Imagine uma criança mimada. Ou melhor: várias crianças mimadas em uma única casa, achando que podem fazer tudo o que querem sem ser repreendidas. Provavelmente elas têm um motivo para ser assim – provavelmente elas realmente puderam fazer tudo, ou quase tudo, que queriam sem que ninguém dissesse não.
De repente, por algum motivo, a coisa muda. Uma nova regra na casa, mais dura. (Uma babá nova, que não aceita tudo? Os pais assistiram à Super Nanny? O casal decidiu mudar a regra do jogo porque não aguentava mais? Você escolhe a sua opção.) Fato é que, de uma hora para a outra, as crianças veem que não têm mais a mesma liberdade.
De um dia para outro, o livro de regras tem mudanças significativas. Tem que arrumar o quarto na hora certa, não pode ficar espalhando roupa pela casa, cada um precisa levar o prato na pia depois de comer. Claro que as crianças não vão mudar repentinamente. No médio prazo, talvez. Se não derem um nó nos pais (e se os pais não cansarem de botar a coisa em ordem), vão ter que se adaptar.
A situação do Congresso Nacional hoje é mais ou menos essa. Acostumamos nossos 513 deputados e 81 senadores com uma regra frouxa, em que eles REALMENTE podiam fazer de tudo e nada lhes acontecia. Mesmo quando o sujeito era pego de serra elétrica nas mãos picotando adversários, como aconteceu com um deputado no Acre, a punição demorava – e às vezes nem vinha.
A Lava Jato deu um susto no pessoal. De repente, começaram a ver que as coisas estavam mudando. Desde 2013, o recado vinha sendo dado. Desde o mensalão. Mas, agora, além de Dirceu, estão indo presos outros do mesmo peso: Eduardo Cunha, Sergio Cabral, Delcídio, Garotinho.
E a Polícia Federal, que Marcio Thomaz Bastos soltou da coleira lá atrás, se uniu ao Ministério Público para fazer uma fiscalização nunca vista. E, no topo do processo, ainda acharam um juiz que assina mandados de prisão como quem faz a lista de mercado no fim da semana. Lógico que alguma coisa mudou.
O resultado é o que está se vendo. Os deputados nem tiveram condições de rejeitar de cara o projeto das medidas contra a corrupção – o que muito provavelmente fariam na fase da birra descontrolada. Mas estão tentando dar um jeito de mudar as novas regras – assim como crianças tentam mudar a seu favor os comandos que não lhes interessam.
A história da anistia do caixa dois vai nessa toada. Querem desvirtuar a nova regra em seu benefício. Mas, mesmo assim, terão de tipificar o crime. Aceitar que no médio e longo prazo a regra será mais dura para eles. O jogo agora é o da sobrevivência com o novo livro de regras que, pelo menos por enquanto, está sendo imposto a eles.
Agora, no longo prazo, a sociedade brasileira pode muito bem cansar de manter a vigilância. E o jogo deles, que hoje é de mera sobrevivência e adaptação, pode ser o de expulsar quem está em seu caminho. Porque afinal, ninguém se iluda: eles se divertiam bem mais antes das regras novas.
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