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violência política contra mulheres
Seminário de violência política contra a mulher, promovido pela Câmara dos Deputados em junho de 2022.| Foto: Reprodução/ YouTube

Ano passado, a gloriosa bancada feminina passou uma lei contra a violência política supostamente sofrida pelas mulheres. Eu não tenho nada contra criminalizar violência, até porque as coisas normalmente compreendidas como violência já são crimes. O político apanhou de algum opositor? O advogado vai saber dizer um tipo penal e é só correr pro abraço do eleitorado. O brasileiro não gosta de valentões nem de fanáticos. Não é à toa que a oposição ficou morrendo de inveja da facada de Bolsonaro e parte jura de pé junto que tudo não passou de uma encenação. Também não é à toa que os nazistas resolvem aparecer de quatro em quatro anos: todo político quer um ataque para chamar de seu. O eleitor rechaça a violência, a lei rechaça a violência e tudo isso é ótimo.

Mas este é o século XXI, e a gloriosa bancada feminina é a gloriosa bancada feminina. É claro que violência não é nada de físico. Violência é chamar a mulher de feia, chata e boba. É destruir os argumentos alheios. É criticar. Em suma, é fazer tudo o que os políticos fazem uns com os outros enquanto estão se estapeando (metaforicamente) por votos. Agora “violência política” não é uma facada, nem mesmo um peteleco, mas sim: “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”. E fazer isso dá pena de até seis anos de prisão.

Especialistas ouvidas pela Folha explicam

O eleitorado tampouco acha bonito destratar uma mulher em função do seu sexo. Vai contra o senso do cavalheirismo. Assim, a menos que se trate uma chata notória e uma campeã de impopularidade, a candidata que fosse destratada por um brucutu deveria ficar feliz da vida, pois o eleitorado – sobretudo o masculino – logo ficaria ao seu lado.

Mas vocês sabem como são as interpretações dessas leis. Se uma mulher ouvisse que deveria ir para a cozinha em vez de fazer política, saberíamos que só ouvira isso por ser mulher. Em tese, a lei é voltada para esse tipo de situação, e não para impedir críticas a mulheres. No entanto, basta olhar para a situação do feminicídio para entender que os ativistas fazem o possível e o impossível para dizer que tudo de mau que acontece a uma mulher decorre do fato de ela ser mulher. A imprensa nos ensinou que, quando um ciumento mata a namorada, ela só morreu por ser mulher – o que é um absurdo, já que o ciumento não matou uma mulher aleatória, e sim a namorada dele. As bebês mortas na China do filho único são mortas pelo seu sexo. As meninas do atentado do Realengo foram mortas pelo seu sexo. O crime passional do ciumento é movido pelos ciúmes, e só. Ciumentas também matam namorados, mas ninguém diz que os namorados morrem apenas por serem homens.

Daí se vê que quando se fala em lei que combate a “violência” (aspas, por favor) que as mulheres sofrem só por serem mulheres, é esculhambação mesmo. E as especialistas ouvidas pela Folha não deixam qualquer esperança de que não seja assim. Segundo nos conta o jornal, “várias entidades passaram a monitorar de forma mais estruturada ataques a mulheres depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, em 2018, crime que ainda está sob investigação”. Aí já aprendemos que Marielle morreu por ser mulher, e fica parecendo que a lei nova, que não menciona nada de físico, cobre o homicídio. Pois bem, especialistas dessas entidades apontam que “na eleição de 2020, candidatas a prefeitas e vereadoras recebiam, em média, 40 xingamentos no Twitter todos os dias, segundo pesquisa do InternetLab e da revista AzMina. As ofensas faziam alusões aos seus corpos, saúde mental, intelectualidade e moral. No primeiro turno, a candidata mais ofendida foi Joice Hasselmann (à época no PSL, hoje no PSDB), que concorria à Prefeitura de São Paulo. Mais da metade dos xingamentos dirigidos a ela era de teor gordofóbico”.

Moral da história: violência é ser xingada no Twitter. Donde depreendo que Lula e Bolsonaro devem ser os políticos que mais sofrem violência nas eleições, mas paciência.

Ossos do ofício

Figuras públicas deveriam estar acostumadas a assédio. Na verdade, a própria definição de assédio dificilmente pode ser muito objetiva, já que, se um anônimo por um milagre acordasse tão famoso quanto Elvis Presley, o alvoroço dos fãs e repórteres seria percebido como assédio. O que era normal para Elvis Presley é assédio para o cidadão comum. Não preciso nem ir tão longe: eu mesma, ao publicar minhas opiniões em jornal, me disponho a ser interpelada por gente que nunca vi mais gorda. Se uma discreta dona de casa fosse publicamente cobrada por suas opiniões privadas por alguém que ela nunca viu mais gordo, isso seria assédio e a mulher ficaria apavorada com razão. Mas se eu for cobrada, isso é consequência natural do trabalho que exerço livremente. É claro que nem tudo é aceitável; e, se eu recebesse ameaças críveis, levaria o problema à polícia. Elvis Presley, idem. O ponto é que alguns trabalhos exigem mais casca grossa do que outros. E certamente o trabalho do político exige no mínimo tanta casca grossa quanto o meu.

Agora suponhamos que Elvis Presley sai de casa e nenhuma moça grita ao vê-lo. Vai até a padaria e o padeiro o atende com indiferença. O dia normal de muita gente seria um fracasso para ele. Do mesmo jeito, se apenas pessoas que eu conheço em privado comentarem as minhas opiniões, isso significará que meu trabalho vai muito mal. Isso nos leva a suspeitar que talvez os seres humanos tenham desejos diferentes, e que suas diferentes escolhas de vida refletem diferentes desejos. Eu não acho que Elvis Presley quisesse levar uma vida pacata, e eu mesma seria uma doida caso quisesse que minhas opiniões passassem despercebidas enquanto as exibo em jornal.

Entre a estrela do rock e o articulista de jornal, em algum ponto na escala de exposição pública, está o político. Ele vai sair de casa para comer pastel com caldo de cana esperando ser reconhecido, corre atrás da imprensa para ganhar atenção do eleitorado, quer botar para quebrar durante os debates. Não faz sentido pressupor que as mulheres que se dispõem a entrar na política sejam bibelôs tímidos. Política é briga, é exposição pública.

Agora, o que faz menos sentido ainda é considerar que até as mulheres vitoriosas sejam tais bibelôs. Afinal, as candidatas à reeleição também são contempladas pela lei. De modo que, ao fim e ao cabo, chamar autoridade de gorda no Twitter dá cadeia – mas só se for uma autoridade fêmea ou que se sente como tal.

Não pode criticar autoridade!

Numa democracia, há liberdade de expressão suficiente para falar mal de autoridades sem ir para a cadeia. Se votarmos em autoridades fêmeas, porém, não teremos liberdade nem para dizermos que é gorda. Nem mesmo Alexandre de Moraes quis meter alguém na cadeia por chamá-lo de careca. Assim, só podemos continuar sendo uma democracia se deixarmos de votar em mulheres. Já passou da hora de começar esse boicote, já que essa bancada feminina só faz besteira e mata de vergonha as mulheres decentes. Vale lembrar que a maioria do eleitorado brasileiro é feminino, ao passo que a minoria dos eleitos é feminina. As mulheres votam nos homens.

Era só o que faltava: aspirantes a autoridades ganharem o direito de botar na cadeia quem as chame de gordas. Isso só mostra que a maioria das mulheres eleitas deveria era estar num spa cuidando do próprio peso, em vez de ficar no Congresso fazendo lei.

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