Esta semana, o Reuters Institute e a Universidade de Oxford divulgaram o Digital News Report 2023. O relatório anual é feito em 46 países diferentes ouvindo 93 mil pessoas. A análise do Brasil sacramenta algo que temos ouvido por aí: muita gente passou a simplesmente evitar o noticiário, até mesmo nas redes sociais.
Antes de falar dos resultados em si, é preciso localizar o momento da divulgação. Existe uma crise internacional envolvendo esses relatórios e a mídia independente, principalmente no sul global. A jornalista filipina Maria Ressa, vencedora do prêmio Nobel da Paz, acaba de abandonar seu cargo de conselheira do Reuters Institute por um caso rumoroso no país dela. O relatório classifica quais são os veículos confiáveis ou não em um país. O veículo independente que ela toca nas Filipinas foi classificado como não confiável.
Estamos diante de uma mudança institucional importante. A mídia como quarto poder mudou de roupagem.
Não há questionamentos sobre a seriedade ou a confiabilidade do veículo e da jornalista nem nas Filipinas nem no plano internacional. Aliás, é justamente este trabalho que foi a base da premiação com o Nobel da Paz. O único questionamento sobre o trabalho da jornalista vinha do governo autoritário e corrupto das Filipinas, que ela denunciou com propriedade. Por isso, enfrentou diversos processos criminais e pedidos de prisão. É um dos casos mais importantes do mundo de resistência jornalística contra o arbítrio e a corrupção.
Por isso, não analiso esse ponto específico, o da diferenciação entre o que seria “confiável” ou não. É impossível saber o que o relatório quer dizer com esse conceito. Outro ponto, no entanto, é objetivo e importante, o padrão do consumo de notícias tanto pela internet quanto pela mídia corporativa.
Nos últimos 10 anos, o padrão de consumo de notícias do brasileiro mudou bastante. Aqui não falamos apenas da substituição da TV e do impresso por veículos online e mídias sociais. Também há um declínio na busca por notícias. Em 2013, a ordem de tipos de veículos buscados para notícias era: online, TV, impresso e mídias sociais. Agora mudou para online, mídias sociais, TV e impresso.
Hoje as pessoas se informam pela internet e o impresso é o tipo de veículo que praticamente está sumindo. Em 10 anos, a busca caiu de 50% das pessoas para 12%. Não há a medição por idade, mas tenho um caso anedótico para contar sobre a forma como as gerações mais novas se relacionam com noticiário impresso.
Fiz uma viagem com meu filho de 12 anos e o hotel tinha na recepção o que, em outras eras geológicas, chamávamos de “pau de jornal”. É um pedestal de madeira em que são pendurados diversos jornais do dia na área comum, para livre leitura dos hóspedes.
No dia anterior, eu havia escrito duas colunas e feito uma live. Ele havia presenciado. A mesma notícia que eu comentei no dia anterior estava na capa de um dos jornais. Ele pegou o exemplar, cruzou o saguão muito feliz e veio me mostrar: “mãe, olha que legal, eles imprimiram a notícia que vocês deram”.
Ele é filho de jornalista e sequer registra no imaginário o conceito de notícia diária impressa. Imaginou que, porque eu estava hospedada lá, haviam me homenageado imprimindo o trabalho que eu fiz no dia anterior. Imagino que pensou algo como a impressão de um trabalho de escola. Tenho certeza de que não cogita buscar informação jornalística dessa maneira. É uma mudança absolutamente radical em uma única geração.
Esse gráfico é o mais importante e mais grave. A confiança na imprensa corporativa está em queda livre. Houve um pequeno suspiro entre 2019 e 2021, talvez devido à pandemia, mas o cenário atual é preocupante. Menos da metade das pessoas confia na imprensa.
Há um outro detalhamento. Hoje, 43% das pessoas confiam no noticiário em geral. Quando se pergunta o quanto elas confiam nas notícias que elas próprias consomem, apenas 47% dizem que sim.
Em 2015, o descolamento entre o jornalismo e o público já era uma realidade. Isso foi piorando ao longo do tempo. Em 2015 eram 62% que confiavam, em 2016 foram 58%, em 2017 foram 60%, em 2018 foram 59%, em 2019 foram 48%, em 2020 foram 51%, em 2021 foram 54%, em 2022 foram 48% e agora são 43%.
Na mídia corporativa nacional há uma surpresa que pouca gente imagina em tempos de polarização. Qual o meio nacional de comunicação corporativa em que as pessoas confiam mais? É o SBT. Isso mesmo. O que isso quer dizer? Não faço a menor ideia.
O número de pessoas que buscam noticiário no TikTok já é próximo de 30% em vários países do mundo. Entre eles, o Brasil, México, Peru, Colômbia e Chile. O relatório global mostra uma tendência de migração da confiança na instituição jornalismo para influencers específicos. Isso já se reflete na mídia, com a crescente importância do jornalismo de opinião e dos colunistas.
Estamos diante de uma mudança institucional importante. A mídia como quarto poder mudou de roupagem. Para o público, é importante saber quem é a pessoa por trás da informação. Além disso, a oferta online e de veículos que se colocam de maneira independente, tem sido cada vez mais farta. Resta saber como as instituições públicas vão se acomodar à nova realidade. Ela traz a disrupção da mudança e o incômodo de lidar objetivamente com laços subjetivos de confiança.
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