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As autoridades catarinenses, coitadas, não podem culpar o racismo estrutural pelos crimes bárbaros que também ocorrem no estado.
As autoridades catarinenses, coitadas, não podem culpar o racismo estrutural pelos crimes bárbaros que também ocorrem no estado.| Foto: Secom SSP-SC/ Fotos Públicas

Um maluco pega um facão, invade uma creche e mata bebês e mulheres. Notícia terrível, que causa comoção e dispensa comentários. No que concerne ao mundo, crimes bárbaros e despropositados costumavam apenas nos lembrar que a natureza humana tem seus mistérios, que o mal existe, que ninguém pode afirmar com segurança que estará vivo amanhã, pois não há garantias possíveis de que não vai aparecer um doido com uma bomba, ou um doido de arma de fogo, ou um doido de facão, ou um doido de zarabatana. Quem for de rezar, que reze, pois não há meios racionais de garantir segurança plena.

Mas hoje somos pessoas mais evoluídas, e toda catástrofe, seja ela de natureza humana ou biológica, precisa estar inteiramente no escopo da atuação de autoridades. Os corpos caem porque um burocrata inglês, Sir Isaac Newton, redigiu a Lei da Gravidade, lei tão boa que o resto do mundo resolveu copiar. Aí você, se duvidar, pode abrir qualquer livro brasileiro que dispõe sobre a física e vai encontrar lá, em letra de imprensa, a “lei da gravidade”, de modo que comete crime de fake news quem diz o contrário.

Um crime como o de Santa Catarina, dado o avançado estado de nossa época, deveria ser tratado como questão política, em proveito das autoridades. Se um maluco sai com facão partindo criancinhas, a autoridade antenada do século XXI deve imediatamente se postar lacrimosa diante das câmeras (selfie vale) e fazer um discurso (ou um textão) contra o verdadeiro culpado daquilo: o racismo estrutural.

Em seguida, dará a boa notícia de que está em sua competência agir contra o racismo estrutural por meio da contratação de um pedante formado em comunicação com pós em coisas raciais. Desta maneira, você passa por poderoso, bem-intencionado, sensível, bom genro e ainda agradará o jornalista, que terá um amigo para ver no posto recém-criado e gostará de ter um plano B caso o jornal enxugue a folha de pagamento.

Se as ações se revelarem ineficazes para combater o racismo estrutural, isso significará apenas que é preciso investir ainda mais na contratação de pedantes, pois está escrito em livros, com letra de imprensa, que a teoria crítica da raça é uma coisa séria, do mesmo jeito que a lei da gravidade.

Infelizmente, as autoridades catarinenses não puderam fazer nada disso. Num estado de população quase toda branca, não dá para sair imputando os crimes ao racismo estrutural. Se um branco mata brancos, não há uma solução mágica no mercado universitário de charlatanismo.

E não para por aí: se o tráfico pinta e borda na região de Itajaí, isso não passa de uma prova da incompetência das autoridades catarinenses responsáveis pela segurança pública. Não vai ter um janota na imprensa para chorar os efeitos da marginalização da juventude negra, porque o traficante é loiro. Resta à autoridade trabalhar e receber críticas. Coitada!

A delícia de governar a Bahia

Em Salvador, tio e sobrinho saem do bairro de Fazenda Coutos para irem a um supermercado em Amaralina, onde furtam carnes. Inconformado, um funcionário chama as autoridades para resolver a questão. As autoridades são os traficantes do Comando da Paz, hoje filial do Comando Vermelho (como informa a reportagem do Correio. Eficientes, as "autoridades" capturam a dupla, fotografam-na com as carnes roubadas e em seguida as fotografam reduzidas à condição de cadáveres. Os corpos foram encontrados na mala de um carro, numa localidade chamada Polêmica.

A polêmica (esta com p minúsculo) surgiu porque as autoridades chamadas deveriam ser as da polícia, e a família agora clama pela resolução do Estado para a questão. Furto de comida sendo punido com morte é algo que gera comoção.

Em tempos mais atrasados, deveríamos concluir que a coisa tá preta. Hoje aprendemos que o uso da expressão “a coisa tá preta” reforça o racismo estrutural e, portanto, é uma causa da morte dos ladrões de comida que, para a alegria das autoridades, fizeram o favor de ser negros.

Por isso, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Ricardo Mandarino, publicou uma palavrosa nota, alegremente republicada pelo jornal de linha progressista, dizendo o seguinte: “Trata-se de um delito resultado desse conceito vil, tosco, desumano, deturpado de que ‘bandido bom é bandido morto’. Há, nessa ação abjeta, um componente forte de racismo estrutural e ódio aos pobres. Na cabeça dessa gente torpe todo pobre e preto é bandido. É uma gente perversa, desprovida de qualquer sentimento de empatia e que demonstra claramente que o trabalho da Polícia não satisfaz, porque a polícia não mata, não pode e não deve matar. A polícia prende em flagrante, ou com ordem judicial, e entrega o infrator à justiça”.

O secretário é quase exemplar. Usou as palavras-chave “racismo estrutural” e “empatia”. Tratou  preto, pobre e bandido como se fossem a mesma coisa; como se não houvesse furtos e tráfico também em estados brasileiros de maioria branca e como se um Geddel ganhasse certidão de honestidade por ser branco e rico. Só cometeu um pecadilho: falar de ódio a pobres, quando na verdade é muito mais fácil encontrar um progressista nas classes altas do que nas baixas.

Vejam o delírio da explicação que o jornalista progressista engoliu: os ricos-brancos só chamam o tráfico para resolver o crime porque são bárbaros que odeiam pretos-pobres e querem vê-los mortos, desaprovando o nobre trabalho do policial. Você, assinante de jornal, de classe média ou alta, sabe qual é o nome do traficante que ministra a justiça mais perto do seu local de trabalho? Isso é coisa que pobre sabe e classe média não. E qual será a cor do traficante soteropolitano? Por causa da demografia de Salvador, aposto que o funcionário que chamou o traficante e o traficante são mulatos ou negros. E aposto que o funcionário é pobre.

Por que o pobre trabalhador vai se meter com traficante? Porque é mau como um pica-pau? Um bárbaro que odeia pobres e quer vê-los mortos em vez de julgados? Ou será que tem a ver com a incompetência da polícia civil baiana, que não conclui investigações nem de homicídio, e com a leniência de juízes e leis com os bandidos? O jornal progressista não pergunta pela taxa de solução de crimes pelo estado da Bahia, pois um secretário que culpa o racismo estrutural só pode ser muito bom.

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