Carina Vitral apoia o governo Dilma, mas condena cortes de verbas para a educação.| Foto:

Nova presidenta da União Nacional dos Estudantes vem de universidade privada, representa bolsistas do ProUni e Fies, condena cortes de verbas para a educação, é contra a maioridade penal e apoia o governo Dilma

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Como comparar o movimento estudantil de hoje com o do período da ditadura e, depois, da fase de abertura, nos anos 80?
Não tem como comparar. É aquela máxima das gerações, cada uma tem os seus desafios, as suas características, as suas especificidades. Tenho certeza de que a UNE cumpre os seus objetivos à altura do que foi para ela colocada em cada época. Não fugimos da luta, nunca. A ditadura foi algo terrível, nos perseguiram, atacaram de todas as formas, assassinaram um presidente da UNE, o Honestino Guimarães, prenderam e torturaram muitos outros. Não se tinha liberdade. Então, não há como comparar, é até uma falta de respeito e de entendimento histórico querer fazer isso.

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Naqueles anos a juventude falava em utopia. Havia o sonho de um mundo mais justo, com menos desigualdades sociais. Esse sonho acabou?
Não acabou, ele está mais vivo do que nunca. Muitas conquistas vieram. No Brasil, por exemplo, vivemos em uma democracia, com amplas liberdades e instituições fortalecidas e consolidadas. Mas é fato que a justiça social e o fim das desigualdades sociais ainda são enormes. A gente não sabe o que é impossível, por isso, a gente vai lá e quer fazer, quer mudar, sempre. Somos jovens e não estamos satisfeitos nunca. Queremos mais e vemos que é possível. Nossa geração já conquistou, por exemplo, vitórias como a aplicação dos royalties do petróleo e do Fundo Social do Pré-Sal na educação, a aprovação dos 10% do PIB para o setor educacional, do Estatuto da Juventude, das cotas nas universidades. São todas inspirações para nos lembrar que estamos no caminho certo.

Qual o seu posicionamento sobre temas que dividem as opiniões, como aborto, redução da maioridade penal, descriminalização da maconha, casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Sou a favor da legalização do aborto, como forma de garantir que milhares de mulheres pobres não morram em clínicas clandestinas de todo o Brasil. Sou totalmente contrário à redução da maioridade penal. Defendo o debate mais amplo e aberto sobre a descriminalização da maconha, considerando a necessidade de rever a política de guerra às drogas que massacra a população pobre. Sou obviamente a favor do casamento e de todos os direitos civis para pessoas do mesmo sexo, defendo o direito de amar.

Setores classificados de progressistas afirmam que o país vive um momento de fortalecimento do conservadorismo. Para eles, os reacionários estão pautando os partidos, as votações no Congresso e até políticas dos governos. Como você vê a atual conjuntura política do país?
Existe é uma disputa de rumos no país, isso se deve à crise econômica que atinge o Brasil. A crise uniu a direita, os conservadores e os reacionários, que perderam as eleições mas não aceitaram a derrota e tentam impor o seu projeto para o país. Porém, na minha visão, ao mesmo tempo em que se aumenta um certo conservadorismo arbitrário de um lado, amplia-se ainda mais outra posição que é a de defesa da democracia no país, por mais direitos e mais avanços sociais.

Os movimentos sociais, sindical, estudantil e os setores progressistas perderam o protagonismo para os conservadores?
Acho que não, nós conquistamos muito nos últimos anos fruto de muitas mobilizações, eles acordaram agora. Quem está vencendo somos nós que ajudamos a mudar o país.

O governo federal vem enfrentando duras críticas. Muitos defendem o impeachment, com o “fora Dilma”. Qual a avaliação que você faz das manifestações de rua e dos panelaços?
Manifestação é legítima. Existe uma disputa em curso na sociedade, a elite que viu o Brasil distribuir renda, que viu a universidade deixar de ser lugar para rico, que agora tem cotas, ProUni e Fies, reage a essa mudança. É uma reação legitima de um setor específico da sociedade que quer ver seus interesses, e não o dos outros, no poder. O que não pode ser tolerado no Brasil é uma onda golpista, ideias antidemocráticas, desrespeito à soberania de um processo eleitoral como o nosso e muito menos o crime absurdo de defesa da ditadura militar. Isso, nós, da União Nacional dos Estudantes que sofremos torturas mortes e perseguições, não vamos marchar ao lado.

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Depois de avanços na educação de 3º grau, o governo decidiu cortar recursos e reduzir o acesso de estudantes às universidades por meio do Fies. Há também ajustes no Pronatec e no Prouni. Não é um retrocesso?
Nossa campanha é “nem um centavo a menos para a educação!”. Acabamos de acampar em frente do Ministério da Fazenda para repudiar os cortes na educação. E levamos recentemente ao Ministério da Educação nossa pauta de reformulação do Fies. Defendemos uma política de assistência estudantil que garanta a permanência do prounista, bolsista do FIES e cotista até o término do seus estudos.

Você acha que o governo acertou ao aumentar o financiamento estudantil em vez de ampliar a rede pública de universidades?
Na verdade, acertou em fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Se fizermos um recorte da última década, é fácil perceber que houve ampliação da rede federal. Foram inauguradas universidades federais, inclusive algumas em regiões mais pobres e necessitadas como a Federal do Cariri, as Federais do Oeste e do Sul da Bahia e as Federais do Vale do Jequitinhonha e Mucuri. Então, acho que o debate não é federal versus particular. O ensino privado é uma realidade e o que temos que ter é a sua urgente regulamentação. É necessário aprovarmos o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação, o Insaes, para fiscalizar e autuar essas faculdades.

Como estudante de economia, que políticas econômicas defende para tirar o país da crise, reduzir as desigualdades sociais, com impulso ao crescimento?
O principal desafio num ambiente de crise é a retomada do crescimento. Por isso é ruim o ajuste fiscal com corte de recursos do investimento. A política econômica não deve penalizar os programas sociais e muito menos áreas estratégicas e vitais como a educação. Deveriam ser tomadas outras medidas, como a taxação das grandes fortunas, a criação de uma política nacional de desenvolvimento de alguns setores, como o industrial, a redução dos juros. Uma das coisas mais importantes, também, é apostar firmemente em uma educação que forme cidadãos para contribuir com o desenvolvimento do país não só economicamente mas também do ponto de vista humano. A juventude hoje representa 51 milhões de brasileiros que contribuem para o país com um bônus demográfico que pode levar à retomada do crescimento tão importante para a saída da crise.

*Entrevista publicada na edição impressa da Gazeta do Povo: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/outras-camisetas-na-une-1ej782wiwjcb43l9qbs2gcr56