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Anteprojeto apresentado por juristas ao Congresso Nacional busca maior penalização dos traficantes e retira do campo de ação criminal as pessoas envolvidas com drogas em quantidade que caracterize uso pessoal

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Longe de consenso entre autoridades, legisladores, estudiosos e representantes de setores de segurança e saúde, a reforma da Lei das Drogas no Brasil teve aberta nova frente de batalha no início desde ano. Um grupo de juristas – composto por desembargadores, membros do Ministério Público, juízes, professores e outros especialistas – apresentou à Câmara dos Deputados, no dia 7 de fevereiro, proposta que busca combinar descriminalização do porte de drogas para uso pessoal com mais repressão ao tráfico.

Redigida por uma comissão encabeçada pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ribeiro Dantas e Rogerio Schietti Cruz, a proposta chega ao Congresso no momento em que há grande expectativa em torno de decisões sobre o tema nas esferas do Legislativo e do Judiciário. No Supremo Tribunal Federal (STF) está marcado para junho o julgamento de uma ação que pede a descriminalização do porte de drogas por usuários – três ministros já votaram a favor do pedido. No Senado, um projeto de lei (7663/10) que já foi aprovado na Câmara e que mantém a criminalização está aguardando indicação do relator.

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“É o combate ao grande tráfico que pode ‘quebrar as pernas’ do crime organizado, principalmente cortando as linhas de financiamento. Se ficarmos centrando a repressão no pequeno flagrante de esquina, pegamos o peixe pequeno e mandamos soldados para as facções do crime organizado.”

Ribeiro Dantas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e presidente da comissão responsável pela elaboração do anteprojeto apresentado ao Congresso.

O anteprojeto do grupo de juristas prevê grande reforma da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e reforça os mecanismos de punição contra o narcotráfico ao criar tipos penais mais específicos, com penas que variam de acordo com a gravidade da conduta – algumas maiores que as da lei atual. Na elaboração do texto os autores tiveram preocupação especial com o combate ao grande tráfico, ao seu financiamento e ao comércio internacional de drogas, e também com a redução da margem de subjetividade dos juízes na aplicação da lei. Por outro lado, tira do campo de ação da Justiça criminal pessoas envolvidas com drogas em quantidade que caracterize uso pessoal.

Apesar de ter como estratégia a conciliação de pontos de discórdia entre os representantes de diversos setores envolvidos na questão das drogas no país, o anteprojeto já enfrenta divergências. De um lado estão os que argumentam, entre outros pontos, que a descriminalização das drogas para uso pessoal vai aumentar o número de usuários. Do outro estão os que afirmam que a legislação atual é responsável pelo alto grau de encarceramento no Brasil – o que facilita o recrutamento de jovens para as organizações criminosas – e tem demonstrado, em números, que não serviu para solucionar o combate ao tráfico e à criminalidade.

Defesa do projeto

“A descriminalização é uma tendência mundial e foi incluída no texto após discussão com especialistas e análise da experiência de vários países. Se nós estivermos errados, o mundo todo também estará”, argumenta o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz, vice-presidente da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto, em texto publicado no site do STJ.

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Para Schietti Cruz, a questão das drogas ilícitas envolve uma miríade de classificações. “Existe o usuário eventual, esporádico, que não necessariamente se torna dependente. Há os dependentes e há aqueles que, mesmo não sendo dependentes, acabam tendo problemas pessoais por causa do uso frequente: perdem o emprego, têm conflitos familiares, enfim, geram situações que lhes trazem problemas e por isso são definidos como usuários problemáticos. Tentamos dar respostas correspondentes a cada uma das situações, mantendo ao mesmo tempo um tratamento rigoroso ao tráfico”, diz.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, onde vários estados optaram pela legalização, o consumo aumentou muito. Em Denver, no Colorado, a média de consumo de maconha é o dobro da média americana. O crime no estado do Colorado aumentou depois da legalização, os acidentes de trânsito aumentaram, o número de produtos com maconha aumentou.”

Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).

Outro ministro do STJ, Ribeiro Dantas, que presidiu a comissão responsável pela elaboração da proposta, diz que o foco no combate ao grande tráfico, ao seu financiamento e ao comércio internacional de drogas é um dos pontos mais importantes do projeto. “As causas de aumento ou diminuição de pena são uma novidade porque trabalhamos com a quantidade da droga. Dependendo da quantidade, a pena pode ser aumentada de um sexto a um terço. E a pena pode ser aumentada em dois terços se o crime for praticado com violência, grave ameaça, se atingir adolescente, criança, qualquer pessoa que tenha capacidade suprimida”, detalha o ministro.

Dantas defende ainda que o foco na repressão ao usuário não resolve. “É o combate ao grande tráfico que pode ‘quebrar as pernas’ do crime organizado, principalmente cortando as linhas de financiamento. Se ficarmos centrando a repressão no pequeno flagrante de esquina, pegamos o peixe pequeno e mandamos soldados para as facções do crime organizado”, alerta.

Resistência ao projeto

Para representantes de entidades e instituições que defendem a manutenção da lei atual – a qual prevê a criminalização de quem for flagrado portando droga para uso pessoal – a medida pode ter efeito contrário ao esperado.

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“O Brasil é signatário das convenções da ONU que definem a maconha como droga ilícita, portanto, não vejo como poderemos liberar o porte para uso pessoal”, diz a médica psiquiatra Ana Cecilia Petta Roselli Marques, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead). Para ela, o país não precisa de novas leis, “mas sim de sua atualização e fiscalização”.

Apesar do posicionamento contrário à descriminalização, a psiquiatra é contra a prisão de usuários. “O usuário que porta a droga para seu uso, em função disso, deveria ser multado, nunca preso”, defende ao frisar que a lei atual já prevê essa possibilidade.

Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), diz acreditar que a proposta dos juristas não vai funcionar, considerando que já existe projeto aprovado na Câmara sobre o tema e que está parado no Senado. “Temos que entender que existem dois outros movimentos acontecendo simultaneamente. Um no Supremo Tribunal Federal, em que a tendência é flexibilizar o porte de drogas por usuários, e o outro é o projeto aprovado na Câmara e que não descriminaliza a posse de drogas para uso pessoal”, pondera.

Laranjeira também diz ser contra a prisão de adolescentes que portam apenas um cigarro de maconha, por exemplo, para uso pessoal, mas diz que a legalização do uso provocaria aumento do número de dependentes, trazendo consequências para a saúde, além de fomentar o comércio de drogas. “Nos Estados Unidos, por exemplo, onde vários estados optaram pela legalização, o consumo aumentou muito. Em Denver, no Colorado, a média de consumo de maconha é o dobro da média americana. O crime no estado do Colorado aumentou depois da legalização, os acidentes de trânsito aumentaram, o número de produtos com maconha aumentou”, cita.

O presidente da Associação dos Delegados do Rio de Janeiro (Adepol-RJ), Wladimir Sergio Reale, que atua no STF contra a descriminalização, diz que a liberalização não trará dados positivos para o país. “Os usuários que usam de forma recreativa, como via de consequência alimentam a violência, o tráfico de drogas. Então o usuário é um dos responsáveis pela cadeia de violência”, argumenta.

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Projeto aprovado na Câmara prevê internamento e amplia pena a traficantes

Decisão de 2013 da Câmara dos Deputados mostra que nova proposta de descriminalização da posse de drogas para uso pessoal não encontrará facilidade no Congresso. Em maio daquele ano, os parlamentares concluíram a votação do Projeto de Lei 7663/10, do então deputado Osmar Terra – atual ministro da Cidadania do governo Bolsonaro –, que muda o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad).

O texto aprovado foi encaminhado ao Senado e até hoje aguarda votação. O projeto mantém a criminalização da posse, aquisição e transporte de drogas para uso pessoal e aumenta a pena mínima para o traficante que comandar organização criminosa.

A pena mínima para traficante que comanda organização criminosa passa de cinco para oito anos de reclusão e a máxima permanece em 15 anos. O texto define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas com estrutura ordenada para a prática de crimes cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos.

O relator cedeu apenas em um ponto para tentar evitar a aplicação de pena de tráfico a usuários. Carimbão aceitou incluir novo atenuante na lei, o qual prevê que se a quantidade de drogas apreendida “demonstrar menor potencial lesivo da conduta”, a pena deverá ser reduzida de 1/6 a 2/3.

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Internação

O projeto aprovado estabelece que o tratamento do usuário ou dependente de drogas ocorra prioritariamente em ambulatórios, admitindo-se a internação quando autorizada por médico em unidades de saúde ou hospitais gerais com equipes multidisciplinares.

De acordo com o texto, a internação poderá ser voluntária ou não. Para a internação involuntária terá de haver pedido de familiar ou responsável legal ou, na falta deste, de servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad. “A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente”, diz o texto.

A expectativa de parlamentares é que, caso venha a passar no Senado sem alteração, o projeto será rapidamente sancionado pelo presidente da República. Além de ser de autoria de um dos seus ministros, a proposta vem ao encontro de promessas de campanha de Bolsonaro, que defende endurecimento da lei. (CM)

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STF decidirá sobre o tema em junho

Parada desde 2015 no Supremo Tribunal Federal (STF), a ação que trata da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal deverá ir a julgamento em 5 de junho deste ano. O caso está com o ministro Alexandre de Moraes, que herdou os processos de Teori Zavascki, morto em 2017 após acidente aéreo.

Na ação, a Defensoria Pública de São Paulo alega que o artigo 28 da Lei 11.343/2006 – que torna crime o porte de drogas ilícitas para consumo próprio – viola o princípio da privacidade e criminaliza a autolesão, o que é inconstitucional.

No dia 10 de setembro de 2015, a discussão sobre o tema foi adiada pelo STF após o ministro Zavascki pedir vista dos autos. Até aquele momento, três ministros haviam votado a favor da descriminalização: Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Para Mendes, “a criminalização da posse de drogas para uso pessoal conduz à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário”. O ministro Fachin concordou com Mendes, mas apenas em relação à maconha. Ele manteve a proibição do uso e do porte para consumo pessoal de todas as demais drogas ilícitas, nos termos previstos na atual legislação.

O ministro Luís Roberto Barroso reforçou a tese de Fachin e votou para que seja descriminalizado apenas o porte de maconha. De acordo com Barroso, criminalizar o uso de maconha viola a intimidade privada, direito fundamental previsto pela Constituição.

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Com a morte de Teori Zavascki, em 2017, o caso foi parar nas mãos de Alexandre de Moraes, escolhido para preencher a vaga. Em setembro, o novo ministro liberou a ação para julgamento. O presidente do STF, Dias Toffoli, anunciou em dezembro que a questão do porte de drogas para uso pessoal será julgada em 5 de junho. Oito ministros ainda não votaram. (CM)