Chico Anysio incorpora a personagem Salomé. Crédito: TV Globo| Foto:

Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula é um juiz da 2ª Vara do Termo Judiciário de Paço do Lumiar, na Comarca da Grande Ilha de São Luís (MA). Se você não mora no Maranhão e não tem problemas com a Justiça, provavelmente nunca ouviu o nome dele. Mas o magistrado carrega duas singelezas dignas de nota: é irmão do comediante Chico Anysio, morto em 2012, além de ter resolvido nadar contra a maré e negar todos os penduricalhos que engordam os vencimentos de juízes e procuradores pelo Brasil afora.

CARREGANDO :)

Se você tem lido o noticiário dos últimos dias (não o do Maranhão, o do Brasil mesmo), deve ter trombado com reportagens sobre a polêmica em torno do pagamento de auxílio-moradia para juízes. Dos 430 juízes federais da região Sul, por exemplo, só 10 não ganham o benefício (o que não quer dizer que o tenham recusado). Eles estão amparados por dispositivos legais e, ao seu modo, têm justificativas para recebê-lo, mesmo que tenham imóveis próprios na cidade onde trabalham.

LEIA MAIS: Gilmar Mendes é dono imóveis em Brasília, mas usa casa da União em área nobre

Publicidade

Em meio a esse tiroteio, é tentador olhar o caso de Oliveira Paula apenas sob a ótica da lição de moral. Mais interessante, contudo, é mergulhar no que ele tem a dizer. Afinal, em um país como o Brasil, o que leva alguém a abrir mão de dinheiro e ainda ter de conviver com o peso da censura dos colegas de profissão?

A jornalista Kelli Kadanus falou com ele, por telefone, nesta terça-feira (7). A conversa saiu após tentativas de entrevistas frustradas que começaram no ano passado. Ao que consta, Oliveira Paula não queria expor a decisão de não receber nenhum benefício além do salário bruto de R$ 28,9 mil e, além disso, devolver o que havia recebido de auxílio-moradia no passado.

Quando resolveu falar, três frases simples explicaram os motivos com extrema clareza:

“Eu me sentia constrangido em receber porque a Constituição diz de forma clara que o juiz só tem direito ao subsídio em parcela única, não faz jus a nenhum tipo desses auxílios.”

Ou seja, Oliveira Paula leu a Carta Magna. E não precisou que ninguém traduzisse o que estava escrito para decidir o que fazia, sem ser obrigado judicialmente a fazer o que fez. Mas ainda faltava um empurrãozinho de dentro de casa…

Publicidade

“Além disso, os meus filhos faziam esse apelo que eu não recebesse, que aquilo não era legal.”

Nesse caso, o curioso é que o que mais vemos é justamente o contrário, pessoas públicas (políticos, em especial) tentando empurrar a família justamente para mais próximo do conforto das verbas públicas. E aí vem outro choque de realidade:

“Meus filhos diziam sempre ‘pai, tem gente que não tem um papelão para entrar debaixo, a gente tem casa e recebe’, então foi juntando isso aí. Eu não tive coragem de fazê-lo antes, mas acabei tomando essa decisão.”

É moleza ganhar R$ 30 mil (seja no serviço público ou no privado) e se desconectar do mundo real. Nesse mundo paralelo de salas com ar-condicionado, banheiro limpo, café quentinho e água mineral gelada, fica fácil automatizar atitudes, como nem refletir sobre os auxílios diários e a realidade do país.

Vale repetir: o incrível caso de Oliveira Paula, se observado só pela ótica da bom-mocismo, seria um desperdício. No fundo, é por ser tão simplório que é tão difícil de vê-lo como uma realidade.

Publicidade

Lembra os personagens fantásticos de Chico Anysio. Como Salomé, a idosa gaúcha de Passo Fundo que ligava para o presidente João Batista Figueiredo, chamando-o de guri, para aconselhá-lo. Segundo a Bíblia, João Batista teve a cabeça cortada para agradar Salomé.

Na tevê, Anysio zombava da história com o bordão: “Eu faço a cabeça do João Batista ou não me chamo Salomé”

Oliveira Paula não vai fazer a cabeça de todo mundo. Se fizer de alguns, porém, já está valendo.

***

Curta o Conexão Brasília no Facebook!

Publicidade