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Hoje é um dia triste para o Brasil: o aniversário da medonha quartelada que arrancou o Brasil do rol dos países com um belo futuro e o jogou na vala comum da América Latina. Fala-se, como se fosse coisa boa, de uma “proclamação da República”, como se proclamar alguma coisa numa praça tivesse o poder de mudar a realidade. Mas não é o caso: o que mudou – para pior – a realidade brasileira foi a ação coordenada de um Exército corrupto, donos de escravos revoltados com a Abolição e temerosos da reforma agrária que distribuiria terras aos ex-escravos, e setores especialmente escabrosos da maçonaria. O povo brasileiro não teve nada a ver com isso. Aliás, para evitar que ele tivesse, e já sabendo que a quartelada certamente não teria apoio popular algum, a família imperial foi enfiada num navio na calada da noite e expulsa para a Europa, onde dom Pedro II acabou por morrer à míngua.

A América Latina havia sido colonizada por Portugal e Espanha. Nos territórios desta, os processos de independência estilhaçaram a antiga colônia, instalando em seu lugar uma multidão de paisecos insignificantes, entregues no mais das vezes a ditaduras corruptas que, na maioria dos casos, continuam até hoje. Já a América portuguesa transformou-se no Brasil. Num Brasilzão só. Costumo dizer que, na verdade, a independência não foi do Brasil, mas de Portugal: o Brasil saiu do processo muito mais rico que a antiga metrópole, que só veio a sair da rua da amargura com o dinheiro alemão que passou a entrar após sua admissão na União Europeia. Já o Brasil estava por cima da carne seca; quando da quartelada que nos jogou na lama, estávamos à frente dos Estados Unidos em desenvolvimento, e nada indicava que deixaríamos de estar. Ainda que em termos de governo a família imperial não tenha sido nenhuma maravilha, tínhamos um sistema político que se casava perfeitamente com a nossa cultura.

Dom Pedro I nos deixara sós para resolver pepinos de família na Terrinha; dom Pedro II foi feito imperador aos 15 anos, após o confuso período da Regência, e mostrou-se mais interessado em ciência e tecnologia que no exercício do Poder Moderador que lhe cabia, com a triste exceção da Crise Religiosa, em que preferiu a maçonaria à Igreja. Mas, apesar dos pesares, tínhamos então um sistema que nos poupou, enquanto durou, das infinitas reviravoltas e golpes de Estado que marcavam nossos vizinhos hispanófonos, e que passaram a nos marcar desde a queda da monarquia.

Temos, como têm os demais descendentes dos ibéricos, uma cultura profundamente personalista. Aqui, graças a Deus, as pessoas percebem-se como seres sociais, ligados aos demais por miríades de laços pessoais de parentesco, amizade, auxílio mútuo, amor e admiração. Não somos em nada semelhantes aos descendentes dos frios povos do norte europeu, que agarraram com unhas e dentes a possibilidade de libertar-se dos laços sociais trazida por Lutero, que ao negar a Comunhão dos Santos tornou a religião assunto de foro íntimo e pessoal: o fiel sozinho diante de Deus, sem nenhum auxílio. Da religião, por ser o que a cultura deles demandava, passou-se à sociedade como um todo, criando-se sistemas de organização social baseados num inexistente indivíduo, teoricamente igual em tudo aos demais e unido apenas por laços contratuais passíveis de revisão e ruptura. Isto jamais funcionaria aqui, e jamais funcionou. Um policial americano que não prendesse a própria mãe se ela fosse acusada (mesmo que injustamente) de um crime seria ostracizado. Já um policial brasileiro o seria se o fizesse. Sabemos, aqui, que o amor filial vale muitíssimo mais que o respeito à lei escrita. É isso que faz com que nossa sociedade tenha a capacidade (que falta às nórdicas) de manter-se tão ou mais ordenada na ausência dos sistemas sociais de punição formal. Aqui, onde há menos polícia há menos crime. Lá, forçosamente, é o contrário.

Este é um traço que praticamente todos os descendentes da gloriosa Roma têm. Os italianos, franceses, romenos e bascos são igualmente personalistas, assim como, claro, os espanhóis. Mas a Península Ibérica, de onde veio o grosso de nossa cultura, é ainda mais fortemente personalista que os demais países descendentes de Roma, por uma razão simples: tivemos de lutar por isto. Enquanto para os demais povos europeus o tempo do Medievo foi um tempo de relativa tranquilidade, os ibéricos estávamos arrancando palmo a palmo nossa terra ancestral das garras do Islã, heresia igualitarista e bibliólatra que tanto influenciou Lutero. Não caímos nem cairíamos na conversa de estelionatário do heresiarca alemão porque conhecíamos o peixe podre que ele estava vendendo, e derramáramos nosso sangue lutando contra ele por séculos e mais séculos.

Infelizmente, os sistemas políticos surgidos na rabeira do Iluminismo, em grande medida, nutriram-se desta seiva venenosa, antepondo o indivíduo – este ente de razão na prática inexistente, pois nenhum homem é uma ilha – à família, às sociedades intermediárias e a tudo o mais que constrói uma sociedade. A monarquia é uma maneira de mitigar as consequências deste erro de antropologia filosófica, deste desconhecimento do que é realmente o homem – “eu sou eu e minhas circunstâncias”, escreveu Ortega y Gasset. Na monarquia, temos alguém que é dono daquilo que fora dela não é de ninguém, por ser de todos. Não é necessário perverter toda a população – o que se propõe quando se diz que “é preciso educar o povo” – para que ela deixe a própria mãe de lado em prol de parágrafos patéticos prepostos por políticos a papéis.

Na monarquia, temos na sociedade maior um reflexo da sociedade menor e infinitamente mais importante que é a família. Com isto temos uma ordem social mais facilmente compreendida e introjetada que a irracionalidade da mixórdia de leis e decretos delirantes que se tenta fazer de base da ordem social na república.

Uma república pode funcionar, se for pequena. Muito pequena, do tamanho de uma cidadezinha do interior, em que as pessoas ainda sejam pessoas, não discursos publicitários. Maior do que isso, e o que se tem não é mais uma república, e sim – na melhor das hipóteses – um sistema de perpetuação de oligarquias e segredos ditos de Estado. É o que ocorre nos países de ascendência nórdica; veja-se, por exemplo, os maus bocados por que tem passado Trump em sua relação com o dito “Estado Profundo” americano, que indiscutivelmente manda mais que o presidente. Nos países que não têm uma cultura, como as nórdicas, predisposta à negação da sociedade real, mormente dentre os descendentes de Roma, o que se tem é uma sucessão de números de equilibrismo em um sistema intrinsecamente desequilibrado, sempre propenso a revoluções e mudanças súbitas. Basta ver a França ou a Itália ou, se quisermos algo ainda mais próximo de nós, nossos hermanos latino-americanos. A própria Espanha só foi voltar à paz quando, depois de quase um século de confusão, com uma horrenda guerra fratricida seguida por uma ditadura feroz, retornou à monarquia de onde jamais deveria ter saído.

Aqui mesmo, no Brasil, comemoramos como conquista de Copa do Mundo coisas que deveriam ser normais em um sistema republicano, como a transição pacífica de poder. Fazemo-lo por estas coisas na prática não serem nem um pouco normais. Para que existam, é preciso ou bem que a população nem tome conhecimento do que está a se passar (como ocorreu na “transição” da monarquia à república ou como ocorre na Suíça, em que o governo central tem tão pouco poder que muita gente nem sabe quem está lá) ou bem que se a tenha idiotizado a tal grau que ela acredite no que lhe é dito pelos poderosos. Assim que ela percebe o que está acontecendo, revolta-se. Basta ver, mais uma vez, a situação atual dos EUA, cuja polarização faz com que metade da população não aceite o presidente eleito pela outra, já desde o tempo de Obama.

A monarquia, destarte, além de ser um sistema mais natural de governo, tem ainda outra diferença importantíssima em relação à república: os incentivos. De incentivos move-se o mundo, dizem os economistas, com boa dose de razão. Um deles, Hans Hermann-Hoppe, curiosamente um liberal fanático (logo, individualista ao extremo) oriundo de uma cultura nórdica, dedicou-se a estudar os incentivos da monarquia e da república, chegando a conclusões que não são menos valiosas por serem evidentes quando se para para pensar nelas. Um monarca quer que seu filho herde um país em boas condições. Por isso, ele tem todos os incentivos adequados para que pense no longo prazo, para que proteja os mecanismos geradores de riqueza, para que, em suma, exerça corretamente o seu papel de mantenedor da ordem e gerenciador dos conflitos mais amplos da sociedade. Já um presidente tem quatro anos para encher as burras de dinheiro para que possa concorrer à reeleição, e depois mais quatro para fazê-lo novamente de forma a garantir a eleição de um seu poste ou coleguinha. Nada que só vá dar frutos além deste tempo pode interessar-lhe. Todo tipo de demagogia com resultados no curto prazo, contudo, ser-lhe-á tentador.

Um exemplo claríssimo disto nós temos Brasil afora, na forma das inúmeras estações de trem e da imensa malha de trilhos construídos pelo Império e abandonados pela República. Chega a dar raiva ver as estradas sobrecarregadas de caminhões e as estações de trem desativadas ou servindo para passeios turísticos de poucos quilômetros em belas locomotivas ainda do tempo de dom Pedro II. Afinal, asfalto rende votos; a cada dois anos é fácil recobri-lo com uma fina camada do chamado “asfalto de eleição”, para fingir que se está fazendo algo pelo contribuinte e eleitor. Abrir uma estrada em vez de uma ferrovia é um investimento do político no próprio futuro. Já trilhos são uma riqueza invisível, que não rende votos no imediato. É um investimento no futuro do país, que de nada serve ao político e de tudo serve ao monarca.

A população brasileira percebe isso, e o expressa de várias formas: temos “reis” a torto e a direito, de Pelé a Roberto Carlos, passando por inúmeros nomes de loja. Temos o respeito inato às figuras de autoridade que na verdade, vê-se, dirige-se a elas como se se dirigisse a um monarca. Tivemos até mesmo ocasião de perceber isso no terror que dominou os políticos quando, na rabeira da triste Constituição de 88, foi feito o plebiscito para escolher entre duas formas de república e a monarquia. Quando os sacripantas perceberam que, à medida que a população percebia que a opção “monarquia parlamentarista” significava voltar a ter um rei, as intenções de voto monárquico dispararam tanto que o plebiscito foi adiantado em meses! O que deveria ter tido quase um ano de campanha, para que se soubesse do que se tratava, foi rapidamente encerrado em dois meses. Uma vergonha para nosso país, e uma triste prova a mais – como se isso fosse necessário – de como a república é intrinsecamente desonesta, desde seu início até o fim que, espero, chegue em breve.

É por estas e outras que costumo dizer que, mesmo tendo uma – aliás, duas – família imperial em perfeitas condições de uso, qualquer imperador seria melhor que a continuação da república. Eu sinceramente preferiria que tirassem o Lula da cadeia onde merecidamente mofa e o pusessem no trono que se continuasse esta triste experiência, que já custou ao Brasil inúmeras vidas (nem falei de Canudos…), sua riqueza, seu desenvolvimento e sua paz interna.

Como se dizia na época do plebiscito, “caia na real; monarquia é o ideal”. E hoje é um dia de luto.

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