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A proposta para acabar com a reeleição de presidente, governadores e prefeitos ganhou força nos últimos dias. O tema veio à tona após o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter admitido que errou ao impulsionar a mudança na Constituição, em 1997. Mas a disputa pelo retorno à regra de mandato único, como foi estabelecido pela Constituinte em 1998, não é nova e foi uma das plataformas da campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018.
Em 2015, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar um artigo da reforma política (PEC 182/07) que acabava com a reeleição nos cargos executivos. O relatório do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), hoje presidente da Câmara, teve apoio da grande maioria da casa: 452 votos a favor, 19 contra e 1 abstenção. Apesar disso, a mudança foi derrubada no Senado.
O assunto voltou às manchetes na campanha presidencial de 2018. Três candidatos – Jair Bolsonaro (então no PSL), Marina Silva (Rede) e Alvaro Dias (Podemos) – defendiam o fim da reeleição. O mais enfático era Bolsonaro, que propôs uma reforma política para acabar com a reeleição e reduzir o número de deputados e senadores.
“Pretendo fazer — vou conversar com o parlamento também — uma excelente reforma política. Pretendo acabar com o instituto da reeleição, no caso começa comigo, se eu for eleito. E diminuir um pouco, em 15% ou 20%, a quantidade de parlamentares”, declarou Bolsonaro em plena campanha no segundo turno, quando liderava as pesquisas, à frente de Fernando Haddad (PT).
Marina Silva e Alvaro Dias prometeram, durante o primeiro turno, enviar ao Congresso uma proposta de reforma política, incluindo o mandato único de cinco anos para o Executivo. Marina também propunha mandato de cinco anos para deputados federais e senadores (que hoje têm mandato de oito anos), com direito a uma única reeleição.
Agora, com a arrancada para as eleições municipais e de olho em 2022, líderes partidários entraram novamente em disputa em torno do fim da reeleição. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para proibir a recondução de presidentes, governadores e prefeitos foi apresentada pelo deputado Alessandro Molon, líder do PSB, e se junta a outras na casa.
Um levantamento do Estadão/Broadcast, publicado na segunda-feira (14), mostra que o fim da reeleição para cargos no Executivo tem o apoio de líderes em 16 dos 24 partidos representados na Câmara e no Senado. O grupo contrário à recondução para um segundo mandato reúne legendas de esquerda, como PCdoB, de centro e de direita, como o PSL, ex-partido de Bolsonaro.
Para ser aprovada, uma PEC precisa de 308 votos na Câmara e 49 no Senado. Os parlamentares que integram os 16 partidos favoráveis ao fim da reeleição superam esse número. São 338 deputados e 53 senadores. Mas não há coesão e dentro dessas legendas há quem defenda a manutenção do atual sistema.
A reeleição para presidente da República e governadores nunca fez parte das Constituições brasileiras. A novidade foi fruto do sucesso do Plano Real, que deu grande popularidade a Fernando Henrique Cardoso e teve peso decisivo para a mudança constitucional.
"Devo reconhecer que historicamente foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo 'plebiscitário', seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final", afirmou FHC em artigo intitulado "Reeleição e crises", publicado nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, no último dia 6.
A proibição de reeleição é um tema que divide opiniões em vários países com sistema presidencialista. Na América do Sul, os dois países que têm apresentado melhores resultados econômicos e sociais – Chile e Uruguai – não permitem a reeleição consecutiva para presidente. No Chile, o mandato do presidente é de quatro anos, não podendo concorrer ao final. Mas passados quatro anos desde que deixou o cargo, ex-presidente pode voltar a se candidatar. O mesmo ocorre no Uruguai, com a diferença de que o mandato é de 5 anos.
Nos Estados Unidos é permitida a reeleição, mas depois de dois mandatos de 4 anos cada, o presidente nunca mais poderá ser candidato. A limitação foi imposta em 1946. Antes disso, a Constituição norte-americana permitia a reeleição ilimitada. O democrata Franklin Roosevelt, por exemplo, se elegeu para a presidência quatro vezes seguidas.
Uma questão que se coloca nas negociações sobre o fim da reeleição no Brasil diz respeito ao início da validade do veto, caso venha a ser aprovado. Com Bolsonaro e muitos governadores já em campanha para 2022, cresce a dificuldade para fazer valer a regra daqui a dois anos. Para dizer que não esqueceu da promessa de 2018, a saída de Bolsonaro seria defender a mudança a partir de 2026.