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Não é com prazer que se assiste a Anticristo, novo filme de Lars von Trier, que estreou na sexta-feira em Curitiba. É uma obra radical, sem quaisquer concessões ao público. Portanto, é difícil recomendá-lo a quem não esteja familiarizado com a obra do cineasta dinamarquês.
O enredo tem como ponto de partida uma perda. Avassaldora. Um casal, enquanto faz sexo, não vê o filho sair do berço e encaminhar-se a uma janela aberta, de onde voa para a morte. Ao som da ária “Lascia Ch’io Pianga”, de Händel. Esse é o prólogo da trama, filmado de forma magistral por Von Trier.
A dor de não saber que, enquanto entregava-se ao prazer carnal, o filho caía do prédio, tem um efeito devastador sobre a mãe (que não tem nome). Ela (Charlotte Gainsburg, vencedora do prêmio de melhor atriz com toda justiça) mergulha em estado de depressão profunda. Enquanto isso, o pai (Willem Dafoe, também em grande atuação) tenta ajudá-la a sair do fundo poço. Juntos irão à casa de campo do casal, imersa nas profundezas de uma floresta chamada Éden, numa alusão (óbvia) ao paraíso perdido por Adão e Eva, um lugar aparentemente idílico que aos poucos revela-se cruel. É a encarnação de Satã, diz a mãe em luto.
Von Trier, talvez em seu filme mais simbólico, revisita o Gênesis da Bíblia, mas também fala sobre a imolação da mulher através da história da humanidade, tema que sua protagonista vinha pesquisando para uma tese´que pretendia escrever e não conseguiu.
De certa forma, o diretor revisita uma temática recorrente na maior parte de seus filmes: o martírio feminino. Presente em Ondas do Destino, Dançando no Escuro e Dogville. Em Anticristo, a personagem central está convencida que carrega, como Eva, o pecado fundamental. E, ao enfrentar a dor da perda do filho, pela qual se culpa, percebe que só conseguirá sobreviver, continuar, se seu sofrimento emocional se materializar no plano físico. E esse mesmo castigo impõe ao marido, que ela acusa de sempre ter sido distante e, portanto, incapaz de imaginar o que ela está passando. Quer que ele sinta o que ela sente.
Essa comunhão se dá pelo sexo e pela violência física que se fundem em um único ritual.
Penoso de ser assistido, Anticristo é uma obra à qual não se consegue ficar indiferente. Se é bom ou ruim, é uma discussão irrelevante até certo ponto. É uma grande e árdua experiência. Mas muito interessante e provocativa, por outro lado. Há tanto na trama como em sua construção visual ecos do cinema de Andrei Tarkovski, sobretudo de Stalker e O Sacrifício. Não à toa, o cineasta russo é homenageado nos créditos finais.
Para alguns, será o que faltava para confirmar a hipótese de que Von Trier é um artista misógino, obcecado pelo sofrimento feminino. Não endosso essa teoria: é simplista demais. GGG1/2
Como é uma obra aberta, que permite diversas leituras, tenho curiosidade em saber o que vocês acharam do filme.