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Testes de covid-19
Chegada de exames de covid-19, em São Paulo.| Foto: Divulgação/Ministério da Saúde

O caso dos 6,8 milhões de testes de covid-19 que correm risco de perder a validade por não terem sido distribuídos para a rede pública retrata os efeitos nocivos que a politização da pandemia de coronavírus provocou no Brasil. Mostra também falta de coordenação e o avanço da desestruturação do sistema integrado de saúde do país.

Após a revelação feita pelo jornal O Estado de S. Paulo da existência da grande quantidade de testes para diagnóstico de covid-19 estocada em um armazém do governo federal em Guarulhos (SP), com prazo de validade a vencer em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) culpou os prefeitos e governadores pelo problema. "Todo o material foi enviado para estados e municípios. Se algum estado/município não utilizou deve apresentar seus motivos", respondeu Bolsonaro a uma apoiadora que o questionou nas redes sociais sobre a informação divulgada pelo Estadão.

Governos estaduais afirmam que os testes, quando solicitados, chegam incompletos e que falta liderança do Ministério da Saúde no processo.

Ttestes de covid-19 - Facebook
| Reprodução/Facebook

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) divulgou nota em que afirma ter alertado o Ministério da Saúde "sobre os problemas de falta de materiais para a coleta e de insumos para a amplificação das amostras para o exame PCR por diversas vezes durante a pandemia, o que afetou a quantidade de exames realizados". "O Conselho não tinha informações sobre o volume de testes nos estoques do ministério", acrescentou.

O Ministério da Saúde, também por meio de nota, informou que espera receber nesta semana estudos de "estabilidade estendida" para os testes estocados. Com isso, o governo poderia verificar a viabilidade de prorrogar a data de vencimento. O ministério também afirmou que os kits "são distribuídos de acordo com as demandas dos estados".

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu na segunda-feira (23) uma investigação sobre os testes para diagnosticar o coronavírus “encalhados”. O subprocurador-geral Lucas Furtado, que assina a representação, aponta “inépcia” do governo federal em relação ao planejamento e logística de distribuição para a rede pública de saúde. Ele pede que o TCU apure eventual prejuízo ao erário, no valor de R$ 290 milhões e “à prestação dos serviços públicos de saúde no Brasil”.

Na Câmara dos Deputados também houve reação. A comissão externa que acompanha as ações do governo federal no enfrentamento à pandemia de covid-19 marcou debate para esta quarta-feira (25) sobre o caso dos 6,86 milhões de testes para o diagnóstico da infecção pelo novo coronavírus que correm o risco de perder a validade.

A comissão convidou para dar explicações Arnaldo De Medeiros, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde; Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística em Saúde do ministério; Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde; Willames Freire, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.

Ao todo, a Saúde investiu R$ 764,5 milhões em testes de covid-19. As unidades para vencer custaram R$ 290 milhões. É inadmissível que, em um país com dificuldades enormes no financiamento da saúde pública, os governantes tratem com descaso o dinheiro de quem paga impostos e deixem a população sem os cuidados necessários.

A desorganização e erros de gestão levaram o Brasil ao trágico cenário que se encontra hoje. É o segundo país – atrás apenas dos EUA – com maior número de mortes por covid-19, devendo chegar aos 170 mil óbitos nas próximas horas. Em mortes por habitantes, o Brasil está entre os dez primeiros no lamentável ranking, com 80,9 mortos para cada 100 mil habitantes, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

As falhas do Brasil no combate ao coronavírus demonstram que o país está longe de obter eficiência na gestão pública. E esse quadro só será revertido com melhora no planejamento, coordenação e uso de racionalidade, além do fim da queda de braço desnecessária e maligna na política.

Uma frase do presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde, Claudio Lottenberg, em live promovida pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) cinco meses atrás (em julho), já previa a tragédia que viria: “A politização da saúde não pode ser maior que as políticas de saúde”.

Confira notas do Ministério da Saúde e do Conass sobres os testes de covid-19:

Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde informa que a exemplo do que ocorreu com outros lotes de testes utilizados em outros países, devem chegar ao Brasil, ainda esta semana, estudos de estabilidade estendida para os testes que a pasta tem em estoque.

A empresa Seegene, fornecedora dos testes ao MS, já está em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o envio dos estudos, assim que disponibilizados pelo fabricante.

Esses estudos serão analisados pela Anvisa, que é a agência que concede o registro de utilização do produto.

Uma vez concedido esse parecer técnico, o Ministério da Saúde elaborará uma nota informativa quanto à extensão da validade e segurança da utilização dos testes.

O Ministério da Saúde esclarece ainda que diante do ineditismo e imprevisibilidade da doença no Brasil e no mundo, não mediu esforços para garantir testes diagnósticos para COVID-19 à sua população. A pasta investiu na aquisição de testes e na estruturação da rede de laboratórios públicos do Brasil, além da implantação de 4 plataformas de alta testagem para dar suporte laboratorial aos estados e municípios quando a capacidade de produção dos laboratórios estaduais chegasse ao seu limite.

Cabe ressaltar que os testes RT-qPCR são distribuídos de acordo com as demandas dos estados e que o Ministério se mantém à disposição dos entes para dar suporte às ações de monitoramento, diagnóstico, tratamento e acompanhamentos dos casos, além de incentivar as ações de prevenção e assistência precoce nos serviços de saúde do SUS.

A pasta vem garantindo a disponibilidade de testes RT-qPCR para todo o país, permitindo que o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) possa procurar o serviço de saúde e ter garantido o seu teste, quando prescrito pelo profissional de saúde.

O Brasil já testou mais de 10.491.142 pessoas, sendo 5.043.469 testes RT-qPCR realizados, dos 9.317.356 milhões de testes RT-qPCR distribuídos para os Laboratórios públicos dos Estados.

É importante esclarecer ainda que o RT-qPCR não é a única forma de diagnóstico da doença. A análise clínica e o tratamento precoce são as estratégias que mais contribuem para impedir a evolução e possíveis complicações decorrentes da Covid-19, sendo complementares aos testes de diagnóstico.

A pasta ressalta que nenhum teste de RT-qPCR perdeu sua validade e os mesmos estão prontos para serem utilizados conforme demanda dos estados e municípios, em consonância com a gestão do SUS, que é tripartite.

Por fim, é importante destacar que a imprensa tem um papel importante em informar a população sobre os locais e serviços de saúde disponíveis em todo o país. E reforçar a importância de procurar uma unidade de saúde assim que aparecer o primeiro sintoma da doença.

Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)

O Conass alertou o Ministério da Saúde sobre os problemas de falta de materiais para a coleta e de insumos para a amplificação das amostras para o exame PCR por diversas vezes durante a pandemia, o que afetou a quantidade de exames realizados. O Conselho não tinha informações sobre o volume de testes nos estoques do ministério.

Para realização do exame de PCR é preciso disponibilidade do material de coleta (como tubos e swabs, espécies de bastões usados para coletar mostras da secreção nasal), insumos para a extração do material genético e, por fim, insumos para amplificação. São etapas interligadas e interdependentes. Os insumos de amplificação somente podem ser usados na segunda fase do teste, depois que a extração do material genético foi concluída.

Os insumos para a segunda parte do teste, de amplificação, estavam de fato disponíveis. Mas eles não podiam ser usados sem que a extração tivesse sido realizada. Ao longo dos últimos meses, o Conass alertou para o problema. Passamos boa parte da pandemia com dificuldade para aquisição de insumos de coleta. O repasse desse material para Estados só ocorreu a partir de agosto. Os insumos para extração do material genético viral e equipamentos desta etapa, por sua vez, somente foram repassados a partir de setembro. No caso dos equipamentos, apenas 10 Lacens foram contemplados.

Os entraves ainda não estão resolvidos. O contrato que permitia o fornecimento de insumos e equipamentos necessários para automatizar e agilizar a primeira fase do processamento das amostras foi cancelado pelo Ministério da Saúde. Há o compromisso da pasta de manter o abastecimento durante o período de 3 meses, contados a partir do cancelamento. É fundamental, porém, que uma nova contratação seja feita e a distribuição dos insumos seja retomada em tempo hábil. Temos preocupação sobre essa disponibilidade e estamos acompanhando a situação.

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