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As mentiras que preparam nossos filhos para ser uma geração fracassada
| Foto: Unsplash

Talvez você já tenha lido um dos meus livros favoritos, The Coddling of The American Mind, ainda infelizmente sem tradução em português. Numa tentativa de tradução livre seria algo próximo de “Como mimamos as mentes norte-americanas”. O livro é escrito pelo psicólogo social Jonathan Haidt e por Greg Lukianoff, fundador e presidente da FIRE, Foundation for Individual Rights and Expression.

A publicação fala sobre o efeito perverso da soma de ideologia com redes sociais na mente dos jovens e na capacidade deles de gerir a vida adulta. Começa com uma provocação bem interessante, uma história ficcional sobre a busca por um grande guru. Ele teria três grandes afirmações a fazer: 1) O que não te mata te torna mais fraco; 2) Confie cegamente nos seus sentimentos; 3) O mundo é uma batalha entre o bem e o mal.

Ensinamos aos jovens que piadas e livros são sinônimo de violência e que eles não têm instrumentos para resistir, precisam ser protegidos.

São esses eixos centrais que regem não apenas a guerra cultural que vivemos hoje, mas a lógica de relacionamento estabelecida via redes sociais. As conexões entre as pessoas acabam sendo formadas e mantidas com base em "mentiras do bem" sobre a espécie humana.

A primeira delas “o que não te mata te torna mais fraco” tem sua expressão mais clara na tentativa de criação de “safe spaces”, espaços seguros em que não haja gatilhos e ofensas contra as pessoas. Ensinamos aos jovens que piadas e livros são sinônimo de violência e que eles não têm instrumentos para resistir, precisam ser protegidos.

Depois vem a dica de “confiar cegamente nos seus sentimentos”. Existe uma ideia de que sua experiência vivida se sobrepõe à realidade objetiva. Sua experiência com alguém, algum lugar, alguma religião é a expressão da verdade objetiva sobre o tema. Pode ser a sua verdade, mas sabemos que ela não se confunde com a objetividade na avaliação. Você pode não gostar de alguém, mas saber que é uma pessoa muito querida, por exemplo.

Existe uma batalha entre o bem e o mal no mundo, isso é verdade. Mas o mundo não se resume a isso, é bem mais complexo.

Jovens são estimulados a confiar naquilo que sentem para tomar decisões. Se ele sente que foi ofendido ou que mudou de identidade, isso é suficiente para tomar uma decisão. Ele pode se reconhecer ou não como sendo o que é objetivamente. Pior de tudo, toma decisões da vida prática tendo como base o que pode ser uma manifestação, por exemplo, de ansiedade.

A última mentira é a simplificação intelectual coletiva de que “o mundo é uma batalha entre o bem e o mal”. Existe uma batalha entre o bem e o mal no mundo, isso é verdade. Mas o mundo não se resume a isso, é bem mais complexo.

Todas as teses esdrúxulas propagandeadas como tentativa de proteger minorias funcionam, de forma perversa, como o oposto de uma Terapia Cognitivo Comportamental.

Essa ideia de batalha faz com que cada um se veja obviamente do lado do bem. Todo o mundo começa a ser dividido entre bons e maus, entre oprimidos e opressores. As pessoas são etiquetadas. Os que ganham da turma o carimbo de bons podem fazer tudo, inclusive as piores maldades. Os que ganharam o carimbo de maus precisam ser perseguidos e aniquilados. Não existem a redenção nem o perdão, fundamentais para o avanço da espécie humana.

Numa newsletter escrita na última quinta-feira, o psicólogo Jonathan Haidt traz um insight interessantíssimo de Greg Lukianoff sobre como esse processo afeta os jovens e por que os dados sobre saúde mental estão piorando a olhos vistos – e, de acordo com as pesquisas científicas – nessa geração. O processo a que os jovens são submetidos equivale a uma Terapia Cognitivo Comportamental reversa.

O que seria essa terapia, feita do jeito certo? “Você aprende a reconhecer quando suas ruminações e padrões de pensamento automático são fruto de uma ou mais ‘distorções cognitivas’, como catastrofização, pensamento em preto e branco, adivinhação ou raciocínio emocional. Pensar dessa maneira causa depressão, além de ser um sintoma de depressão. Romper com essas distorções dolorosas é uma cura para a depressão”, explica Jonathan Haidt.

Começamos a separar nossos padrões de pensamento das ocorrências da vida. Você já deve ter ouvido que sua vida não é o que te acontece, mas a reação que você tem diante de fatos bons e ruins, oportunidades e tragédias. Na Terapia Cognitivo Comportamental, as pessoas são treinadas a reagir às situações adversas que seguramente atravessarão.

No lugar de construir habilidade para lidar com o indesejável, se ensina que você nem tem essa habilidade.

É preciso aprender, por exemplo, que você não explode de nervoso porque um fulano te fez algo. Em vez disso, sabemos que o fulano fez algo e você reagiu explodindo de nervoso. Pode parecer injusto, já que as provocações existem. Mas pense no seu sucesso. Na primeira situação, as rédeas da sua vida são colocadas nas mãos de um terceiro. Na segunda situação, você sabe que terceiros têm influência na sua vida, mas as rédeas estão na sua mão.

Todas as teses esdrúxulas propagandeadas como tentativa de proteger minorias funcionam, de forma perversa, como o oposto de uma Terapia Cognitivo Comportamental. Ou seja, no lugar de construir habilidade para lidar com o indesejável, se ensina que você nem tem essa habilidade. E isso justamente direcionado a quem mais vai precisar dela, as minorias.

É crueldade dizer a grupos inteiros de jovens que eles só serão felizes quando o último perverso virar uma pessoa boa.

“Os alunos diziam que um orador heterodoxo no campus causaria sérios danos a alunos vulneráveis ​​(catastrofização); eles estavam usando suas emoções como prova de que um texto deveria ser removido de um programa (raciocínio emocional). Greg levantou a hipótese de que, se as faculdades apoiassem o uso dessas distorções cognitivas, em vez de ensinar aos alunos habilidades de pensamento crítico (que é basicamente o que é a Terapia Cognitivo Comportamental), isso poderia fazer com que os alunos ficassem deprimidos”, conta Jonathan Haidt sobre um episódio ocorrido em 2013.

Dez anos depois, segundo as mais diversas pesquisas sobre saúde mental, os alunos realmente estão ficando deprimidos e os índices de suicídio estão subindo. Já foram feitos estudos medindo os impactos da pandemia de Covid-19 nesse comportamento. Foram pequenos. Há uma tendência de crescimento dos casos de saúde mental em jovens muito anterior e que continuou sua rota de crescimento na pandemia.

O certo, moralmente falando, seria que as pessoas não ferissem nem tentassem ferir as outras. Que nós tivéssemos respeito à dignidade dos demais. Que tratássemos o próximo como queremos ser tratados. Outra coisa, no entanto, é a crueldade de dizer a grupos inteiros de jovens que eles só serão felizes quando o último perverso virar uma pessoa boa.

Jovens são ensinados a se submeter à validação de outras pessoas. Para eles é pior, mas isso tem uma utilidade. Quem promove essa máquina de moer cérebros poderá se qualificar na era das redes sociais a um defensor dos mesmos grupos que está esmagando. É só lançar mão da moralização de tudo e da ideia de que a vida é uma luta do bem contra o mal.

Nas redes sociais, isso é particularmente fácil porque viraliza e atrai manadas histéricas dispostas a destruir qualquer um que questione. Se está nas redes, existe. O que não está nas redes não existe.

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