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Vacina contra a Covid-19
Vacina contra a Covid-19: na Bahia, o sindicato dos jornalistas quer tomar a vez dos velhinhos| Foto: Pixabay

A Bahia é um bom posto de observação para umas coisas, e um péssimo posto para outras. Para detectar mudança de governo, por exemplo, é péssima, já que a Bahia republicana não toma a iniciativa de fazer oposição ao status quo. Por outro lado, como a elite baiana não é muito dada aos maneirismos finos do Sudeste (vejam que paulista não tem seca, tem crise hídrica), amiúde temos caras-de-pau mostrando às escâncaras o que no Sudeste se disfarça.

De quanto tempo um estrangeiro precisaria para entender que o PSOL de Freixo é um partido de sindicalistas do funcionalismo público? No entanto, se visse o PSOL em campanha pelo governo da Bahia, sacaria num minuto. Afinal, que candidato a governador faz campanha falando da “URV dos técnicos” das universidades estaduais?

Agora é a vez de os jornalistas baianos jogarem luz sobre as reais intenções da categoria: os bonitos ganharam o direito de furar a fila da vacina caso tenham mais de 40 anos, e agora ameaçam uma greve de jornalismo por quererem estender a todos os jornalistas o direito de furar a fila da vacina.

Primeiro uma tal Comissão Intergestores Bipartites resolveu no dia 18 de maio que os “profissionais da comunicação” sadios com pelo menos 40 anos estariam dentro do grupo que poderia furar a fila da vacina. Muita cara de pau? Piora: no mesmo dia, o bravo Sindicato dos Jornalistas Baianos anunciou que iria lutar (sic) para poder vacinar todo jornalista.

No dia seguinte, o Ministério Público da Bahia, que em geral está ocupado em tirar o bifinho das crianças ou perseguir o Compadre Washington, desta vez fez algo de útil à sociedade e recomendou que a tal da CIB parasse de incluir meio mundo na categoria de fura-filas de vacina. O Ministério Público da Bahia fez essa recomendação em conjunto com o Federal.

Também no dia 19, o presidente da vetusta Associação Bahiana de Imprensa declarou que “não se trata de um privilégio corporativo, e sim desse reconhecimento de que a população precisa, para vencer a Covid-19, de informação de qualidade".

Para descer a ladeira rumo ao sindicalismo mais caricato, há a agora a greve no feriadão. Em protesto contra a recomendação do MP, no dia 2 de junho foi convocada uma greve de jornalistas.

Nem um pio da FACOM

Será que alguém reclamou? Nenhum luminar da FACOM  deu um pio. A FACOM, também conhecida como Faconha, é a Faculdade de Comunicação da UFBa, que tem uma significativa presença no jornalismo baiano e um pouco no nacional. Se Wilson Gomes se manifestou, terá sido oralmente, porque nos buscadores não aparece nada. Que eu saiba, único jornalista da imprensa baiana a se manifestar contra esse absurdo foi James Martins, um jornalista atípico porque tem erudição e não tem diploma. Em texto intitulado “Vacina pouca, minha prioridade primeiro”, escreveu: “Pelo viés da essencialidade e da exposição, [os trabalhadores de supermercados] estão muito mais expostos que eu e a maioria dos meus colegas. Aqui na Bahia, a primeira vítima da doença foi uma empregada doméstica. Elas já estão na lista de prioridades? E os porteiros? [...] Vamos pensar juntos. Seria impossível ou inviável que algumas categorias sofressem uma triagem interna? Por exemplo, um jornalista que cobre hospitais, cemitérios, vai pra rua, etc. seria priorizado em relação a mim, que me exponho bem menos. Assim como sei de profissionais da saúde que não exercem e que já tomaram suas doses. Alunos de medicina na casa dos 20 anos, que só têm aulas online, e que também já estão vacinados. E por aí vai.”

Como uma andorinha não faz verão, podemos olhar para o grosso do jornalismo baiano e dizer que quem cala consente.

O que vai na cabeça desse povo?

Sendo eu jovem, magra e sadia, resolvi que não quero me vacinar tão cedo, porque a covid não é nenhuma aids em matéria de letalidade: é gripezinha para uns, causa mortis para outros. Tudo leva a crer que para mim seja gripezinha. Por outro lado, se as vacinas tiverem um efeito negativo no longo prazo, só descobriremos no longo prazo. Se eu tivesse motivos para achar que a covid é causa mortis para mim, estaria afobada atrás de Astra-Zeneca ou Pfizer também. Penso que jovens saudáveis devem raciocinar no longo prazo, e que velhos ou doentes devem raciocinar no curto prazo. No longo prazo, não parece uma boa ideia tomar esta vacina.

Usando os números na base do Our World in Data, foram foram documentados no Brasil desde o começo da pandemia 16,52 milhões de casos e 461.057 mil mortes de covid. Fazendo uma continha de dividir, temos que quase 2,79% dos infectados morreram. Vale frisar que esse número de infectados inclui velhinhos. Quais as chances de um jovem sadio — aqueles por quem luta o bravo sindicato — contrair covid e morrer?

A minha aposta é que eles nunca se fizeram essa pergunta. Sentem-se parte de um clã iluminado que tem como missão espalhar a Verdade dos Profetas da Divulgação (pseudo)Científica. Essa verdade simplória, talhada para intelectos rudimentares, consiste em: vai todo mundo morrer, a menos que tome “a” vacina – qualquer vacina, pois quem alega que uma vacina feita às pressas pode ser ineficaz ou prejudicial é um obscurantista antivacina. São simplórios, burros, tapados. Estão dispostos a tratar com xingamentos e slogans quem hesita, quem duvida, quem pensa.

O valor da vida humana

Agora, uma vez que eles acreditam mesmo que vai todo mundo morrer caso não tome vacina, é forçoso concluir que não estão nem aí para a vida humana. Afinal, a gente com idade ou comorbidade que deixou de tomar a vacina fica condenada à morte. Vacina para a gente bonita das redações; ao povo, brioches.

Depois, haja materiazinha furreca sobre “genocídio” para aliviar a consciência. Furam fila de vacina e não vivem sem serviçais, mas o “genocida” é o presidente. Compram drogas na mão de facção, mas o “genocídio da juventude negra” vai na conta da polícia. Não respeitam ninguém, e pisam no pescoço do povo por qualquer ninharia. Que não queiram ser respeitados, portanto.

Correção

A versão anterior deste texto afirmava que 0,03% dos infectados por Covid-19 no Brasil morreram. O correto é 2,79%, como apontou o leitor Antonio nos comentários. Pedimos desculpas pelo erro.

Corrigido em 03/06/2021 às 11:26
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