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Relatora Eliziane Gama (PSD-MA) conversa com o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) durante sessão da CPMI do 8 de janeiro.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

As redes sociais afetaram o andamento das CPIs para pior. Confesso que eu errei essa aposta nos áureos tempos das comissões que apuravam o escândalo do mensalão. Eu entrei no YouTube em 2006 e no Twitter em 2007. Imaginava que, uma vez universalizadas, essas tecnologias iriam escancarar de forma irreversível as entranhas da política. Haveria então, pressão popular para que a investigação realmente fosse adiante e punisse culpados.

Infelizmente, os políticos continuam sendo muito mais espertos que o cidadão comum. Não é à toa que são líderes. E aqui não falo de esperteza no sentido pejorativo, de corrupção ou ladroagem. É a esperteza de saber usar em próprio favor uma ferramenta disponível para todos. A maioria das pessoas, infelizmente, além de não conseguir usar, se deixa usar.

Com as redes sociais, o destaque não é mais dado apenas pela exposição em televisão ou na imprensa.

Também é necessário ponderar que os políticos têm assessoria e verba para o uso das redes, embora muitas vezes pareça que são intuitivos. Se tivesse a mesma estrutura, o cidadão comum iria se virar muito melhor. Há um recorte que fazemos com muita clareza entre os políticos que tinham uma estrutura caríssima de mídia e os que agora usam as redes com menos recursos.

Agora se vê muito menos o que costumávamos chamar de “candidato sabonete”. O apelido não era por ser escorregadio, mas por ser um produto como qualquer outro de consumo. Se criava uma história e produtos de mídia para vender uma ideia e o candidato era apenas a cara colocada no meio da estrutura.

Lacrar diariamente rende material constante e ainda pode ser usado em campanhas eleitorais futuras.

O efeito das redes, no entanto, ultrapassa essa queda do “candidato sabonete” porque todos nós estamos conectados o tempo todo. Ela mudou a rotina das pessoas e, consequentemente, dos políticos. O impacto nas CPIs ainda é pouco falado, mas começa a ficar cada vez mais evidente.

Trago como principal evento a CPI do 8 de janeiro porque é espinhosa politicamente. Ela foi aberta pela oposição, pelos aliados de Jair Bolsonaro, mirando no governo Lula e suas falhas de segurança. Elas existem, estão sendo mostradas. No entanto, também pesam acusações sobre aliados de Jair Bolsonaro.

Para os parlamentares, é um posicionamento político dificílimo. Se ele se posiciona a favor de investigar tudo até as últimas consequências, inevitavelmente colocará aliados na fogueira, seja ele governista ou de oposição. Se tentar empastelar a CPI, será justamente acusado de passar pano para o outro lado. É um dilema.

Além disso, os fatos em si ficaram muito longe no tempo. Estamos já em setembro. Muita coisa mais movimenta a pauta política e os fatos em si já tiveram desdobramentos capazes de rivalizar com a ficção mais fantástica.

Muitos parlamentares se preparam apenas para fazer os vídeos que ficarão mais populares entre seus seguidores, deixando a investigação em segundo plano.

Estar em uma CPI virou um ativo importante da vida parlamentar. Tiremos por base a época do mensalão. As sessões eram exibidas até nos telões dos bares em todo o país. Temos 594 parlamentares entre deputados e senadores, é muito difícil conseguir destaque. Com as redes sociais, o destaque não é mais dado apenas pela exposição em televisão ou na imprensa.

Os cortes em redes sociais viralizam. Acabam sendo uma exposição mais efetiva porque o candidato pode se colocar exatamente como quer, não depende do filtro da imprensa para escolher a parte em que ele fala. Isso muda a atuação do parlamentar. Para ser escolhido pela imprensa, ele precisava se destacar em algo que interessasse ao noticiário.

Resta saber se as CPIs ainda terão uso investigativo ou servirão apenas para o marketing dos parlamentares.

Havia duas alternativas. A primeira é ter informações exclusivas ou muito novas ao confrontar um depoente. A segunda era ter o embate mais interessante com aquele depoente. Continuam obviamente sendo formas de aparecer nas redes, já que todo cidadão pode fazer os cortes. No entanto, também é possível fugir disso e se preparar apenas para cortes que viralizam dentro da própria base. E eles não precisam ter necessariamente conexão com o tema da investigação ou peso para fazer a investigação avançar.

“Fulano humilha sicrano” ou “deputado tal detona fulano” são cortes que darão muita exposição ao parlamentar. Estar em uma CPI é investimento de tempo, os depoimentos são muito longos. Muitos parlamentares se preparam apenas para fazer os vídeos que ficarão mais populares entre seus seguidores, deixando a investigação em segundo plano. Essa lógica acaba afetando, em última análise, a escolha de depoentes e até mesmo a apresentação dos requerimentos.

Investigações eficientes são compostas de muito trabalho com documentos, algo chato e que não serve para fazer vídeos nas redes sociais. Apresentar um resultado definitivo rende um ciclo de mídia, algo que dura pouco. Lacrar diariamente rende material constante e ainda pode ser usado em campanhas eleitorais futuras.

Ainda estamos entendendo como essa dinâmica afeta os resultados das CPIs. Não há dúvida de que afetam. Resta saber se as CPIs ainda terão uso investigativo ou servirão apenas para o marketing dos parlamentares.

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