Da coluna Caixa Zero, publicada na Gazeta do Povo desta quarta:
Peço perdão ao eventual leitor regular deste espaço. Mas a ocasião exige um pequeno desrespeito às regras dos manuais de redação – e até às regras da etiqueta. Pela primeira vez em mais de dez anos de coluna, haverá, logo a seguir, uma pequena frase toda em caixa alta. Lá vai. ONDE É QUE ESSES CARAS ESTÃO COM A CABEÇA?
A razão do chilique é mais ou menos óbvia. Esse pessoal de Brasília parece que ainda não entendeu o tamanho do buraco em que estão se enfiando – e nos enfiando ao mesmo tempo, obviamente. A cada crise que acontece, eles aparecem com um jeito de tornar a crise ainda mais profunda.
Desculpe também, o leitor mais sensível: não é bom generalizar, claro. Nem todo mundo é assim etc. Mas é preciso perdoar o deslize porque é exatamente assim que as práticas de Brasília estão fazendo o eleitor se sentir.
Exemplos? Bom , só na semana passada, foram dois. Um deles registrado numa foto sensacional por Gisele Artur. Do lado de fora do Congresso, a população protesta contra as medidas do governo. Há revolta e quebra-quebra. Do lado de dentro, senhores e senhoras parlamentares se preparam para aprovar mais uma medida de austeridade – e partilham de um coquetel com vista para o caos. Mas não ligam.
O outro exemplo é muito mais cruel. A Câmara e o Senado nitidamente se aproveitaram da tragédia que matou mais de setenta pessoas para aprovar as tais medidas de austeridade – e para deixar como lhes convinha um pacote anticorrupção. Nem importa o que você acha das tais Dez Medidas. A falta de comedimento do Congresso fala muito mais do que o próprio projeto.
A pior coisa que pode acontecer a uma elite política é se descolar do que pensa a massa que a sustenta no poder. É daí que surgem as mudanças bruscas. E os congressistas parecem ainda não ter entendido que têm de parar de comprar joias em dinheiro vivo se quiserem manter os dedos.
A coisa é meio doida. Dilma é acusada de corrupção – dinheiro que, parece, era para manter unida a base no Congresso. A reação é: distribuir cargos e benesses ao Congresso para tirá-la do cargo. Dilma cai porque acusam seu governo de corrupção. A reação é: Temer assume e coloca os investigados da Lava Jato em postos chave do novo governo. A Lava Jato descobre a corrupção. A reação, pelo que se descobre agora é: parlamentares cobram propina para livrar os investigados de uma CPI.
Por enquanto, há comemoração quando um partido se esvai. Cai o PT: samba e folia nas hostes contrárias. Dana-se o PMDB: cantam marchinhas os petistas derrubados por Temer. O próximo será o PSDB? Imagine a festa que virá da esquerda. Mas o que parece que ninguém naquele planalto-ilha anda percebendo é que, no fim, isso está acabando com o pouco de credibilidade que a política tem como mediadora de conflitos.
Se não estiverem dispostos a realmente mudar de comportamento, o risco será de haver uma tentação generalizada de substituir os políticos – e a política – por algo que pareça mais seguro e menos cínico. A gente já viu onde isso dá. E por isso é preciso perguntar, ainda que em caixa baixa: onde é que esses caras estão com a cabeça?
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