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Bebê
Que tipo de mulher é essa que quer interromper a gravidez não com duas nem três semanas, mas aos seis meses?| Foto: Pixabay

A canetada judiciária, antidemocrática, que permitiu o infanticídio na Colômbia, dá o que pensar sobre a relação entre lei e cultura. Já que a alteração veio, que bom que foi via canetada do judiciário, e não através do legislativo. Em que país o leitor preferiria viver: num perfeitamente democrático onde a maioria votasse num PSOL da vida e descriminalizasse o “aborto” até nove meses, ou num país ditatorial em que um déspota autorizasse o “aborto” até nove meses? Eu não pestanejo e fico com o segundo. Entre as leis e a cultura, fico com a cultura. Preferiria morar numa rua em que ninguém tivesse coragem de matar um feto formado, a despeito da lei, a morar numa rua em que, a despeito da lei, mulheres desejassem ficar com a barriga lisa depois de esperar seis meses.

O que nos leva à pergunta: que tipo de mulher é essa que quer interromper a gravidez não com duas nem três semanas, mas aos seis meses? Ou – a julgar por sete estados dos Estados Unidos – que tipo de mulher é essa que quer fazer um “aborto” aos nove meses de gravidez?

Essa pressão por leis pró aborto e infanticídio encontram uma explicação econômica fácil: o valor de tecido fetal para a indústria farmacêutica. Outra explicação, ainda a ser clarificada no futuro, é a vigência de um certo neomaltusianismo verde que considera a vida humana dentro dos cálculos de emissão de carbono. Uma explicação econômica e outra ideológica, portanto. Mas ambas são externas à eventual sociedade de infanticidas. Explicam a lei que vem de cima, mas não a eventual adesão à lei. Ou, na falta de leis, a adesão à moralidade infanticida.

Mudança do debate

Até uns dez anos atrás, a discussão do aborto era relativa ao início da vida. Os pró-vida eram aqueles que consideravam que a vida começa na concepção; os pró-escolha consideravam que a vida começa com a atividade cerebral. Assim, de um lado ficavam as igrejas resistindo às pressões progressistas e, de outro, o Conselho Federal de Medicina recomendando a descriminalização até os três meses, quando ainda não haveria atividade cerebral. Ninguém vinha a público defender o infanticídio como substituição ao parto antecipado, que é o “aborto” aprovado na Colômbia e celebrado por progressistas brasileiros.

A lei brasileira contra o aborto é anterior ao debate do início da vida e, sendo mais pragmática do que teórica, lista os casos em que aborto não é crime. Se a gravidez implicar risco de vida para a mãe, não se exige o sacrifício da vida da mulher. Se a mulher tiver sido estuprada, não se exige dela que geste o filho de quem a violentou. Podemos dizer que é uma lei bastante conforme ao senso comum brasileiro: tanto é difícil encontrar, fora dos círculos progressistas, quem apoie a descriminalização do aborto, quanto é difícil encontrar, fora dos círculos mais religiosos, quem seja favorável a obrigar mulheres estupradas ou com risco de vida a levarem adiante a gravidez.

Algumas coisas ficavam tácitas na nossa lei. A mulher estuprada não iria esperar seis meses para interromper a gravidez, e, se porventura isso acontecesse, não estava estabelecido o direito de decidir matar o feto em vez de fazer uma antecipação do parto e botá-lo numa UTI neonatal. A mulher doente que chegou aos seis meses da gravidez e precisa interrompê-la para salvar a própria não tem por que falar em aborto; vai falar em antecipação do parto.

A discussão filosófica e científica da origem da vida foi um rápido cometa que deu lugar à apologia do infanticídio intrauterino.

Reflexo concreto no Brasil

Como nossa lei confia no bom-senso e não fixa nenhum limite, em 2020 vimos pela primeira vez a defesa pública de médicos matarem fetos viáveis, o que de fato acabou acontecendo. Uma menina de dez anos era estuprada pelo tio desde os seis anos de idade. Somente aos cinco meses de gravidez a família resolve tomar as providências. Como agravante, a menina é diabética. Tem-se a vítima ideal: estupro e gravidez de risco. Quem decidiria pela sorte da menor na questão do aborto? A mesma família que esperara cinco meses de gravidez para levar uma menina de dez anos ao médico. Se conselho tutelar servisse para alguma coisa, era para tirar as crianças das mãos desse tipo de mãe — não das que se recusam a injetar substâncias experimentais em seus filhos, que é o que querem os progressistas.

Essa maravilhosa família optou pelo caminho mais simples: livrar-se da criança extra. Nesse momento, os pró-vida retomaram os argumentos dos pró-escolha para impedir o infanticídio de um feto com capacidade de sobrevivência fora do útero. Em vão. Ainda que, segundo os médicos ouvidos por esta Gazeta, a carnificina intrauterina fosse mais danosa à saúde da criança do que uma cesárea, o ato foi consumado. A família deixou a criança ser estuprada por anos, esperou cinco meses de gravidez para levá-la ao médico e escolheu submetê-la à cirurgia mais arriscada.

Uma diabética entre várias

O detalhe de ela ser diabética me chamou atenção à época. Uma amiga policial em São Paulo vivia apontando o fato de as crianças da periferia hoje estão todas diabéticas e atribuía isso à má alimentação. Pobre hoje consome muita porcaria prática, daquelas que a gente abre o saco e come. Vindo para Cachoeira, ouvi de policial que atua no grande centro urbano mais próxima a mesma observação: hoje as crianças são todas diabéticas.

Pois bem: numa breve pesquisada, vemos que em 2019 noticiou-se que o Brasil tinha a terceira maior população de crianças e adolescentes diabéticos no mundo. É claro que nisso pesam o tamanho da população brasileira, a prática de testagens e a divulgação dos dados; afinal, ficamos atrás de dois países muito populosos (Índia e Estados Unidos), mas não da China, cuja população colossal deve ser a campeã em qualquer coisa que se meça quantitativamente.

De todo modo, uma coisa que chama atenção na matéria mais investigativa que pude encontrar é que: 1) O último estudo importante com uma hipótese para o aumento de diabetes tipo 1 entre crianças é de 1989 – ou seja, o assunto está largado no que depender da comunidade acadêmica; e 2) Não há estatísticas confiáveis sobre o aumento de diabetes tipo 2 em crianças no Brasil – ou seja, o assunto está largado no que depender das autoridades brasileiras.

Assim, o fato de aquela menina ser diabética deveria levar a perguntar se isso não é mais um sintoma de descaso da parte dos genitores. Aquela menina não deve se sentar à mesa; a clássica combinação arroz, feijão e bife não deve fazer parte da vida dela. E no que depender das elites, comer carne é feio e ser um vegetariano comedor de carboidrato é bonito. O empoderamento feminino tirou a mulher da cozinha e isso é bonito também. Aí você compra um saquinho de ração para o seu cachorro e uma porção de saquinho para o seu filho. Depois ele fica gordo e não tem problema: o governo faz campanha contra a gordofobia. Depois ele fica diabético e ninguém quer saber por quê. O SUS dá a insulina, alguém ganha dinheiro com isso e a expectativa de vida cai, junto com a qualidade de vida.

E se o disparo de diabetes infantil não significar que há um monte de crianças brasileiras vivendo igual à garota que foi estuprada, e elas apenas tiveram a sorte de não encontrar um abusador que a engravidasse. Sorte, porque não têm pais que velem por si.

Soluções estatistas

Historicamente, a proibição do aborto esteve mais para interdição moral do que para assunto penal. Faz sentido que seja assim, dado que o Estado está presente na história ocidental durante a Antiguidade e a modernidade, e que até o começo da Modernidade não se levava muito a sério nem a vida de criança, quanto mais de feto. Os romanos tinham a prática de largar na rua os bebês que não podiam criar; a Igreja, mesmo sem poder secular, agiu contra o problema criando a Roda, em que as mães botavam os filhos de um lado e giravam-na para dentro do convento.

O que terá feito surgirem as leis contra o aborto? Não sei; foi coisa do século XX. Mas se em 2020 sentimos falta, pela primeira vez, de um prazo para a interrupção da gravidez, ou de uma proibição expressa do assassinato intrauterino de fetos formados, é porque houve uma degeneração moral. É factível que tenha havido essa degeneração moral no século XX.

O problema levou o poder público a pensar em soluções. A sociedade se perguntou: “Que tipo de mulher aborta?” tendo em mente aquelas que botam embrião pra fora, não feto formado. A resposta mais fácil mistura economia e misandria: homens maus largam as mulheres ao saberem da gravidez, que, por isso, abortam. A solução então foi pôr o braço do Estado para forçar os homens a fazerem exames de DNA e a pagarem pensões supostamente alimentícias. No Estatuto do Nascituro redigido por dois deputados em 2007 (Luiz Bassuma, do PT baiano, e Miguel Martini, do PHS mineiro), previa-se as mulheres estupradas fossem obrigadas a gestar o filho do estuprador e que recebessem uma pensão do Estado, caso o estuprador não fosse identificado.

Se essa política relativa ao estupro passar, quantas mulheres inescrupulosas não vão fazer filho com o propósito de receber dinheiro estatal? E por que não irão usar o dinheiro para comprar drogas, e de repente até aumentar a renda prostituindo a criança? E no quadro anterior à coerção dos homens para reconhecer a paternidade e dar dinheiro às mães, uma psicopata lésbica engravidaria por pensão? Foi o que fez a mãe do menino Rhuan, que capou o menino e matou, quando a pensão parou de cair na conta. A militância pró-vida deveria pensar nas consequências não intencionais de suas políticas públicas, pois elas engendram mães que engravidam pensando em dinheiro, sem ter nenhum amor pelos seus filhos.

Penso que os pró-vida deveriam olhar para crítica do Bem-Estar social feita por Sowell, que enxerga nele um fator de desagregação familiar, e que deveriam olhar para o natalismo de Ceaucescu, que terminou por lançar em creches estatais crianças nascidas sadias que, porém, eram retardadas por crescerem olhando pra parede, sem ninguém que lhes desse amor.

Por fim, se os pró-vida resolvessem tudo no âmbito legislativo, que tipo de Estado seria esse capaz de vigiar as barrigas das mulheres? Seria um Estado desejável?

Penso que a primeira iniciativa de todos os que se interessam pelas crianças seria coletar dados sobre a saúde delas, porque dificilmente podemos esperar que crianças nas mãos de drogadas sejam saudáveis. Montando-se uma base de dados de crianças sadias e crianças doentes, seria bom buscar fatores que expliquem a saúde e a doença de cada grupo, para estudar os efeitos da ação do Estado e pensar em que tipo de coisa boa ele pode fomentar. Outra coisa importante seria difundir informação sobre alimentação, já que a agenda verde e new age espalham desinformação.

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