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Começou esta semana uma chantagem emocional via redes sociais para pressionar políticos a aprovar uma regulação a toque de caixa. Muita gente de boa fé é manipulada emocionalmente, principalmente quando oportunistas apelam aos nossos medos mais arraigados. Lançar na discussão, de forma irresponsável, a onda de massacres em escolas tem sido a tônica de muitos. Uma dica boa para identificar oportunistas é focar no método mais do que no discurso em si. O exemplo clássico é de movimentos ou influencers que usam o bullying via redes sociais para ganhar poder na discussão sobre regulação das próprias redes.

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O regramento que está para ser votado é a chamada Lei das Fake News, que tem vários pontos intrincados, complexos e com consequências reais e importantes. Um dos principais problemas é não existir uma definição técnica do que seriam Fake News ou desinformação. Há uma confusão entre esses fenômenos e mentiras ou notícias falsas. É um grande risco essa salada.

Redes sociais querem se colocar como palcos da liberdade, que não são. São Big Techs transnacionais e bilionárias.

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Peço desculpas a você que me acompanha sempre para citar um exemplo lapidar sobre desinformação. Se você já ouviu, provavelmente virou uma chave na sua análise. É a propaganda feita pela WBrasil para a Folha de S. Paulo em 1987.

A câmera mostra uma imagem pixelizada, não conseguimos ver o que é. Entra a voz do narrador enquanto a câmera se afasta: “Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho ao seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de seis milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou o lucro das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu a hiperinflação a no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e, quando jovem, imaginava seguir a carreira artística”.

O grande desafio parece ser encontrar um perfil jurídico que realmente traduza a atuação dessas empresas no mundo real.

Nesse ponto, a câmera mostra a imagem do homem. É Adolf Hitler. O comercial conclui que é possível contar grandes mentiras dizendo apenas verdades. Tudo o que foi dito é verdade, a falsificação é do contexto. A escolha das informações divulgadas e omitidas, todas verdadeiras, é feita sob medida para formar na cabeça das pessoas um cenário falso, em que um dos maiores monstros da história se converte em um herói. Regulações eficientes de redes sociais precisam enfrentar esse tipo de fenômeno. Como fazer isso? Ainda é um desafio mundial.

Redes sociais querem se colocar como palcos da liberdade, que não são. São Big Techs transnacionais e bilionárias que manipulam um sentimento legítimo, o de que a imprensa tradicional pode ser tendenciosa porque é controlada por um pequeno grupo. Isso é verdade. Mas não faz com que as Big Techs sejam algo diferente, como gostamos de imaginar. Elas também são um grupo fechado, com diversos problemas de ações contra a liberdade econômica e o livre mercado. Seja na atuação canibal com novos players ou no uso de algoritmos que moldam a opinião pública, há questões reais em discussão no mundo todo.

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É comum a gente ouvir uma argumentação em que as redes sociais se colocam como o mensageiro culpado pela mensagem. “Se alguém te manda uma carta com uma ameaça de morte, você não vai processar os Correios” é uma frase muito usada. O “pai da internet brasileira”, Demi Getschko – atualmente diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br – tem uma metáfora sensacional para nos fazer compreender a complexidade dessa história, simplificada de forma grosseira para o debate público.

O carteiro, enquanto mensageiro, entrega uma carta na sua casa sem ter acesso ao conteúdo. Suponha que o serviço dos Correios fosse além. Ele pega o conteúdo da carta entregue, faz um outdoor e coloca na principal praça da cidade. A placa diz “vejam só a mensagem que fulano recebeu e reajam a isso”. Esse papel é o de mensageiro? Parece que não. Hoje, 70% do conteúdo consumido pelo YouTube, por exemplo, é sugerido pelo algoritmo da rede, não é buscado pelo usuário.

Muitas pessoas passam a entender que a legislação a ser votada resolve o problema complexo da atuação das Big Techs com uma solução simples.

Este ano há uma grande discussão internacional sobre regulação das redes. Nos Estados Unidos, na Europa e Austrália, isso é centrado em proteção de dados, legalidade dos algoritmos e sobretudo no papel das redes sociais. Uma questão a ser resolvida é enquadrar o papel real dessas Big Techs ao perfil jurídico delas. De modo geral, a classificação jurídica oscila entre serviços de entrega de mensagens e plataformas de publicidade. Na prática, estamos falando de serviços capazes de moldar a política, a sociedade e a forma como nos relacionamos.

O grande desafio parece ser encontrar um perfil jurídico que realmente traduza a atuação dessas empresas no mundo real. Não é uma resposta que já tenhamos ou que seja simples de encontrar.  Tem muita gente séria empenhada em encontrar uma solução ou até mesmo em estabelecer passos para lidar com casos urgentes até que tenhamos uma solução definitiva.

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Precisamos aprender que determinados problemas mexem com o fígado, mas só são resolvidos pelo cérebro.

É um erro embarcar na ideia de que nada está sendo feito, alardeada pelos cavaleiros do Apocalipse que ganham com a confusão. Muito está sendo feito e a nova realidade das sociedades digitais exige que tenhamos serenidade e seriedade. Gosto muito de um samba de Paulinho da Viola, Argumento. “Faça como o velho marinheiro que, durante o nevoeiro, leva o barco devagar”. É um mantra para lidar com esse novo mundo em que já vivemos.

O risco de colocar o barco em velocidade máxima no nevoeiro é jogar fora o bebê junto com a água do banho. Tendemos a regrar apenas o que conhecemos e que é claro para as nossas mentes analógicas, o conteúdo. Muitos querem fazer legislação apenas sobre o que pode ou não ser dito, algo insuficiente para regulamentar a atuação das redes sociais mas perigoso para a liberdade de expressão.

É tentador para os tiranetes usar o clima de caos e o medo para calar críticos e adversários. Essa chantagem para regulamentar as redes sociais brasileiras a toque de caixa mexe com emoções.

Recebi outro dia uma mensagem inflamada: “É INACREDITÁVEL o que está acontecendo. As GIGANTES DA TECNOLOGIA estão PRESSIONANDO para que a VOTAÇÃO da PL DAS FAKE NEWS, que REGULA as redes, NÃO SEJA VOTADA na próxima terça. NÃO PODEMOS DEIXAR que empresas BILIONÁRIAS se safem de suas RESPONSABILIDADES”.

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O clima de Davi contra Golias mexe com as emoções de muita gente. A confusão está feita. Muitas pessoas passam a entender que a legislação a ser votada resolve o problema complexo da atuação das Big Techs com uma solução simples. H. L. Mencken cravou a frase eterna: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. É diante disso que estamos. Precisamos aprender que determinados problemas mexem com o fígado, mas só são resolvidos pelo cérebro.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]