A matéria abaixo foi publicada pela Gazeta do Povo pouco antes do início da campanha de 2014. Está mais atual que nunca:
O quase ficou perdido na história em 1994, quando tucanos e petistas estabeleceram a polarização política que dita os rumos da disputa presidencial brasileira há 20 anos. Nascidos na esquerda, ambos os partidos sofreram um processo de metamorfose ideológica em busca de novos parceiros. A estratégia colaborou para que nenhuma outra legenda se tornasse competitiva nas últimas cinco eleições para o Palácio do Planalto.
Visão paranaense
Personagens históricos das duas siglas, quatro paranaenses têm visões complementares sobre os fatores que consolidaram o cenário atual. Ex-deputado federal (1978-1990), ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência (2002) e coordenador político da campanha de Fernando Henrique Cardoso em 1994, Euclides Scalco esteve no centro das primeiras decisões do PSDB, partido que ajudou a fundar, em 1988. “Não teve divergência nenhuma quando apoiamos o Lula contra o Collor”, lembra.
Atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo fez parte da primeira leva de petistas eleitos pelo Paraná para a Câmara dos Deputados, em 1990. “Nós éramos aliados, sim. Estivemos lado a lado em muitas votações, na Comissão de Orçamento e na CPI que derrubou o Collor.”
A situação começou a mudar quando Itamar Franco (PMDB) assumiu o Planalto, em dezembro de 1992. Com o lema “Brasil, união de todos”, Itamar chamou diversos partidos para compor o governo – entre eles, PT e PSDB. Os tucanos aderiram, mas os petistas não.
A gestão Itamar começou mal das pernas. A inflação registrada em 1993 chegou a 2.700% ao ano, a mais alta da história do país. “Havia até uma conversa na época de que os tucanos propuseram apoiar o Lula em 1994, mas depois recuaram”, diz Paulo Bernardo.
Para Scalco, o fator preponderante para a cisão foi a recusa dos petistas em apoiar o Plano Real, que também completa duas décadas em 2014. “Aí não teve mais volta”, lembra o tucano. “Pai” do real, Fernando Henrique fez mais que o dobro dos votos de Lula e venceu no primeiro turno em 1994.
Participante da famosa reunião no Colégio Sion, em São Paulo, que marcou a fundação do PT, em 1980, o deputado federal Dr. Rosinha (PT) aponta outro problema. “Foi o PSDB que decidiu se unir com a direita conservadora fazendo aliança com o PFL [atual DEM]”, diz o parlamentar. Segunda maior bancada da Câmara na época, os pefelistas indicaram Marco Maciel para vice-presidente de FHC.
Scalco não concorda que o PSDB tenha sofrido uma guinada à direita. “O PT sim tem atitudes cada vez mais liberais na economia”, diz o ex-ministro, que também faz uma análise dura sobre a trajetória tucana. “Quando chegamos ao poder, em 1994, o partido ainda não estava consolidado. Nosso problema sempre foi ter muito mais cacique do que índio; não termos construído uma base de militância sólida.”
Do lado petista, Paulo Bernardo e Rosinha admitem as mudanças ideológicas do PT, que apontam justamente para o rumo da social-democracia, corrente ideológica de esquerda que admite o capitalismo. “A ‘petezada’ vai me execrar por isso, mas o que eu acho é que quem de fato promoveu uma agenda social-democrata no Brasil foi o PT”, diz Bernardo, numa referência à corrente ideológica que está na origem do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). “E digo mais: acho que deveríamos assumir isso para não corrermos o risco de não nos conectarmos com o aumento do bem-estar das famílias, do aumento da classe média, do consumo da população pobre.”
A cautela faz sentido. No manifesto de fundação do PT, há críticas à corrente social-democrata. Nos primórdios, o partido defendia o socialismo, com objeções ao modelo implantado em países como a União Soviética. “Acho que o PT se transformou em um partido social-democrata, mas não é isso que eu nem a maioria dos militantes gostaria que tivesse acontecido”, afirma o ministro.
Sem reaproximação
Apesar dessa aproximação ideológica do PT com o PSDB, os tucanos não veem chances de a duas siglas caminharem juntas novamente. “Nossa polarização é irreversível”, garante o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Segundo ele, o modelo de gestão dos petistas não permite uma reaproximação: “O PT adotou o modelo promíscuo de balcão de negócios e, desse jeito, não tem conversa”.
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