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Mandinga de letrado
| Foto: Pixabay

Para um certo tipo de homem de letras, Bolsonaro é a monopauta, o único assunto de uma conversa inteligente. O mantra pós-moderno do “tudo é político” tornou-se um consenso tácito, um sentimento comum a quase todos aqueles que se pretendem mais cultos que a média — aqueles a quem chamo de “letrados”, e entre os quais me incluo.

Embora esse tenha sido um nicho dominado por um esquerdismo difuso até 2016, eu diria que o sentimento do “tudo é político” não é exclusividade dos esquerdistas. Hoje, o meio mais batido de passar por culto, engajado e sério é falar mal do presidente. Tem o liberal “por inteiro” (aspas, porque são a favor de cota identitária) que chama Bolsonaro de estatista e malvado em 11 de cada 10 textos. Tem o cristão que chama Bolsonaro de psicopata em 231,2 de cada 5 textos.

Bolsonaro, Bolsonaro, Bolsonaro. Por mais batido que seja falar mal de Bolsonaro à direita, ao centro, acima e abaixo, o barbudinho de esquerda com óculos de aros grossos e camisa floral ainda se sente disruptivo e rizomático ao fazer o enésimo po(ema) cheio de trocadilhos, (par)ênteses e híf-ens aleatórios contra Bolsonaro, como se isso fosse a coisa mais corajosa do mundo. Corajoso é falar mal daquele juiz em situação de carência capilar.

No fim das contas, tentar se inteirar das presepadas de Bolsonaro é cansativo, porque a gente nunca sabe se o letrado está querendo se exibir  (“Olhem como sou bom! Detesto Bolsonaro!”), ou se é alguma coisa séria e relevante.

O “tudo é político”, que já é chato por si só, ficou ainda mais chato por ter se somado à crença popular brasileira de que a política é o chefe do país. Isto fazia sentido na época do Império; hoje, não mais. Então ligamos a TV, abrimos a maioria dos grandes jornais, damos uma olhadela nas redes sociais, e lá está ele: Bolsonaro, Bolsonaro, Bolsonaro, a monopauta.

As descrições sumiram

Hoje é difícil encontrar um leitor que saiba diferenciar reportagem e de texto de opinião. A culpa do jornalismo doutrinário, que confunde as duas coisas. Não basta dizer que uma mulher foi morta pelo marido; precisa “informar” que isso é uma faceta do “machismo estrutural” que está por toda parte. Se um negro é morto, o jornalista faz uma cara condoída e “informa” que é consequência do “racismo estrutural”.

Crimes que antes passavam só em programas policialescos migraram para o jornal do horário nobre, mas não sem antes passar por uma triagem de cor e sexo: ficam de fora mortes de homens por mulheres, ou de brancos por negros.

O caso Flordelis só ganhou o noticiário por ela ser uma pessoa pública, e o caso particularmente escabroso. Então os mesmos noticiários falam de Marielle e de Flordelis, mas só chamam a primeira de “mulher negra”. Se há um atributo a ser destacado em Flordelis, é só este: evangélica. O assassinato do marido não vai servir de prova da misandria estrutural, e não vau ter âncora fazendo beicinho.

Outro tema recorrente dos programas policialescos são os crimes cometidos por bandidos que estão soltos a despeito das numerosas passagens pela polícia, ou então por drogados que sustentam o vício. Mas nunca esses crimes vão para o jornal nobre, porque é feio defender que droga é ruim e que bandido deveria ficar preso.

Com esse jornalismo, o leitor e o espectador se acostumaram à ideia de que um fato descrito não é simplesmente um fato descrito. Antes a notícia era que João matou Maria, e a opinião ficava com o articulista ou o cronista. Agora a “notícia” é o machismo estrutural, o racismo estrutural, a necessidade da mudança da sociedade para acabar com problemas estruturais ou, no mínimo, do impeachment do presidente genocida, que é a favor de tudo isso que está aí.

Leitor desconfiado

Ou o leitor engole essa conversa, ou então fica desconfiado da imprensa, e prefere se informar pelo zap-zap. Não é de admirar que a imprensa caia em descrédito. Mas os jornais, em vez de reverem a sua conduta, criam a figura da “agência de checagem de fatos”, que sempre vai concluir que tudo o que os opositores do progressismo dizem é fake news, e nada do que os progressistas dizem é fake news. Então não é de admirar que as “agências de checagem” não convençam ninguém fora da bolha progressista, que abarca a maioria da imprensa. Que fazem os jornalistas? Concluem que a plebe precisa de tutela estatal para determinar o que é a Verdade e censurar as fake news. Senão as pessoas votam do jeito que querem, e aí sim é que acaba a democracia.

Como os jornalistas se acostumaram à ideia de “agência de checagem de fatos”? Averiguar fatos é a função mais elementar do jornalismo. Antes das tais agências, existia simplesmente jornalismo, ou então sites especializados em desmentir boatos da internet, como o E-farsas. Desmentir boatos documentados é um propósito modesto e exequível. Mas determinar a verdade dos fatos é um empreendimento de complexidade variável: pode ser uma tarefa para gerações,  executada por cientistas e historiadores que debaterão, debaterão e debaterão, sem parecer chegar a um acordo nunca.

Que tipo de mente simplória pode acreditar na ideia de uma agência que dê um carimbo de verdadeiro ou falso às coisas?

Mandinga anti-Bolsonaro

Eu tenho certeza de que, se vocês pegarem o meu último texto e mostrarem a um letrado desses, ganharei o carimbo de bolsonarista. Ali não digo que Bolsonaro é bom, nem que eu gosto dele, nem que ele é melhor do que Lula. Limito-me a afirmar que ele recebe de gente anônima manifestações espontâneas de amor, e que Lula não as recebe mais. As multidões trocaram o dissílabo “Lula” pelo dissílabo “Mito”, ambos bons de gritar em aeroporto. Uns dez anos atrás, só ficaria brabo comigo quem achasse que estou mentindo. Hoje, não: basta falar o nome de Bolsonaro sem um “t’esconjuro” para receber o carimbo de bolsonarista. Se afirmar um fato favorável ao Coiso, ave Maria, é um radical de extrema-direita! A conclusão é só uma: escrever textos como o meu último é algo moralmente reprovável.

A meu ver, é uma conclusão estapafúrdia, porque fato é fato, e valor é valor. Se eu não tiver afirmado nenhuma mentira, não há por que meter valoração moral da minha pessoa no meio. E, se for meter valoração moral no meio, é bom dizer onde está a mentira, porque fato é fato.

Mas, como já vimos, no jornalismo doutrinário dos progressistas não há tal diferenciação. Os fatos são todos opcionais, e cabe ao escritor pinçá-los para formar o retrato da realidade. Portanto não pode dizer que Bolsonaro é popular. Se Bolsonaro é popular, isso é algo que só se diz a boca miúda, não em jornal. Senão… Senão o quê?

Não há explicação racional para o tabu. No fim, os letrados se portam como uns supersticiosos que fazem simpatias e mandingas para alcançar as suas finalidades. Acender vela, deixar de cortar cabelo, costurar nome na boca do sapo, fazer despacho, deixar Santo Antônio de cabeça para baixo, dar três pulinhos para São Longuinho, pular sete ondas no ano novo: à lista de simpatias brasileiras, acresce-se o texto indignado contra Bolsonaro. É a simpatia infalível dos letrados para evitar a reeleição do dito cujo.

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