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Da Escola Romero de Sobrevivência: como domesticar seu zumbi
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Zumbis são seres desprezíveis, incapazes de tomar qualquer atitude que não seja perambular atrás de carne fresca. Certo? Não necessariamente. Com um pouco de jeitinho e paciência, é até possível transformar um canibal acéfalo em um apreciador de música clássica e boa literatura.

Quem nos comprova essa hipótese é o próprio mestre do subgênero cinematográfico que imortalizou as criaturas no cinema, George Romero. O diretor e roteirista, inspiração de 10 entre cada 10 cineastas, escritores de quadrinhos e produtores que já exploraram os zumbis em alguma mídia, dedicou o que provavelmente é seu filme mais peculiar para explorar os recônditos das mentes dos mortos-vivos. Dia dos Mortos (Day of the Dead, 1985) pode não ser tão conhecido e celebrado como A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, 1968) ou O Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, 1978), mas merece ser lembrado e revisto por nos trazer aquele que é o zumbi mais carismático já visto na telona: Bub, o morto-vivo domesticado.

Dr. Frankenstein e seu

Dr. Frankenstein e seu “pupilo”: tentando trazer um pouco de civilidade para o comportamento zumbi. (Foto: Divulgação)

Em Dia dos Mortos, acompanhamos a atribulada rotina de um grupo de militares e cientistas que, isolados em um bunker abaixo da terra, tenta achar uma saída para a infestação zumbi que assolou o país inteiro. Para isso, catam zumbis em um túnel e os levam para experimentos de gosto duvidoso. Longe de ser um filme típico do gênero, o terror de Romero dá mais atenção à tensão que paira entre os sobreviventes do que à ameaça dos mortos-vivos em si. A primeira morte causada por um zumbi, por exemplo, ocorre somente aos 58 minutos da projeção – e olhem que o filme tem 1h40min de duração.

O ritmo meio arrastado, com longos diálogos e poucos sustos, certamente afasta os espectadores mais ansiosos, mas também é o que torna a obra única. Apesar da protagonista ser a corajosa Dra. Sarah (interpretada por Lori Cardille), única mulher do grupo, é o cientista Logan, apelidado de Dr. Frankenstein, quem conduz a narrativa e nos fornece as sequências mais célebres do filme. O pesquisador, vivido por Richard Liberty, é um poço de clichês, incorporando o típico médico doido, descabelado, de fala rápida, trejeitos desajeitados e convicções descabidas.

É ele quem defende a tese central de Dia dos Mortos: zumbis podem, sim, ser controlados e domesticados, para que, mesmo em sua condição, retornem à civilidade. Os mortos-vivos são mais “humanos” do que imaginamos e, assim, como crianças, podem ser ensinados a diferenciar o certo ou o errado caso sejam recompensados.

Bub, o zumbi de estimação: música clássica e literatura para acalmar a fome por carne humana.

Bub, o zumbi de estimação: música clássica e literatura para acalmar a fome por carne humana. (Foto: Divulgação)

A prova “viva” dessa tese singular é o simpático zumbi Bub, que o Dr. Frankenstein mantém acorrentado em uma sala. O morto-vivo se lembra de várias coisas que costumava fazer antes de ser morto, ao ponto de saber manusear alguns objetos, como um aparelho de barbear, um telefone e até um livro — que, vejam só, é o romance A Hora do Vampiro (Salem’s Lot), de Stephen King.

A convivência próxima com seu “mentor” parece privar Bub de atacar os humanos deliberamente — ele chega a mostrar respeito ao encarar um dos militares, fazendo uma continência. O experimento vai mais longe e, em uma das cenas mais cômicas do filme, o simpático zumbi se diverte escutando música clássica em um toca-fitas. É recompensado pelo “bom comportamento” recebendo pedaços fresquinhos dos soldados mortos. Assim fica fácil.

Rhodes, o militar linha-dura de Dia dos Mortos: inspiração para o Governador, de The Walking Dead?

Rhodes, o militar linha-dura de Dia dos Mortos: inspiração para o Governador, de The Walking Dead? (Foto: Divulgação)

E não se trata tão somente de conseguir repetir movimentos mecânicos. Bub é capaz de exprimir emoções, como raiva e satisfação. Tanto que há uma comovente cena em que ele encontra seu professor morto e, indignado, resolve vingá-lo. Mas não mordendo o pescoço dos assassinos. Bub é mais prático. De revólver em punho, protagoniza um clássico duelo de faroeste com o vilão do filme, o militar à beira de um ataque de nervos responsável pela base. Sai vencedor. E ainda tira uma onda.

Falando assim, parece que Dia dos Mortos trata-se de uma brincadeira com o gênero, uma comédia no nível do recente Meu Namorado é um Zumbi (Warm Bodies, 2013). Nada disso. Romero leva a sério sua abordagem e não deixa de, aqui e ali, mostrar muito sangue e vísceras expostas. E ainda, por tabela, critica a ciência disposta a tudo, capaz de desmembrar e dissecar seres inferiores e indefesos com a desculpa de buscar conhecimento.

Também é interessante observar como várias situações mostradas em Dia dos Mortos foram replicadas em produções recentes, mostrando mais uma vez a influência de Romero na “cultura zumbi”. O forte drama e os conflitos presentes entre os sobreviventes são um dos motes principais da celebrada série The Walking Dead, tanto nos quadrinhos quanto na TV. A tentativa de estudar os zumbis acorrentando-os e deixando que definhem foi mostrada em Extermínio (28 Days Later, 2002) — já falei sobre este filme aqui . E, em Guerra Mundial Z (World War Z, 2013) o cientista vivido por Brad Pitt toma a mesma atitude de sua parte feminina em Dia dos Mortos: corta fora sem pestanejar o braço de um soldado para impedir que a infecção se espalhe.

Apenas ainda estamos para encontrar, nesta última retomada do gênero, algum morto-vivo tão carismático e descolado quanto Bub. Ao menos, caso você encontre algum zumbi pela rua, já sabe que um pouco de música e literatura podem ser mais eficientes do que um tiro na cabeça…

https://www.youtube.com/watch?v=So3wvWZ8EvM
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