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reprodução da imagem de Dilma Rousseff em vídeo em homenagem póstuma ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez
Dilma Rousseff grava vídeo em homenagem póstuma ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez| Foto: Reprodução

Ver a ex-presidente Dilma Rousseff fazendo homenagem a Hugo Chávez, em momento de desconexão completa com a realidade, não chega a surpreender. Não deveria causar espanto que uma pessoa pouco afeita a discursos com nexo tenha se dado ao trabalho de enaltecer o homem que abriu caminho para a implantação de uma ditadura na Venezuela justamente numa semana em que a democracia brasileira sofreu duros golpes.

Por que ela se preocuparia, afinal, com censura no Brasil, se os alvos da supressão da liberdade de expressão são pessoas do espectro ideológico contrário? De que importa se o presidente da mais alta corte de justiça do país se autodeclara "editor do Brasil" (insinuando que tudo o que falarmos pode precisar de correções e cortes), quando ele é o "amigo do amigo do pai do Marcelo Odebrecht" e no meio desse apelido imenso está embutido o nome do camarada Lula?

Mas foi estarrecedor ver Dilma homenageando Chávez com tanta empáfia. Mesmo conhecendo a mentalidade da ex-presidente depois daqueles seis anos de contabilidade criativa e outros tantos "malfeitos", é de causar perplexidade a exaltação ao homem que foi o começo do fim da Venezuela pródiga.

No último sábado (29) o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez teria completado 66 anos, se não tivesse morrido em 2013 em consequência de um câncer. E não é que Dilma achou por bem celebrar a data, lembrando o "grande líder", o "gigante" que foi o homem responsável pelo início da derrocada do país que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo?

Em vídeo publicado no YouTube, num canal com o sugestivo nome de "Brasil de Fato", a ex-presidente aparece sorrindo, afinal está ali para lembrar do "bom e grande amigo, um homem sensível, espirituoso, inteligente".

Dilma lê. Ao menos teve esse discernimento, já que em falas de improviso não costuma sair-se bem. Embora em grande parte mentiroso, o discurso é bem escrito, imagino que não seja de autoria própria. Talvez o autor seja um desses assessores pagos com dinheiro do contribuinte, porque a constituição garante essa e outras mordomias até a ex-presidentes condenados ou retirados do cargo por cometer crime administrativo durante o mandato.

Quase quatro minutos de devaneio

"Estamos aqui para homenagear Hugo Chávez", diz Dilma logo no começo do vídeo. "Hugo Chávez foi um grande líder, um gigante... Morreu jovem, mas o pouco que viveu foi suficiente para fazer muito pelo povo venezuelano e por todos os povos oprimidos do mundo."

Juro que fiquei curiosa por saber o que exatamente Chávez fez pelos "povos oprimidos" do mundo. Dilma não explica. Segue ressaltando a situação da Venezuela atual, mas não a situação que todos temos visto nas denúncias de ONGs, que apontam 25 milhões (de um total de 32 milhões de habitantes) passando fome, além de outros 3 milhões já terem abandonado o país para fugir da miséria.

Dilma prefere fechar os olhos a esta Venezuela real e focar naquela fictícia, que estaria sendo atacada ferozmente por inimigos inescrupulosos interessados em denegrir sua imagem para abocanhar suas riquezas.

"A Venezuela, que Chávez dedicou sua vida (sic) vem sendo objeto de ameaça constante à sua independência e soberania, sob o comando dos Estados Unidos, com apoio de governos subalternos como o do Brasil e da mídia mundial. Esse encontro é oportuno para que reafirmemos a clarividência de Chávez."

Dilma Rousseff, ex-presidente em homenagem a Hugo Chávez

Pausa para reflexão: clarividência? Que homem, que líder, que gigante! Além de tudo era clarividente! Mas retomando: "Esse encontro é oportuno para que reafirmemos a clarividência de Chávez quanto ao caráter imperialista e golpista dos Estados Unidos, confirmado mais uma vez pelas denúncias recentes sobre a interferência do FBI e do Departamento de Justiça na Lava Jato e de Elon Mask, da Tesla, grande multinacional norte-americana, no golpe perpetrado contra Evo Morales na Bolívia."

Que miscelânea de assuntos, hein? Acho que esse parágrafo aí foi ela mesma que escreveu, tamanho o primor de raciocínio e a capacidade de síntese! A sequência é de embrulhar o estômago. É claro que a ex-presidente não perderia a chance de falar do "genocídio praticado por esses fascistas". A homenagem era para Hugo Chávez, mas por que não aproveitar para jogar a conta da pandemia nas costas de personas non gratas?

"Este encontro é oportuno sobretudo num momento em que a América Latina sofre muito por ter se tornado o epicentro mundial da Covid-19. No Brasil a catástrofe sanitária e social resulta das nossas desigualdades e também da enorme incompetência e do descaso de um governo de índole neofascista, que despreza a vida de seus cidadãos."

Aqui o delírio, ao menos, esconde uma pitada de verdade. Dilma reconhece "nossas desigualdades", ou seja, nem ela nem seu antecessor conseguiram mudar isso, ao contrário do que costumam apregoar. O Brasil não é o paraíso pintado por Lula. Sem querer, Dilma assumiu que o homem que diz ter tirado milhões da miséria e provocado ascensão social a centenas de milhares de pessoas, mente. O Brasil ainda é desigual.

A propósito, alguém lembra da nova classe média, tão falada nos primeiros anos de PT no governo? Não, né? A classe C de Lula voltou a ser vítima das desigualdades quando Dilma encaminhou o país para a maior recessão de sua história. Ou será que ela acha que as "nossas desigualdades" são desigualdades geradas por um ano e meio de governo Temer e outro ano e meio de governo Bolsonaro?

Dilma segue em sua ladainha de quase quatro minutos falando do "caráter perverso das elites mundiais", insinuando que são os Estados Unidos e não a China, que estão lucrando com a pandemia. Cita que Cuba e Venezuela estão sendo ameaçadas pelo governo americano e que a Venezuela é alvo de uma "guerra geopolítica e econômica".

Para não terminar a homenagem tão pra baixo a ex-presidente volta a falar do "grande líder" Hugo Chávez. "Felizmente, Chávez fez de seu país um paradigma de resistência. A Venezuela e todos os países irmãos do continente haverão de superar a pandemia e em seguida derrotar o neoliberalismo, as elites predadoras de suas riquezas e as ameaças externas."

"E prevalecerá, enfim, o legado de Hugo Chávez ao nosso continente, seu compromisso com a soberania e a solidariedade, sua busca de cooperação fraterna entre os povos e sua generosa ideia de uma pátria grande latino-americana.”

Sim, ela disse "pátria-grande". Alguém aí lembrou de globalismo? Olha a semente do mal tentando brotar de uma garganta enrolada em cachecol vermelho!

Lamento trazer para você, leitor, tamanha aberração, mas já que me dispus a informar aqui do que essa trupe bolivariana é capaz, lá vai a última frase de Dilma. "Chávez vive."

Cereja do bolo

Agora sou eu que uso a palavra felizmente. Felizmente, das 55 mil pessoas que até esta segunda (3) tinham assistido ao vídeo, apenas 269 se dignaram a deixar um sinal de apoio a Dilma. 2,3 mil fizeram questão de clicar no ícone da mãozinha com o polegar para baixo, indicando que não gostaram de ver uma ex-presidente do Brasil flertando com a ditadura.

Se quiser ver com seus próprios olhos a ex-presidente do Brasil homenageando o homem que preparou terreno para transformar a Venezuela numa ditadura, aqui está o link para o vídeo.

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