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Diferentes belezas
| Foto: Bigstock

Tom Jobim sabiamente já dizia que “mulher é outro bicho”. Vou além: a diferença é tamanha (e tão linda) que é muito comum que os homens fiquem a coçar a cabeça, perguntando-se – como o próprio Freud – o  que querem as mulheres, exatamente ao mesmo tempo em que elas, em bando, choram pitangas por não entender o que passa na cabeça do homem. Vi outro dia um exemplo emblemático dessa incompreensão mútua: uma moça escreveu, e escreveu muito bem-escrito, um texto sobre a restrição de idade para atrizes. Ela apontava o que lhe parecia uma flagrante injustiça na seleção de elenco dum ou doutro seriado: enquanto os atores continuavam impávidos meia-idade adentro, as atrizes eram substituídas muito mais cedo. A evidente inteligência da articulista tornava ainda mais clara sua cegueira para algo que qualquer ser humano do sexo mais feio acharia evidente: a relação diretíssima entre a beleza feminina e a nubilidade.

Para evitar mal-entendidos, passo a palavra ao saudoso Houaiss, que nos aponta o sentido do termo “nubilidade”:

Nubilidade – substantivo feminino. Estado ou condição de quem é núbil;

Núbil – adjetivo de dois gêneros. Pronto, preparado para casar […] Diz-se especialmente de indivíduo do sexo feminino

Para um homem, uma bela mulher é mais bela que a mais fantástica paisagem, a mais delicada obra de arte ou a mais colorida flor. Sua beleza é tamanha que se torna difícil continuar um raciocínio quando uma bela mulher adentra o recinto. Essa beleza, todavia, é diretamente relacionada ao substantivo tão feminino acima definido: a bela mulher é uma mulher núbil, e mesmo a moça que não tenha sido tão agraciada é mais bela enquanto núbil. O sentido de “pronta para casar” do termo “nubilidade”, todavia, não diz respeito às condições sociais atuais, que levam as moças a protelar o casamento até bem depois do auge de sua fertilidade. Ao contrário, até: “nubilidade”, no fundo, é outra maneira de nos referirmos à fase mais fértil da vida feminina, cujo auge ocorre por volta dos vinte anos de idade.

A famosa festa de quinze anos – hoje infelizmente substituída muitas vezes por uma viagem à Disney (oi?!) – costumava ser a ocasião em que se apresentava à sociedade a moça núbil, para que todo o complicado processo de escolha de marido (pois foi sempre a mulher quem escolheu, em qualquer sociedade minimamente civilizada) pudesse ter início, e as bodas não ocorressem tardiamente demais. Do mesmo modo, se procurarmos nas letras de música “jovem” americana (pois foi lá que inventaram a adolescência, e lá que inventaram isso de haver músicas para tal público) a palavra “sixteen”, “dezesseis”, encontraremos inúmeras odes à beleza da mocinha de dezesseis, recém-ingressada na categoria de “núbil”. Uma música diz que é com tal moçoila que todos os rapazes querem dançar, outra louva as velinhas do bolo, e por aí vai. São a trilha sonora dos pavõezinhos do sexo masculino a rodeá-la, inflando o peito, na esperança de – quem sabe – virem a ser escolhidos por ela e, depois de uns poucos anos de aflito namoro e dificílimo autocontrole, a ela unir-se pelo resto da vida.

Schopenhauer já dizia que durante uma determinada fase da vida as moças gozam duma beleza sobrenatural, que empregam para convencer algum pobre rapaz a responsabilizar-se por elas pelo resto de seus dias… e completa: coisa que ele jamais faria se estivesse com a cabeça no lugar. O resultado de tal programação, gravada de fábrica na mente masculina, é que a mesma beleza que Vinícius de Morais (pedindo aliás desculpas às feias) já afirmava ser essencial é algo absolutamente indissociável da bendita nubilidade. Não é que o homem, na sua grosseira rusticidade, seja incapaz de perceber a beleza duma criança, duma pintura ou paisagem, duma flor ou mesmo de uma bela matrona; é que a beleza núbil tem um efeito tão hipnótico sobre o homem que simplesmente não há competição ou comparação. Nem se trata necessariamente de algum tipo de atração, no sentido de realmente desejar aproximar-se ou, menos ainda, casar-se com toda moça núbil. Mas é assim que esta criatura tão simplória que somos os homens foi feita: uma bela mulher tem aos olhos masculinos o sabor de fruta madura que Alceu Valença, em nome da metade pior da raça humana, atribui a sua Morena tropicana.

Vale inclusive apontar que não são apenas os atributos mais evidentes da fertilidade – pele, cabelos, quadris, músculos, sorriso… – que atraem o homem: a fertilidade o faz. Uma amiga comentou comigo que, tendo sempre sido uma mocinha muito magricela, eram poucas as cantadas que ganhava na rua. Mas isso durou  até que teve filhos. Quando ela passou a sair à rua com um bebezinho pendurado no ombro, as cantadas passaram a vir de todos os lados. Ora, certamente nenhum dos operários a assoviar tinha interesse em ter um filho com ela; era a programação de fábrica do cérebro masculino que fazia com que vissem na moça com bebê pequeno uma beleza que não viam nela um ano antes. Outra amiga, ainda, contou-me uma história bastante curiosa. Como ela usa o método Billings, está sempre consciente de estar ou não fértil. Pois uma bela vez, andando pela rua no auge do seu período fértil, recebeu a cantada mais espontânea e apaixonada de toda a sua vida. Há, inclusive, vários estudos científicos com duplo cego e todas as demais exigências do bom método a comprovar o apelo maior das mulheres no período mais fértil do mês. Não se sabe como isso acontece, se haveria realmente alguma mudança mensurável em algo visível, se seriam feromônios que afetassem o olfato masculino ou o quê. O fato é que a moça que sai à rua exalando fertilidade vai chamar a atenção de rapazes que nem olhariam para ela em outros períodos do mês.

Já os homens – voltando à queixa da articulista que mencionei lá atrás – atraem as mulheres de modo totalmente distinto, até por conta da diferença entre os processos de fertilidade de cada sexo. Enquanto a bebezinha já traz na barriga ao nascer todos os óvulos de que disporá ao longo da vida – que, portanto, não pode demorar demais a usar – o homem fabrica novos gametas a cada dia. E continua a fabricá-los; conheci um senhor que enviuvou cinco ou seis vezes, tendo filhos até bem depois dos noventa (o molequinho já nasceu tio-avô!). O charme dele, que mesmo no outono da vida ainda atraía moças, estava não na carne dura da juventude, sim na segurança, na máscula firmeza que exibia diante da vida. As mulheres, via de regra, procuram no homem coisas muito mais complexas que os homens nelas, até por a fertilidade masculina não ter prazo de validade. Um homem que lhes inspire segurança, um homem que exiba fortaleza, firmeza, coragem (não temeridade, por favor, ainda que as muito jovens tendam a cair em tal confusão), acaba sendo muito mais “interessante” aos belos olhos das moças – que, repito, são quem escolhe – que um rapazola bem-vestido, bem penteado e bem-educado, mas que não apresente tais qualidades masculinas. Assim, por vezes um homem duma idade que na mulher já a teria retirado do “mercado” pode parecer muito mais interessante às moças que um seu filho que seja uma cópia mais jovem do pai. Ou que ele mesmo tenha sido vinte ou trinta anos antes.

Schopenhauer já dizia que durante uma determinada fase da vida as moças gozam duma beleza sobrenatural, que empregam para convencer algum pobre rapaz a responsabilizar-se por elas pelo resto de seus dias

As sociedades decadentes tentam negar a realidade da natureza humana, mas tal batalha já começa perdida. É possível arrasar a vida de muita gente ao brigar com a natureza, é certo. Aí estão as pobres moças que o bestialógico da moda convenceu a encher-se de hormônios para alcançar a infertilidade na hora em que melhor seria terem tido os filhos; aí estão os rapazes que não conseguem sequer entender o que é a masculinidade, e tentam fabricá-la artificialmente de acordo com os conselhos de imbecis da internet. Pior ainda, aí estão os que foram alijados do processo por terem sido iludidos pelas mentiras da mídia, e hoje vivem uma velhice solitária ou iludida; aí estão os que foram vitimados pela dissolução da família e hoje tentam saciar com a água choca e salobra das perversões a sede de água viva e doce que só uma sexualidade ordenada pode proporcionar. E, em lugar incomensuravelmente mais distante na escala de danos, aí estão as mulheres inteligentes que não entendem que uma bela senhora não atrai para uma série de tevê público comparável ao atraído por um garboso senhor.

A natureza é implacável, e negar a natureza humana é tão idiotamente autodestrutivo quanto um alpinista negar o frio e a rarefação do ar do monte Everest. Qualquer afastamento progressivo do padrão natural acaba levando a uma volta brusca e violenta a ele, ainda que até lá já tenham sido desandadas tantas vidas e desperdiçados tantos amores. Mais valeria que nos ativéssemos às belezas naturais, àquelas que fomos criados para reconhecer e amar. Afinal, como são lindas as moças, “fruta de vez temporana”, cuja beleza é um presente divino a um mundo que nem as merece nem as respeita. Beijemo-lhes as finas pontinhas dos dedos, e reconheçamos seus justíssimos – e efêmeros – privilégios. É o mínimo.

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