Em outubro de 2005, os brasileiros foram às urnas em um lampejo de democracia direta para decidir, por referendo, se o comércio de armas de fogo deveria ser proibido no país. No final, 59 milhões de pessoas (64%) disseram “não” e 33 milhões (36%), “sim”. Cinco anos e meio depois, um jovem armado com dois revólveres matou 12 crianças no Rio de Janeiro e ressuscitou a discussão sobre o papel da sociedade no desarmamento.
É pouco provável que o assassino, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, não tivesse graves problemas mentais. A psicopatia talvez seja mesmo a principal explicação para o massacre. Mas, como em qualquer outra tragédia, sempre há mais de uma razão para que algo tão surreal se torne realidade.
A parcela de culpa da sociedade e dos políticos que a representam estava nas mãos de Wellington. Leis e fiscalização adequadas não poderiam permitir que ele conseguisse armas e munição. Segundo a polícia, um dos revólveres utilizados, de calibre 32, teria sido roubado há 15 anos do dono, que já morreu.
O outro, de calibre 38, está com a numeração raspada, o que dificulta o rastreamento. Há suspeita de que ele possa ter sido desviado da polícia. Em ambos os casos, a arma nasceu legal, mas desaguou no comércio ilegal.
Era exatamente disso que tratava o referendo de 2005, um desdobramento do Estatuto do Desarmamento, lei promulgada em dezembro de 2003 e que proibiu o porte de armas por civis, mas abriu exceções para casos em que há ameaça à vida da pessoa. O artigo 35, que vedava a comercialização de armas de fogo e munição em qualquer parte do território, foi o único ponto discutido – e rejeitado – na votação popular.
Líderes de movimentos sociais, artistas e políticos se engajaram dos dois lados. Era o auge do escândalo mensalão e Lula e o PT foram favoráveis à proibição. Políticos como o então governador Roberto Requião (PMDB) foram contra – vale lembrar que no Paraná 73% das pessoas que votaram ficaram desse mesmo lado.
Encerrado o pleito, foi divulgado que a campanha do “não” foi financiada por empresas produtoras de armas e fechou a contabilidade no azul. Já comitê do “sim” declarou à Justiça Eleitoral prejuízo de mais de R$ 300 mil. No duelo teórico, venceu a tese de que a proibição impediria as pessoas de bem de se defenderem legalmente dos bandidos.
Um dia após o massacre de Realengo, na sexta-feira, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), defendeu que a legislação brasileira precisa ter “tolerância zero em relação às armas”. Nem todos os congressistas acham a mesma coisa.
Tramitam na Câmara dos Deputados 59 propostas referentes ao porte de arma. Só na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado são 14. Doze delas querem mudar o estatuto para criar mais possibilidades para o porte legal.
Líder da bancada evangélica e um dos mais ferrenhos opositores à descriminalização do aborto, o deputado federal João Campos (PSDB-GO) é autor do projeto de lei 4408/2008, que libera o porte de arma para agentes municipais de trânsito. Ovelha negra, Paes de Lira (PTC-SP) propôs o único texto com mais restrições na Comissão, proibindo o porte para quem não comprovar sanidade mental.
Claro que o assassino Wellington não precisou comprovar que não era um psicopata para comprar o revólver calibre 32 por R$ 260 no mercado negro. A questão é a falta de reflexão da sociedade sobre a necessidade evidente de fechar ainda mais as torneiras para a comercialização de novas armas. Outro resultado no referendo de 2005 provavelmente não evitaria as mortes de Realengo, mas pelo menos aplacaria a sensação de que todos nós estamos com as mãos manchadas de sangue.
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