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Historiador sugere mudar nome da Praça Rui Barbosa para “Praça da Consciência Negra”
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Daneil Medeiros

Na semana passada, com o Dia da Consciência Negra, a prefeitura prometeu combater a desigualdade e o preconceito na cidade. Quem entende do assunto diz que uma necessidade básica é dar visibilidade aos negros da cidade, à sua história. O blog entrevistou dois historiadores para saber mais sobre o assunto. Hoje, quem fala é Daniel Medeiros, colega de blog no Educação no dia a dia. Veja o que ele diz.

O senhor diz que há uma invisibilidade do negro em Curitiba. A que se deve isso, historicamente?

Deve-se, principalmente, ao discurso oficial que foi naturalizado pela população nativa da cidade: a de sermos uma cidade “europeia”, “civilizada”. E isso, evidentemente, não combina com a presença de negros ( e índios) na formação da nossa população. Daí as representações simbólicas expressarem essa visão branca e europeia nos monumentos e mesmo no batismo dos lugares de memória, como é o caso típico da praça “Tiradentes”. Ora, por que a praça na qual os kaingangues indicaram o local do início da cidade aos bandeirantes não é, hoje, uma local de memória dessa história construída pelo Romário Martins e pelo Theodoro De Bona? Por que não há indicações dos rios Ivo e Belém, primeiros marcos da cidade, a lembrar o movimento de expansão e de formação da nossa cidade a partir de um charco cheio de sapos e mosquitos e que a cidade não nasceu já com recipientes de reciclagem de lixo? Essa cidade normalizada é o sonho de cidade da classe média que habita nossos espaços tradicionais e é evidente que eles não desejam que a realidade macule esse mito de origem. Daí despersonalizarem os lugares de memória com outros “heróis”, higienizados: Osório, Tiradentes, Rui Barbosa etc… Além das homenagens étnicas reconhecidas: poloneses, ucranianos, alemães, árabes, judeus, japoneses. Índios e negros, não. Quando muito, na periferia, longe do olhar do turista que aprende e replica o caráter diferente da “nossa” cidade: organizada, limpa, segura. O sonho da classe média. Bom, não é à toa o sucesso da AIB por aqui, nos anos 30…

O que a prefeitura poderia fazer para mudar isso?

Primeiro, admitir. Nosso prefeito é holográfico, sempre com um ar de bom mocinho e uma falta de atitude de dar dó. Calou-se diante da posição da Câmara de Vereadores quanto ao feriado e depois de tudo sacramentado, vai para a praça pública dizendo que defendia o feriado… Ora, então por que não se posicionou antes? E sempre? Lancei a proposta: prefeito, mande mensagem para a Câmara sugerindo transformar a praça Rui Barbosa – ceifador da memória da escravidão – e passe a chama-la de “Praça da Consciência Negra” – e oriente a Fundação Cultural para realizar lá, permanentemente, ações de valorização da memória dessa população na nossa cidade. Além disso, intensifique na rede municipal a formação de professores e a elaboração de materiais voltados à discussão da presença dos negros e índios na construção da nossa cidade. Realize concursos, distribua prêmios para pesquisa, dê nome a eventos. É preciso desculturalizar a visão branca dessa cidade, pois que não somos brancos, mas brancos, pardos, pretos, amarelos etc etc.

Vou contar uma história: em uma escola particular, uma professora pediu para as crianças formarem grupos para pesquisar a origem étnica da população da nossa cidade. E a professora deu as opções: italianos, alemães, poloneses e ucranianos. Uma menina negra (a única da sala) não sabia o que fazer e a professora então “resolveu” problema dela: era seria espanhola! É preciso que construamos outra realidade! Basta disso!

Quais seriam as possíveis consequências de um aumento da visibilidade da trajetória dos negros? Mudanças no autorrespeito da população, por exemplo?

O aumento da visibilidade dos negros já se faz sentir no país. No último censo, foi expressivo o aumento de autodeclarações, no quesito cor, de respostas: “preto”, que é como o IBGE qualifica os negros. Ora, é sabido que, ao longo do tempo, dezenas de adjetivos foram cunhados pelos negros para disfarçar a cor: escurinho, café com leite, moreno escuro, caramelo etc etc, em um espetáculo vexatório e constrangedor. A política nacional que temos tido nos últimos anos vem produzindo uma postura de admissão da cor como parte normal, comum, da identidade, e não um estigma. Curitiba precisa fazer parte disso. E isso não tem nada a ver com racismo. Não há raças, sabemos, mas há racismo. Não há raça, é fato, mas há segregação, discriminação, preconceito. A discussão não é científica, é histórica e política. Assumi-la assim clara e objetivamente, e tomar um lado, é fundamental para termos cidadãos curitibanos. Cidadãos, e só.

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