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voto impresso
Modelo previsto em proposta que muda a Constituição brasileira é similar ao usado há 17 anos na Venezuela.| Foto: Frederico Parra/AFP

A presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, deputada Bia Kicis (PSL-DF), anunciou no domingo (18) que a comissão especial que vai debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 135/19), sobre o voto impresso, deve ser criada nesta semana. Na quinta-feira (15), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que tem esperança de que as eleições de 2022 sejam “com voto auditável”. O modelo em questão é similar ao usado na Venezuela desde 2004.

O voto impresso defendido pelos aliados de Bolsonaro, como previsto na PEC 135/19, de autoria de Kicis e em tramitação no Congresso, não é o antigo voto de papel – em que o eleitor marca o candidato escolhido em uma cédula e a coloca na urna. Pelo modelo proposto, as pessoas votarão pela urna eletrônica, com a diferença de que uma impressora acoplada ao dispositivo imprime o voto que, sem seguida, é guardado em uma urna física para eventuais conferências.

O primeiro país a usar esse modelo – e ainda usa até hoje – foi a Venezuela. Durante o governo de Hugo Chávez, em 2004, o país latino-americano realizou eleições com urnas eletrônicas que imprimem o comprovante de voto para ser colocado em uma urna física. Durante a apuração, urnas físicas escolhidas aleatoriamente são abertas, em diferentes zonas eleitorais do país, para contagem e verificação se os votos computados eletronicamente são iguais aos impressos.

O sistema 'bolivariano' da Venezuela foi implantado pela multinacional Smartmatic, uma das empresas líderes globais em tecnologia de votação, com sede na Florida, nos Estados Unidos.

Em seu portfólio, a Smartmatic descreve que implantou com sucesso tecnologias eleitorais em 25 países. Segundo a empresa norte-americana, seu sistema de urna eletrônica com voto impresso permite que a votação seja 100% auditável. Em 2017 a companhia norte-americana foi substituída na Venezuela pela argentina Ex-Cle Soluções Biométricas.

Em 2018, após as eleições presidenciais no Brasil, quando Bolsonaro foi eleito, surgiram notícias falsas de que as urnas eletrônicas usadas no sistema brasileiro eram da Smartmatic. Depois ficou comprovado que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nunca comprou urnas eletrônicas da Smartmatic. A informação falsa havia sido espalhada a partir de uma acusação de Miguel Ángel Martin, presidente da Suprema Corte da Venezuela no exílio.

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PEC do voto impresso altera o artigo 14 da Constituição brasileira.| Reprodução/Câmara dos Deputados

A PEC de autoria da deputada Bia Kicis altera o artigo 14 da Constituição Federal brasileira, acrescentando o parágrafo 12 com a seguinte redação: “No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.

Na justificativa da PEC, Kicis diz que o Brasil virou refém da ‘juristocracia’ e acusa o órgão eleitoral de ‘totalitarismo’. “A impressão do voto ou, como é reconhecido no meio técnico, o rastro de papel, consubstanciado na materialização do voto eletrônico, é a solução internacionalmente recomendada – exceto pelos técnicos do TSE – para que as votações eletrônicas possam ser auditadas de forma independente, medida que, inexplicavelmente, causa receio à Justiça Eleitoral brasileira”, argumenta.

O presidente Jair Bolsonaro tem declarado publicamente repetidas vezes que não confia na urna eletrônica sem o voto impresso e já colocou em xeque a segurança e a confiabilidade do equipamento. Bolsonaro já reclamou inclusive do resultado das eleições de 2018, em que ele foi eleito para o Palácio do Planalto.

Em janeiro último, diante das críticas do grupo de Bolsonaro sobre o sistema de votação no país, o TSE emitiu nota em que explica a segurança da urna eletrônica e apresenta argumentos sobre a inviabilidade do voto impresso. “No Brasil, fraude havia no tempo do voto em cédula, o que está vastamente comprovado nos registros históricos. Nesse momento da vida brasileira, não é possível a implantação do voto impresso, por força de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O Tribunal concluiu que a impressão colocaria em risco o sigilo e a liberdade de voto, além de importar em um custo adicional de quase R$ 2 bilhões, sem qualquer ganho relevante para a segurança da votação”, diz a nota.

O TSE explicou ainda que “as urnas eletrônicas não operam em rede, isto é, não têm conexão via internet ou bluetooth. Por essa razão, são imunes a ataques hackers. Além disso, os programas para votação, apuração e totalização nelas inseminados são submetidos à conferência dos partidos, do Ministério Público, da Polícia Federal, da OAB e de outras instituições. Em seguida, recebem o que se denomina lacração, procedimento que impede a sua adulteração”.

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Sistema de voto impresso testado no Brasil em 2002: TSE concluiu pela inviabilidade do sistema.| Reprodução/TRE-PI

O Brasil testou a impressão do voto em 2002, com a Lei nº 10.408/2002, que previa a conferência visual do voto por parte do eleitor, que não teria contato com o impresso.

No total, cerca de 7,1 milhões de eleitores, em 150 municípios, passaram pela experiência. O Relatório das Eleições de 2002, elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concluiu que, além dos altos custos de implantação do sistema, o processo foi atrapalhado pela falta de conhecimento dos eleitores e de mesários e por falhas mecânicas.

O relatório ainda apontou que um número significativo de eleitores deixou de confirmar o voto impresso. Também registrou aumento do tempo médio para a realização do voto. Houve casos, segundo o relatório, em que o registro impresso impossibilitou o cumprimento da garantia constitucional do sigilo do voto.

Como a PEC muda a Constituição brasileira, os defensores do voto impresso apostam que o STF não terá como manter o sistema atual.

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O jornalista Célio Martins trabalhou em duas eleições na Venezuela, incluindo a de 2012, quando Hugo Chávez foi reeleito e morreu antes de tomar posse ao novo mandato. Confira uma das reportagens aqui

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