assim como o déspota absolutista Luís XIV dizia “O Estado sou eu”, alguns agentes do Estado brasileiro parecem crer que a crítica contra eles ou alguma de suas ações equivaleria a um ataque contra o próprio sistema democrático, como se eles fossem a própria personificação desse regime. A afirmação de que estariam sofrendo ataques tem sido utilizada de modo tão desproporcional e descontextualizado que por vezes adquire até mesmo contornos histéricos.

Pesquise qualquer país que seja uma democracia e você não encontrará nada semelhante. Busque depois em ex-democracias ou famigeradas ditaduras e achará muitos fatos análogos.

É o caso do que ocorreu com o respeitado professor e político Marcos Cintra. Ele se somou a outras pessoas absolutamente pacíficas e inofensivas, inclusive artistas consagrados, que foram silenciadas por meio da derrubada de contas em redes sociais. Atualmente com 77 anos, detentor de diplomas pela Universidade de Harvard e professor da FGV, o ex-deputado e ex-secretário da Receita Federal apresentou recentemente uma série de questionamentos ao TSE por meio de sua conta no Twitter. De modo bastante educado e sereno, Cintra basicamente afirmou que acreditava haver inconsistência nos resultados de algumas urnas Brasil afora.

A conduta, além de patentemente compatível com o exercício da cidadania em qualquer democracia minimamente funcional, ainda está expressamente acobertada por dispositivo do Código Penal, o art. 359-T: “Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

No entanto, Cintra foi imediatamente alvo de brutais e opressivas medidas de Estado. No dia seguinte, sem que qualquer esclarecimento fosse prestado aos seus questionamentos (uma obrigação do Estado para com os cidadãos), sua conta pessoal do Twitter foi suspensa.

Não só: Marcos Cintra foi inserido em um dos inquéritos inconstitucionais tocados pelo STF, em que são investigadas entidades míticas intituladas “milícias digitais”, cuja existência jamais foi comprovada após anos de investigação com medidas altamente invasivas decretadas contra seus alvos. Ainda foi determinada sua oitiva pela Polícia Federal em prazo recorde de 48 horas. Num país em que menos de 5% dos homicídios e menos de 2% dos estupros são punidos, questionar de modo racional e educado o funcionamento de serviços públicos em uma rede social se tornou uma prioridade investigativa de forças policiais.

O fato demonstra a assombrosa erosão da Constituição e da democracia brasileiras. Basta olhar em volta. Pesquise qualquer país que seja uma democracia e você não encontrará nada semelhante. Busque depois em ex-democracias ou famigeradas ditaduras e achará muitos fatos análogos.

Como solucionar esse problema? Esse será um tema para textos futuros.

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