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Trump rejeitou trecho da resolução da assembleia da OMS.
| Foto: Divulgação/Casa Branca

O governo de Donald Trump (EUA) se opôs a um trecho da resolução aprovada pelos 194 Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) na terça-feira (19) – último dia da assembleia geral anual da organização – que prevê a quebra de patentes de futuras vacinas ou tratamentos para a covid-19. A proposta de universalização de uma futura vacina, com acesso global igualitário, atende a uma demanda dos países mais pobres.

O documento foi apoiado pelo governo brasileiro e a União Europeia. A embaixadora do Brasil na OMS, Maria Nazareth Farani Azevedo, participou diretamente das negociações. Apesar do bom relacionamento do governo Bolsonaro com o presidente Donald Trump, os EUA não cederam.

Com a rejeição do governo norte-americano ao trecho da resolução, diplomatas e autoridades de saúde em todo o mundo temem que uma futura vacina não chegue rapidamente aos países em desenvolvimento. Essa barreira afetaria a luta global para vencer a pandemia.

“Como redigido atualmente, os parágrafos enviam a mensagem errada aos inovadores que serão essenciais para as soluções que o mundo inteiro precisa", justificou o governo dos EUA ao rejeitar o trecho da resolução que aborda a produção de vacinas contra o coronavírus. Na nota, a delegação norte-americana destaca “o papel fundamental que a propriedade intelectual desempenha no incentivo ao desenvolvimento de novos e melhores produtos para a saúde".

O governo Trump não informou que a maior parte dos investimentos para pesquisas de vacinas contra covid-19 está vindo dos cofres públicos, isto é, de impostos dos contribuintes. O laboratório americano Moderna, por exemplo, que anunciou ter conseguido resultados positivos nos testes da fase 1 de sua vacina em seres humanos, recebeu US$ 483 milhões do governo dos Estados Unidos em abril passado para acelerar as pesquisas. Analistas preveem que a vacina da Moderna, caso tenha sucesso, pode custar de US$ 30 (cerca de R$ 170 na cotação atual) a US$ 125 (R$ 705), valores que a tornam inacessível para a grande maioria da população mundial. Outro exemplo: o governo britânico anunciou na segunda-feira (18) que vai investir mais R$ 1,5 bilhão em pesquisa e produção de vacinas para o combate ao novo coronavírus.

Em seu parágrafo 4, a resolução da 73ª Assembleia Mundial da Saúde faz o seguinte apelo aos Estados-membros: "Que solicitem o acesso universal, oportuno e equitativo e uma distribuição justa de todos os produtos e tecnologias de saúde de qualidade, eficazes e essenciais (…), incluindo seus componentes e precursores exigidos na resposta à pandemia de covid-19 como prioridade global”.

A resolução também determina, no parágrafo 8, que os países “trabalhem em cooperação em todos os níveis para desenvolver, testar e ampliar a produção de medicamentos, diagnósticos e vacinas seguros, eficazes, de qualidade e acessíveis, em resposta à covid-19, incluindo os mecanismos existentes para licenciamento de patentes, a fim de facilitar o acesso oportuno e equitativo a eles”.

Interesses questionáveis

Quais os motivos que movem Trump a barrar a iniciativa da maioria dos países do mundo para permitir, temporariamente, a quebra de patentes e a universalização de vacinas e tratamentos à covid-19? As razões são muitas, ideológicas e econômicas, passando por planos estratégicos de manutenção do poder político e da hegemonia global dos EUA; mas, dois pontos podem ser destacados.

Um desses pontos é que Trump atende ao lobby das empresas norte-americanas na corrida para produzir uma vacina e outros medicamentos. Com a manutenção das patentes, essas companhias poderiam obter lucro muito maior do que teriam em caso de mudança das regras durante a pandemia. As vantagens econômicas viriam não só para as companhias, mas também o país.

Outro ponto está relacionado à capacidade de produção de uma vacina. Trump avalia que a prioridade deve ser o atendimento da população norte-americana. Primeiro os americanos, somente depois viriam as populações de outros países.

A posição do governo do EUA nesse contexto demonstra ser equivocada e falaciosa. Com outros países também produzindo, rapidamente se teria quantidade suficiente para atender a população do planeta. A quebra de patentes seria por um período específico: controlada a pandemia, tudo voltaria como antes. Também está em discussão recompensas aos laboratórios detentores das patentes, que deveriam ser feitas pelos governos dos diversos países.

Posição de Trump confronta decisões internacionais

Ao tentar impedir o compartilhamento de vacinas e tratamentos contra a covid-19, Trump confronta vários instrumentos e decisões que reconhecem o direito à saúde. "Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde, (...) cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”, diz o inciso 1 do art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece em seu artigo 12, incisos 1 e 2, que “os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”.

Não é de hoje que os sucessivos governos dos EUA demonstram-se indiferente ao trabalho multilateral para oferecer acesso universal a medicamentos e tratamentos. Em alguns episódios, as posições do Brasil foram duramente confrontadas. Em 2001, durante a 57ª sessão ordinária da Comissão sobre Direitos Humanos da ONU, por 52 votos a favor e nenhum voto contrário, foi aprovada a resolução número 2001/33, de iniciativa do Brasil, denominada "Acesso a Medicamentos no Contexto de Pandemias como o HIV/Aids". Os Estados Unidos adotaram posição contrária e se abstiveram da votação.

| Divulgação/OMS

Vivemos em um mundo interdependente e interconectado, onde a saúde e o bem-estar são moldados pelas circunstâncias, decisões e eventos que ocorrem em lugares distantes. As ameaças bacterianas viajam quase com a mesma rapidez que as mensagens de email, Twitter e o fluxo de dinheiro.

Keva Bain, das Bahamas, eleita presidente da 73ª Assembleia da OMS.

A aprovação da resolução relacionada ao HIV, com atuação importante do governo brasileiro, permitiu avanços fundamentais no combate à Aids. A resolução reconheceu o direito ao acesso universal a medicamentos e a Comissão pediu aos Estados que evitassem medidas que impedissem ou limitassem o acesso igualitário aos medicamentos necessários ao tratamento de pandemias como a Aids. A medida, adotada pelo Brasil, permitiu o acesso a medicamentos contra o HIV.

O texto aprovado agora na assembleia da OMS – que pede o acesso "universal, rápido e equitativo" e a "distribuição justa" de todos os produtos e tecnologias médicas necessários para o combate à covid-19 – deve ser apoiado e implementado globalmente. Um bloqueio dos EUA, maior economia do mundo e país que está à frente na indústria farmacêutica, seria uma ação contrária à recuperação da normalidade (social, econômica, cultural) e de desumanidade em um momento de calamidade pública global.

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