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O ministro Gilmar Mendes, do STF, durante sessão em março de 2024.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, durante sessão da corte em março de 2024.| Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

Bons propósitos não justificam o recurso a meios ilegais ou antiéticos. É a isso que, infelizmente, estamos assistindo no Brasil. A cada dia surgem novos sinais de abusos em nome da defesa da democracia. Não se protege a Constituição violando-a nem se fortalece o Estado de Direito sem o devido processo legal.

Não julgo intenções, mas analiso fatos. O ativismo intenso de um ministro do STF, respaldado pelo silêncio cúmplice ou pela omissão irresponsável de seus pares, tem gerado, aqui e lá fora, a percepção de forte insegurança jurídica, politização do Judiciário e crescente comprometimento da própria democracia.

Os desvios, creio, começaram já vão lá cinco anos. A corte passou a conduzir inquéritos secretos e excessivamente elásticos para apurar fake news. Nas mesmas condições, como bem lembrou editorial do jornal O Estado de S.Paulo, instaurou inquéritos contra milícias digitais e as manifestações de vandalismo de 8 de janeiro. “Sob a justificativa da excepcionalidade, hermenêuticas extensivas e fundamentações heterodoxas motivaram censuras, bloqueio de contas, quebras de sigilos bancários e telemáticos, multas exorbitantes e indiciamentos e prisões preventivas no atacado”.

O ativismo intenso de um ministro do STF, respaldado pelo silêncio cúmplice ou pela omissão irresponsável de seus pares, tem gerado, aqui e lá fora, a percepção de crescente comprometimento da própria democracia

Mas a coisa não para por aí. A cada dia, talvez para manter a corda permanentemente esticada, temos uma novidade pouco amigável com a democracia. Recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de determinar, por meio de uma resolução, que as plataformas digitais poderão ser punidas caso não tirem do ar conteúdos considerados prejudiciais à lisura das próximas eleições representa mais um ataque frontal ao Marco Civil da Internet e à liberdade de expressão. De costas para a Constituição, em mais um movimento autoritário, o TSE avança na censura prévia.

O Marco Civil da Internet está em vigor há dez anos e prevê a responsabilização dos provedores somente mediante ordem judicial específica, ou seja, quando um juiz determina a remoção de um conteúdo e a plataforma não cumpre a decisão. O TSE, mais uma vez, invade competência exclusiva do Congresso para legislar sobre temas como fake news, discurso de ódio etc.

O ministro aposentado do STF e ex-presidente do TSE Marco Aurélio Mello vem alertando, em sucessivas entrevistas à imprensa, sobre a necessidade de a corte eleitoral se ater neste ano à sua função básica, de mera coordenadora da disputa eleitoral. Para ele, as resoluções emitidas pelo TSE para regulamentar as eleições de 2024 implicarão em retrocessos à democracia, pois seus regramentos estariam sendo ditados sem respeitar os limites do Judiciário definidos pela Constituição.

E os artífices do modelo autoritário fecham o cerco a qualquer crítica ou comentário que, mesmo indiretamente, possa atingir seu poder abusivo e inconstitucional.

Como lembrou outro editorial do jornal O Estado de S.Paulo, “antes mesmo da apuração de um bate-boca envolvendo o ministro Alexandre de Moraes e seus familiares em Roma, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, hoje ministro do STF, declarou que o assédio poderia ser tipificado como crime contra o Estado Democrático de Direito. O presidente Lula sentenciou que o suspeito era um ‘animal selvagem’ e prometeu ‘extirpar’ essa ‘gente que renasceu no neofascismo’. O STF assumiu a jurisdição de um caso típico de primeira instância e despachou mandados de busca e apreensão em investigação da Polícia Federal por suposta tentativa de ‘abolição violenta do Estado Democrático de Direito’. Um óbvio absurdo – que ameaça se normalizar”.

Outro exemplo, amigo leitor: Em ofício datado de 27 de março, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pede que a Polícia Federal investigue um cidadão brasileiro que teria dito algumas palavras desagradáveis no aeroporto de Lisboa, onde o ministro fazia uma conexão durante uma viagem entre Brasília e Berlim. O que teria dito de tão grave esse indivíduo? Segundo relato do próprio ministro, as terríveis palavras que ele não suportou ouvir foram “Gilmar, você já sabe, mas não custa relembrar. Só dizer que você e o STF são uma vergonha para o Brasil e para todo o povo de bem. Só isso, tá? Infelizmente, um país lindo como o nosso está sendo destruído por pessoas como você”. Por fim, o inacreditável, o homem ainda publicou nas mídias sociais o vídeo do ocorrido.

Com um Congresso leniente, parte da imprensa supreendentemente silenciosa, uma sociedade amedrontada e um Judiciário politizado e fascinado com o poder, caminhamos para um sistema claramente autoritário

Qualquer crítica é encarada como um atentado à democracia. Não vimos isso nem nos piores momentos da ditadura militar. O poderoso Humberto de Alencar Castello Branco, primeiro presidente do regime militar, foi carimbado na imprensa com um comentário nada lisonjeador: “Mais feio por dentro do que por fora”. Uma alusão indelicada à feiura presidencial. O que aconteceu? Nada. Pois bem, hoje pode acontecer. E tudo em nome da defesa da democracia.

É muito sério o que está acontecendo no Brasil. Com um Congresso leniente, não obstante algumas exceções de parlamentares combativos, parte da imprensa supreendentemente silenciosa, uma sociedade amedrontada e um Judiciário politizado e fascinado com o poder, caminhamos para um sistema claramente autoritário. Fala-se muito em tentativa de golpe. Ele não estará em plena execução?

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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