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Mercosul
Protesto contra o Mercosul liderado pela Federação Unida de Criadores e Grupos de Agricultores (Fugea), com sede na Bélgica.| Foto: Divulgação/Fugea

Um movimento coordenado de produtores rurais, ambientalistas e governos ameaça o acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. As negociações foram finalizadas em 28 de junho de 2019, após 20 anos de duras disputas. O anúncio foi considerado um grande trunfo do atual governo brasileiro, mas o caminho para as novas regras serem colocadas em prática parece intransitável.

Para entrar em vigor, o pacto entre os dois blocos precisa da aprovação do Parlamento europeu e dos legislativos de cada país-membro dos blocos. São 33 parlamentos, que estão sob pressão de produtores rurais, altamente subsidiados com recursos públicos, e ambientalistas, que elevaram o tom em meio à polêmica sobre o desmatamento na Amazônia.

Na sexta-feira (18), um lobby de 43 organizações agrícolas europeias de 14 países divulgou declaração pedindo aos governos e parlamentos que rejeitem a proposta. As entidades – com base na Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha e Suíça – argumentam que “as importações crescentes e baratas dos países do Mercosul estão aumentando a pressão sobre os preços dos agricultores europeus”.

O lobby reúne entidades poderosas de produtores, como o European Milk Board (EMB, na sigla em iglês), que representa 16 países europeus e tem em suas fileiras cerca de 100 mil produtores de leite.

“Com o acordo Mercosul-UE, as importações de produtos como carne, açúcar e soja dos países do Mercosul vão aumentar, o que, por sua vez, vai incentivá-los a adotar um modelo de produção fortemente exportador e ainda mais industrial”, declarou o presidente da EMB, Erwin Schopge.

O presidente francês, Emmanuel Macron, principal líder em oposição ao acordo Mercosul-UE, e a chanceler alemã Angela Merkel, que colocou dúvida sobre o tratado após ter dado forte apoio às negociações.
O presidente francês, Emmanuel Macron, principal líder em oposição ao acordo Mercosul-UE, e a chanceler alemã Angela Merkel, que colocou dúvida sobre o tratado após ter dado forte apoio às negociações.| Reprodução/Página oficial de Macron/Facebook

No mesmo dia da reação dos produtores, o governo da França apresentou novas barreiras ao acordo. O presidente Emmanuel Macron, que tem sido o principal opositor ao entendimento entre os dois blocos, disse que um relatório encomendado no ano passado a uma comissão de especialistas independentes sobre o impacto do acordo trouxe conclusões preocupantes.

O primeiro-ministro francês, Jean Castex, foi às redes sociais para contestar o tratado. “O desmatamento ameaça a biodiversidade e perturba o clima. O relatório apresentado por Stefan Ambec reforça a posição da França de se opor ao proposto acordo UE-Mercosul, tal como está. A consistência dos compromissos ambientais do nosso país e da Europa depende disso”, escreveu Castex no Twitter.

O relatório entregue ao governo francês afirma que o desmatamento vai estimular a área adicional de pastagens que seriam necessárias ao Mercosul para suprir o aumento, entre 2% e 4%, da produção de carne bovina destinada à UE. Com isso, o desmatamento sofreria uma aceleração de 5% ano, principalmente para criação de pastos no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Entre os pontos que a França quer acrescentar ao acordo estão a exigência de que o governo brasileiro “não pode, em nenhum caso, causar aumento do desmatamento", que as "políticas públicas do Mercosul estejam plenamente de acordo com seus compromissos com o Acordo de Paris (sobre o clima)" e que o os produtos agroalimentares importados com acesso preferencial respeitam as normas europeias de saúde e ambientais.

Destaques do tratado entre o Mercosul e a União Europeia:

  • Países da União Europeia devem liberar 99% do comércio de produtos agrícolas. Destes, 81,7% terão eliminação de tarifas e no restante serão aplicadas cotas e outros tipos de tratamento preferencial.
  • No setor de serviços, empresas de ambos os blocos terão acesso aos dois mercados nas mesmas condições que as companhias nacionais.
  • A UE libera 100% de seu mercado para bens industriais, sendo que 80% terá liberalização imediata. O Mercosul, por seu lado, terá prazos de até 15 anos para liberalizar setores sensíveis.
  • Cerca de 60% da oferta do Mercosul sofrerá redução tarifária num prazo de dez ou mais anos (máximo de 15);
  • Cerca de 85% das exportações do Mercosul para o mercado da UE terão a eliminação imediata de tarifas.

Após a manifestação das autoridades francesas, o governo brasileiro reagiu. Ao jornal O Globo, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que o discurso ambiental e sanitário tem sido utilizado como argumento por "lobbies agrícolas europeus" para dificultar as negociações entre os dois blocos econômicos.

"Ao longo das negociações, o acordo Mercosul-UE sofreu fortes resistências de lobbies agrícolas europeus, que frequentemente se utilizaram do discurso ambiental ou sanitário para tentar inviabilizar o instrumento", destacou o Itamaraty, em resposta ao Globo.

A Amazônia é um dos principais focos do debate. Em uma carta aberta enviada pela Amsterdam Declarations Partnership (ADP) ao vice-presidente Hamilton Mourão, na terça-feira (15), oito países disseram que a ameaça à proteção ambiental coloca em risco o desejo da Europa de fornecer alimentos de maneira sustentável aos seus cidadãos. O documento é assinado por Dinamarca, Itália, Noruega, Reino Unido, Holanda, Alemanha (atualmente na presidência do grupo) e França. A Bélgica não faz parte da parceria, mas também assinou a carta.

Após ler o documento, Mourão afirmou que o tema foi tratado em reunião dele com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura). O vice-presidente disse ainda que o Itamaraty deve procurar o embaixador da Alemanha para conversar sobre o posicionamento dos oito países. Para o vice-presidente, o Brasil precisa usar a diplomacia para abrir um diálogo e mostrar que o acordo não beneficia apenas os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).

“Na carta, eles colocam os representantes deles à disposição para o diálogo, daí nós estamos planejando aquela viagem, que já falei para vocês a Amazônia, vai ser feita no final de outubro”, comentou Mourão em entrevista coletiva, se referindo à ideia de levar embaixadores de países europeus à Amazônia.

Mercosul- Greenpeace - Amazônia
Protesto do Greenpeace na sede da Comissão Europeia.| Divulgação/Johanna de Tessières/Greenpeace

A movimentação de autoridades europeias é impulsionada também por campanhas de organizações ambientalistas. No final de agosto, o Greenpeace estampou uma grande faixa de fumaça na sede da Comissão Europeia, em Bruxelas. A ação teve como objetivo, segundo a ONG, chamar a atenção para a contribuição da UE para o desmatamento na região Amazônica e em outras partes do mundo. A União Europeia é responsável por 10% do desmatamento global, segundo dados de pesquisadores ligados às organizações que atuam em defesa do meio ambiente.

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