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Carlos Poly
Carlos Poly| Foto:

Na natureza selvagem

Estar, na condição de feirante, em uma Feira de Livro é, no mínimo, flertar com o surrealismo. Este é o sétimo ano que participo aqui em Araucária, revendendo os livros que compro em liquidação ou em pontas de estoque – este ano até estive mais glorioso, representando os suntuosos livros da Editora Arte & Letra, o que também foi um problema, pois, embora ainda não tenha fechado o caixa, é bem provável que os livros que adquiri acabem empatando com o lucro das vendas. [Você já viu a coleção Na Conserva ou a revista Estórias? É de matar.]

Mas não quero falar das questões econômicas, nem das reivindicações políticas.  Até porque em eventos culturais é possível ter um panorama do descaso geral das administrações públicas, a falta de percepção macro dos organizadores e a crônica falta de público espontâneo. O que me interessa nas feiras são as crianças. Elas são demais.

Menina de cinco anos querendo comprar uma revista de 3,99.

– Tio, eu quero essa revista.

– Tá.

– Mas só tenho um real.

– Então, não dá, querida.

– Tio… Se a gente ficar amigos e eu te der um real, você me dá essa revista?

Carlos Poly

Carlos Poly

Teresinha

Os adolescentes também são magníficos. Não sei o que eles andam a conceber em matéria de amor, mas uma coisa é certa: eles gostam bem de um drama. Uma moça chamada Aline conseguiu o que considerei uma façanha, não pelo aspecto sentimental, mas pelo ângulo temporal: ela terminou três vezes com o namorado num intervalo de dois estandes.

Na primeira vez ela ficou muito chateada com o abraço maroto do namorado na melhor amiga. Dei razão a ela. Ela chorou, disse que o odiava, jogou o anel nele, ele pediu desculpas, voltaram. Na segunda vez, o menino ficou muito tempo entretido com os mangás Sanctuary e ela alegou desprezo e insensibilidade. Na terceira vez, ela reclamou que o menino estava grudento demais.

-Ai, Carlos, você não me deixa respirar…

 

Professora Pâmela

Uma turma de sétimo ano quase se despedaçou ao ver o exemplar de Toda Poesia, do Leminski. Professora! Professora! Gritavam como se fossem proclamar a independência do Brasil. Fiquei intrigado com a reação das meninas e puxei conversa com a mais bonita.

– A professora levou uns livros de poesia e disse pra gente fazer o que quisesse durante a aula. A gente ficou lendo e depois resolvemos ler as poesias que mais gostamos.

Um menino aparece depois do surto das meninas e aponta ao amigo:

– Olha lá o livro que a professora levou pra gente…

Pergunto se gostou das poesias.

– Ah… Poesia é coisa de menina, né?

– E isso é um problema, as meninas gostarem de poesia?

– Ah, não sei. Mas li o livro porque tava todo mundo lendo.

Conheço agora a professora. É uma dessas moças enérgicas, que acreditam no poder transformador dos livros – em algum momento de minha vida perdi essa beleza ingênua e honesta – e apaixonada por Leminski.

Não passa um minuto da conversa sem que um dos alunos apareça e a abrace.

Arrumo um dos livros tortos da prateleira. Não me sinto à vontade quando fico com vontade de chorar.

 

 

 

 

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