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Caso Léo Lins mostra que é hora de um revogaço geral contra a censura

Após condenação, Léo Lins diz que país vive “cegueira racional”
Léo Lins se manifestou pela primeira vez após ser condenado a 8 anos de prisão por piadas contadas em show. (Foto: Reprodução/YouTube/Canal @leolins.oficial)

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A condenação do humorista Léo Lins a quase 9 anos de prisão por piadas não deveria ser apenas um escândalo. Deveria ser o estopim para um revogaço nacional de todas as leis em vigor que ferem o princípio da liberdade de expressão. É hora de abandonar o discurso de ocasião e assumir com seriedade que ou a liberdade vale para todos ou não vale para ninguém.

Alguns juristas, em análises públicas sobre o caso, sugerem que a pena não seria desproporcional porque Léo Lins teria ultrapassado o chamado “animus jocandi”, a suposta intenção humorística. Esse conceito vem sendo distorcido para funcionar como uma barreira subjetiva, que censura comediantes quando o conteúdo da piada incomoda a elite política ou grupos organizados. O problema é evidente: se a piada só é considerada legítima quando não incomoda ninguém, então não existe mais liberdade artística, existe controle ideológico.

É preciso dar nome ao que vivemos: um ambiente legal que criminaliza a fala, milita contra o humor e transforma liberdade de opinião em objeto de punição estatal. E isso só é possível porque há leis em vigor que permitem esse tipo de condenação

O jornal norte-americano Washington Post publicou uma reportagem direta: “Comediante brasileiro é condenado a 8 anos de prisão por piadas ‘preconceituosas’”. Em um dos trechos, a crítica é contundente: “É difícil imaginar uma pena de prisão mais severa para piadas que, em outras democracias, seriam combatidas com crítica, protesto ou boicote, não com a cadeia”. Outro alerta do jornal destaca que o caso de Léo Lins “estabelece um precedente alarmante para democracias ocidentais que ainda prezam a liberdade de expressão artística”.

Glenn Greenwald, jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, foi igualmente direto: “Você pode detestar Léo Lins, achar ele desprezível. Mas dizer que um comediante deve ir para a prisão por anos por fazer piadas é a definição de censura autoritária. Isso não é justiça. Isso é tirania judicial.”

É preciso dar nome ao que vivemos: um ambiente legal que criminaliza a fala, milita contra o humor e transforma liberdade de opinião em objeto de punição estatal. E isso só é possível porque há leis em vigor que permitem esse tipo de condenação. Por isso, é hora de um revogaço amplo, geral e irrestrito.

Esse revogaço deve começar por revogar os crimes de calúnia, injúria e difamação da esfera penal, mantendo sua aplicação apenas na esfera civil, como já ocorre em várias democracias consolidadas. Você não pode ser preso por uma palavra, mesmo que ela seja agressiva, mentirosa ou injusta. O Estado pode e deve garantir o direito à reparação, mas não pode se tornar o vingador moral de cada conflito discursivo.

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Além disso, deve-se revisar e suprimir todos os trechos do Código Penal e da Lei de Segurança Nacional (ou seus resquícios na nova legislação) que abrem margem para censura prévia, punição subjetiva de discurso ou criminalização genérica de opiniões. Leis que permitem a punição de conteúdo sem incitação direta à violência precisam sair do ordenamento jurídico.

E é fundamental cobrar coerência parlamentar. Muitos dos que hoje se dizem “chocados” com a condenação de Léo Lins votaram a favor da lei que permitiu essa sentença. Entre eles, parlamentares que foram até os Estados Unidos dizendo defender a liberdade de expressão dos brasileiros.

Na hora do discurso público e das postagens de internet, são muito eficientes. Mas, na hora da ação, o PL tem votado junto com o PT por leis que restringem as liberdades. Isso só ocorre porque o eleitor deixa, não cobra, não pede reparação do erro ou até defende o errado. Se votou, precisa concordar com tudo o que o parlamentar fala. Isso precisa mudar. Se o eleitor considera que o parlamentar errou, peça para corrigir. O revogaço seria um caminho nesse sentido.

Agora passamos da hora de boas pessoas e boas intenções e passamos para a necessidade de eficiência. O primeiro ponto é parar de ajudar os dois grupos que estão nos empurrando para o abismo. Eles parecem rivais, mas não são. São colaboradores, se retroalimentam e atacam defensores da liberdade de expressão num momento em que não podemos perder soldados.

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O primeiro grupo é mais óbvio: os que defendem abertamente censura, justificando com defesa da democracia, minorias ou crianças. O segundo é mais difícil de identificar porque brada defender a liberdade enquanto ataca todos os que criticam ou podem fazer frente ao primeiro grupo.

São aqueles que se unem para difamar e atacar quem se posiciona contra os censores declarados. Dizem que a pessoa colaborou para isso e podem ser identificados por frases infantis como “eu sei o que você fez no verão passado”, “você tem culpa nisso”, “não tem ombro, né?”.

Ne segundo grupo pode ter gente que acredita estar defendendo liberdade, mas árvore se conhece pelos frutos: quem ataca os que combatem censores vai conseguir mais censura. Não importa o que você fez até agora, importa que nós, como sociedade, paremos de ajudar esses autoritários.

Por isso, deixo aqui um alerta claro: a liberdade de expressão no Brasil está morrendo aos poucos, cercada por leis brandas no texto e letais na interpretação. Parlamentares que brilham em discursos e nos posts defendendo liberdade têm tido uma atuação oposta na hora de votar. Isso precisa mudar já. Marinheiro se conhece na tempestade. Nas horas graves, pessoas fracas buscam culpados, pessoas grandiosas buscam soluções.

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