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Edifício da Agência dos Correios do Setor Comercial Sul, em Brasília.
Edifício da Agência dos Correios do Setor Comercial Sul, em Brasília.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O serviço postal no Brasil passou a ser estatal em 1797. Antes disso era um serviço privado, monopólio exercido pela família de Luiz Gomes da Matta. Após a independência, em 1822, D. Pedro I manteve os correios como serviço público e deu início à sua expansão. Agora, passados mais de dois séculos desde a estatização, o governo federal anunciou a privatização dos Correios como prioridade de um pacote de venda de estatais.

Antes mesmo do anúncio oficial, os argumentos do governo para a desestatização dos Correios já tinham vindo a público. De acordo com um estudo do Ministério da Economia, publicado com exclusividade pelo portal G1, no início de agosto, entre os principais motivos a favor da venda da estatal estão: histórico de interferência política e corrupção; rombo de mais de R$ 11 bilhões no Postalis, o fundo de previdência dos funcionários; Postal Saúde com passivo atuarial de R$ 3,9 bilhões, greves constantes; barreira logística para pequenos empresários; e não pagamento de dividendos ao Tesouro desde 2014.

No mesmo estudo, o ministério classificou os Correios como “uma vaca indo para o brejo” e que a empresa envolve risco de R$ 21 bilhões aos cofres públicos. Nos balanços de resultados apresentados pela estatal consta que após anos a fio com superávit, em 2015 e 2016, a companhia entrou em crise e teve prejuízos bilionários, de 2,12 bilhões e 1,48 bilhão respectivamente. Mas nos dois últimos anos a empresa se recuperou e voltou a obter lucros, de 667 milhões em 2017 e 161 milhões, no ano passado.

Outra justificativa apresentada pelo governo é que os Correios estão perdendo mercado no segmento de e-commerce, que responde pela entrega de produtos comprados pela internet – um segmento que tem crescido ano a ano no país, mas que tem sido abocanhado pelos concorrentes privados. Em 2013, a ECT detinha 81% desses serviços de entrega e em 2017 ficou com apenas 58,9%.

Após os prejuízos registrados em 2015 e 2016, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou relatório sobre a situação da empresa. De acordo com o documento, de 2011 a 2016, os Correios apresentaram crescente degradação na sua capacidade de pagamento no longo prazo (liquidez), aumento do endividamento e da dependência de capitais de terceiros, e principalmente, redução drástica de sua rentabilidade, com a geração de prejuízos crescentes a partir de 2013. Entre as causas da crise, o relatório apontou transferências elevadas de recursos para a União nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, nos quais foram repassados, a título de dividendos e juros sobre capital próprio, um total de R$ 2,97 bilhões. O relatório destaca ainda que, em 2013, foi repassado à União um adiantamento de dividendos no valor de R$ 300 milhões, baseado em uma expectativa de lucro para a empresa no exercício, mas, com a expectativa não se concretizou, os Correios arcaram com um prejuízo de R$ 312 milhões naquele ano.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil| Marcelo Camargo/Agência Brasil

Longo caminho

Criada em 1969, a Empresa Brasileira de Correios (ECT) detém o monopólio do serviço postal (correspondências). A entrega de encomendas é feita também por empresas privadas. A ECT é a maior empresa pública do Brasil, com mais de 100 mil funcionários diretos e está presente em todos os municípios do país.

A inclusão da ECT no pacote de privatizações não foi novidade. Logo após a posse, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia adiantado que os Correios estariam entre as primeiras estatais a serem privatizadas. Mas para vender a empresa o governo terá de superar um longo processo. No anúncio feito no dia 21 de agosto, o próprio governo deixou claro que o processo agora entra na fase de estudos e que o modelo de privatização não está definido. Também esclareceu que a privatização pode ser total ou parcial, isto é, apenas uma parte da empresa pode ser vendida ou toda a companhia.

Antes de partir para a venda de uma empresa do governo é preciso concluir os estudos técnicos para definir os detalhes do negócio a ser feito. Do início do processo até o momento da alienação, existe uma série de procedimentos para que os objetivos definidos pelo governo sejam alcançados. Todas as definições precisam ser aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), responsável então pela publicação do edital de concessão. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano envolvendo venda de estatais, sua privatização terá de passar, necessariamente, pelo Congresso.

ECT tem mais de 100 mil funcionários diretos. Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo
ECT tem mais de 100 mil funcionários diretos. Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo| GAZETA

Além das questões legais, a venda dos Correios enfrenta pressão dos funcionários, sem contar que envolve cerca de mil agências franqueadas. A Associação Brasileira de Franquias Postais (Abrapost), entidade que representa os franqueados, não manifestou posição a favor ou contra a privatização. “É um assunto que o Executivo vai discutir com a sociedade, no âmbito do Congresso Nacional. Esse é um tema que o Legislativo tem a prerrogativa de decidir, não é um tema da Abrapost”, respondeu por meio de nota.

A entidade afirmou ainda que está empenhada em melhorar e maximizar a relação dos franqueados com os Correios, no sentido de atender melhor a sociedade, de contribuir para o intercâmbio entre consumidores e produtores, de modo que o país possa avançar nas questões de logística. “O que nos interessa é que os Correios sejam sempre uma empresa sólida, um parceiro que permita a expansão de negócio, amplie o atendimento do público e das empresas e que olhe para os franqueados de uma forma especial, porque nós somos, de certa forma, a primeira parceria-público-privada no País. Quando lá atrás houve a lei que permitiu que os Correios tivessem parceiros privados em sua rede, os franqueados foram os primeiros a acreditar no desenvolvimento deste modelo. Por isso nossa discussão é de como aprimorar a relação com a empresa”, ressalvou.

Do lado dos funcionários, desde o anúncio oficial do governo houve uma grande mobilização contra a privatização. Estão sendo realizados atos em várias cidades do país e contatos com parlamentares. “É uma posição equivocada do governo. Os Correios é um patrimônio do país e da população brasileira. Os Correios não são apenas uma estrutura comercial, também tem projeto social, é um braço do estado em ações sociais”, contesta Fischer Marcelo Moreira dos Santos, diretor de imprensa da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect).

Para a entidade, a venda dos Correios trará prejuízos à sociedade e ao país. “A ECT, muito além de ter uma atividade comercial, tem uma função social. Vários serviços não são lucrativos. Em todo o mundo só oito países os Correios são privatizados, na maioria esmagadora dos países os correios são públicos. Além disso, algumas experiências de privatização deram errado, como na Argentina e Portugal, por exemplo”, ressalta Santos ao acrescentar que “os Correios envolvem questões de soberania nacional, e sua privatização envolve artigos da Constituição”. Para ele, uma empresa privada não vai assumir os serviços que não dão lucro.

Correios tem cerca de mil franquias espalhadas pelo país.
Correios tem cerca de mil franquias espalhadas pelo país.| Gazeta do Povo

Procurada, a empresa não forneceu dados sobre quais serviços prestados são lucrativos e quais geram prejuízos. “Em observância ao sigilo empresarial, não informamos detalhes sobre faturamento. Mas esclarecemos que os Correios detêm o monopólio dos serviços postais de correspondência em contrapartida à presença e atuação em todo o território nacional. A empresa está presente em todos os municípios brasileiros e em 60% deles é a única representante do Estado. De todos os municípios atendidos, alguns são lucrativos e outros não. Não obstante, todos têm garantidos os serviços dos Correios”, respondeu.

As entidades que representam os funcionários – incluindo dezenas de sindicatos e associações – rebatem os argumentos do governo para justificar a venda da companhia. Segundo as entidades, os déficits do fundo de pensão do Postalis e do plano de saúde têm sido cobertos pelos trabalhadores e pela empresa e é autossustentável, sem depender de um centavo do governo. Afirmam ainda que os serviços prestados pela empresa estão com 99% de qualidade (cumprimento de prazo de entrega), um dos melhores indicadores do mundo.

No Congresso, a disputa promete ser acirrada. A oposição reativou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios, com 211 deputados e 3 senadores. Parlamentares do grupo aprovaram audiência pública para debater a privatização. Já foram chamados o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e o presidente da ECT, general Floriano Peixoto. Do lado do governo, os parlamentares apostam que as privatizações de estatais vão repetir na Câmara a votação da reforma da Previdência, quando os governistas venceram com folga.

Não há informações, por parte do governo, sobre valores de venda da estatal. Avaliações de mercado atribuem preço em torno de R$ 5 bilhões, mas qualquer estimativa depende de estudos técnicos e essa previsão pode estar totalmente fora da realidade. Também não há claramente pretendentes confirmados. Agentes de mercado avaliam que tudo vai depender do modelo de privatização escolhido e citam as multinacionais DHL, Amazon e Ali Baba como potenciais compradores, mas até agora essas companhias não confirmaram, oficialmente, interesse

Decisão do STF exige aval do Congresso

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 6 de junho deste ano, que o governo federal não pode vender estatais sem aval do Congresso Nacional e sem licitação quando a transação implicar perda de controle acionário. A maioria dos ministros permitiu vendas sem autorização do parlamento somente para as empresas estatais subsidiárias. A decisão do Supremo tem validade também para governos estaduais e prefeituras.

Uma subsidiária é uma espécie de subdivisão de uma companhia, encarregada de tarefas específicas no mesmo ramo de atividades da "empresa-mãe". A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), por ser uma “empresa-mãe”, terá que passar pelo Congresso para ser privatizada. No mesmo caso estão Petrobras, que tem 36 subsidiárias, e Eletrobras.

De acordo com dados do Ministério da Economia, o governo federal tem 134 estatais, das quais 88 são subsidiárias. Pela decisão do STF, as 88 subsidiárias poderão ser privatizadas sem autorização do Congresso.

A autorização para venda das subsidiárias sem passar pela decisão dos parlamentares foi considerada uma vitória do governo Bolsonaro, que buscava flexibilização para vender estatais. O plenário do STF derrubou em parte uma decisão liminar (provisória) concedida no ano passado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que havia vetado a venda de qualquer estatal sem autorização do Congresso

Outras empresas serão privatizadas

Além dos Correios, mais oito empresas estatais foram incluídas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), anunciado no último dia 21 de agosto. No total, o governo prevê privatizar 17 estatais (confira a lista no box). O anúncio incluiu também concessões de parques e projetos em áreas sociais.

Durante a reunião do Conselho do PPI, o secretário Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, explicou que as nove empresas que ingressaram no plano devem passar por estudos para verificar como será o processo que pode passar pela privatização, abertura de capital, venda ou extinção. “Nós estamos tentando respeitar a constituição e tirar o estado do mundo dos negócios”, afirmou.

Segundo o governo, o PPI passará também a incluir atividades na área social. Uma das propostas é atrair a iniciativa privada para finalizar mais de mil creches em todo o Brasil. Outro ponto serão as Parceiras Público Privadas (PPPs) para áreas como iluminação pública, presídios, saneamento básico e resíduos sólidos. Foram anunciados ainda estudos para a concessão dos parques nacionais de Jericoacora (CE) e dos Lençóis Maranhenses (MA).

O governo autorizou ainda a exploração dos direitos minerários de 10 novas áreas, começando pela exploração de caulim no Rio Capim, no Pará. Também foram incluídas “quatro novas hidrelétricas para o apoio ao licenciamento ambiental e uma rodovia, três novos arrendamentos portuários e o Programa BR do Mar para estímulo a cabotagem permitindo que esse importante instrumento de transporte de insumos e mercadorias possa ser praticado, inclusive trazendo a participação estrangeira”. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o objetivo do governo é terminar todos os estudos até 2022.

Pacote de privatizações

1 – Telebras (Telecomunicações Brasileiras S/A)

2 – Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT)

3 – Eletrobras (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.)

4 – Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados);

5 – Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social)

6 – EBC (Empresa Brasil de Comunicação)

7 – Lotex (Loteria Instantânea Exclusiva)

8 – Emgea (Empresa Gestora de Ativos)

9 – ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias)

10 – Casa da Moeda

11 – Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo)

12 – Ceasaminas (Centrais de Abastecimento de Minas Gerais)

13 – CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos)

14 – Trensurb (Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A.)

15 – Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo)

16 – Ceitec (Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada)

17 – Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo)

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