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Cópia Fiel e Air Doll são grandes filmes que discutem a realidade e a simulação
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Juliette Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz por Cópia Fiel.

Dois dos melhores filmes em cartaz na 34ª Mostra Interna­­cio­­nal de Cinema de São Paulo fa­­lam, cada um a sua maneira, de um tema bastante pertinente: num mundo regrado pela velocidade, como diferenciar o verdadeiro do falso, a realidade de suas muitas simulações.

Como o tempo é escasso, e a ânsia de tudo ter, experimentar e vivenciar, é constantemente provocada, os limites entre o que é e o que parece ou poderia ser estão cada vez mais borrados. Ao ponto de muitos optarem por vidas virtuais.

Cópia Fiel, do iraniano Abbas Kiarostami, e Air Doll, do japonês de Hirakozi Koreeda, trabalham com esse dilema contemporâneo percorrendo caminhos muito distintos, mas que se entrecruzam por, filosoficamente, estarem colocando em questão para o espectador dilemas existenciais que as duas histórias têm muito em comum.

O longa de Kiarostami, uma coprodução francesa e italiana, parte de um pressuposto bastante realista. James Miller (William Schimell), um autor britânico, especialista no tema herança cultural, está prestes a iniciar uma palestra na cidade de Arezzo sobre seu último livro, premiado como a melhor obra ensaística do ano na Itália.

O trabalho, que também se chama Cópia Fiel, defende a polêmica tese de que a reprodução bem feita de um quadro ou uma escultura vale tanto quanto seus originais.

Na plateia do auditório, está a dona francesa de um antiquário (Juliette Binoche, melhor atriz no último Festival de Cannes por seu desempenho nesse filme), que, apesar de não concordar totalmente com o escritor, está fas­­cinada com a provocação que o livro traz. E mais: parece também interessada em conhecer o seu autor. Tanto que o convida a passar uma tarde com ela.

Juntos, os dois irão de carro a uma pequena cidade, onde ela, cujo nome nunca é dito, vai mostrar a ele um retrato que, por séculos, foi tido como original, para que depois descobrissem se tratar de uma falsificação. Ainda assim, a tela, por sua inegável qualidade técnica, foi mantida no acervo do museu e em exposição.

Ela crê que James irá se interessar pelo caso, já que ele endossa a ideia defendida pelo seu livro. O escritor, contudo, não se entusiasma, para decepção dela. Ele tem menos interesse no que escreveu do que ela pensava.

Um pequeno engano no decorrer da viagem acaba, de certa maneira, “eletrificando” o diálogo entre os dois personagens: a proprietária de um pequeno café pensa que eles são um casal e, primeiro de brincadeira, eles aceitam o engano e passam a conversar como se, de fato, fossem marido e mulher.

O problema é que o jogo se torna tão real que eles mesmos perdem a noção entre verdade e ficção, dando vazão a emoções represadas, como ressentimentos, carências e até ciúmes. A simulação desse relacionamento, apesar de não ter suas raízes na realidade, acaba se alimentando de sentimentos reais, os aproximando.

Fins sexuais


Air Doll é um grande metáfora sobre a solidão e o processo de desumanização.

Em Air Doll, o enredo parte de uma ideia fantasiosa. Junichi, um garçom de 40 e poucos anos vive uma relação marital com Nozomi (a excelente Doona Mae), uma boneca inflável e fabricada para fins sexuais. Ele a veste, a banha e com ela conversa e partilha problemas com se fosse sua mulher. A solidão em que vive é tão imensa que o homem encontra nos braços, no corpo e no eterno silêncio da sua amante de plástico o único vínculo de afeto no seu dia a dia desde que se separou, há anos, de uma namorada.

Acontece que a boneca, um belo dia, ganha vida. Ou melhor, desenvolve um coração. Conti­­nua inflável, de material sintético, mas começa a andar, falar e, sobretudo, sentir como um ser humano qualquer. E, enquanto ele está no trabalho, Nozomi sai para o mundo e, finalmente, arruma trabalho numa locadora de vídeo.

Lá, além de descobrir o cinema, encontrará em Hideo (Itsuji Itao), jovem atendente da loja, um amor verdadeiro, mas não menos impossível do que o que Junichi nutre por ela.

Tanto em Air Doll quanto em Cópia Fiel, há a intenção de falar da solidão e da incomunicabilidade. Kiarostami (de O Gosto da Cereja), o nome mais respeitado do atual cinema do Irã, se distancia da realidade de seu país para, em locações europeias, discutir questões muito universais.

Seu protagonista defende o simulacro, a cópia, a falsificação, porque já não vê distinções entre verdadeiro e falso em um mundo repleto de dissimulações. E, ao se confrontar com uma mulher em crise, cuja simpatia esconde uma sensibilidade em carne viva, entra num jogo que o colocará em xeque. E, nessa simulação, nessa reprodução do real, sentimentos de verdade vão emergir. Isso graças a um roteiro brilhante e a uma fantástica direção de atores.

Mais onírico, o filme japonês fala de uma boneca que deseja como gente de carne e osso e se depara com pessoas desumanizadas, tão esvaziadas quanto ela fica quando perde o ar que a alimenta e a põe de pé como se fosse uma grande boia em forma humana.

Air Doll, um filme visualmente estonteante, também joga de forma lírica com a noção de que, mesmo quando se brinca de faz de conta, quando navegamos pelo virtual, não conseguimos nos livrar por completo dos riscos, da assustadora possibilidade do confronto com o que somos – ou deixamos de ser.

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