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Homeschooling só é tema polêmico na cabeça de quem, até hoje, não dedicou um minuto sequer a pesquisar o assunto ou a conversar com famílias que optaram por educar os filhos em casa, seja através de professores particulares ou por conta própria. Cá entre nós, não é para qualquer um. Dá muito trabalho e exige extrema força de vontade e organização.

É o cúmulo da insensatez perseguirem uma mãe educadora extremamente dedicada, como se ela fosse negligente, mas é isso que está acontecendo com a advogada catarinense Regiane Cichelero, que optou por ser professora do próprio filho, que não estava tendo bom desempenho na escola, aos 10 anos mal conseguia escrever uma frase, tinha carência de vocabulário e não dominava as operações matemáticas básicas.

Recentemente, após meses de perseguição e pressão psicológica, ela decidiu tornar a história pública. “Essa é a live mais importante da minha vida. Vão tirar meu filho de mim”, disse Regiane Cichelero em video no Instagram. Na transmissão ao vivo, contou que foi procurada pela direção do colégio no início do ano letivo, quando optou por não fazer a rematrícula.

Diante da revelação de que tinha adotado o ensino doméstico, foi denunciada ao Conselho Tutelar, que visitou a casa onde moram, mas sequer se interessou por conversar com o menino ou testar seu desempenho escolar. Na sequência o Ministério Público foi acionado e abriu processo contra a mãe. Foi aí que a força do Estado veio pesada.

Em decisão liminar a Justiça impôs uma multa de 3 a 20 salários mínimos caso a advogada insistisse no homeschooling. Ela recorreu, mas antes mesmo da análise do recurso nova decisão da juíza da comarca de São José do Cedro (SC), definiu multa diária de R$1.000,00 em caso de insistência no homeschooling e, segundo Regiane ameaçou mandar o menino para um abrigo ou uma família “acolhedora”.

Faz sentido impedir que um menino de 12 anos, bem cuidado, que segue seus estudos normalmente, ainda que longe da escola, conviva com sua mãe zelosa e amorosa, apenas porque autoridades burocratas discordam da forma como ela optou por educar esse filho?

É justo uma mãe ser punida por ter decidido fazer ainda mais pelo filho? Por ter decidido ser ela própria a professora, que orienta e ensina o filho não só na condição de mãe, repassando valores ou mesmo ensinamentos básicos de higiene, alimentação e saúde, mas também assumindo a responsabilidade por ensinar as disciplinas escolares.

Legislação sobre homeschooling

Em reportagem, publicada pela Gazeta do Povo, a repórter Gabriele Bonat lembra que em julgamento de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do homeschooling, afirmando ser necessária apenas a regulamentação da prática pelo Congresso.

Em maio deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que trata do tema, que está agora na Comissão de Educação do Senado para apreciação.

O advogado da família, Tales Melo, considerou o processo aberto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra essa mãe como uma afronta a diversas legislações.

Além da decisão do STF, ele cita que há tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, garantindo aos pais a primazia da escolha do tipo de educação que querem dar aos filhos. E o Código Civil também garante aos pais, no artigo 1634, a “plenitude da criação e educação dos filhos".

O mais grave dessa história é que em nenhum momento a promotora do Ministério Público de Santa Catarina, que está perseguindo essa mãe, analisou se o filho dela está com algum problema ou atraso na aprendizagem.

Nem a promotora, nem a juíza do caso se interessaram por saber se o menino hoje escreve e lê melhor, se interpreta melhor os textos, se gosta de estudar, se está aprendendo Ciências, História, Geografia, Matemática melhor do que antes.

"Fica bem evidente que o que importa é a mera formalidade da apresentação de um papel chamado matrícula, pouco importando se a educação vai ser pior para a criança".

Tales Melo, advogado da mãe educadora

Por que homeschooling?

Antes de escrever este artigo conversei com Regiane Cichelero para entender por que ela tirou o filho da escola. A advogada contou que percebeu, logo no início da pandemia, durante as primeiras semanas do lockdown escolar, que o filho, então com 10 anos, cursando 5º ano do ensino fundamental, mal conseguia escrever uma frase inteira.

Não conseguia interpretar textos, não compreendia o significado de frases simples, não dominava as operações básicas da matemática e ia mal em todas as outras matérias. Foi aí que ela mesma voltou a estudar as disciplinas do ensino fundamental e assumiu o papel de professora, dando aulas de reforço.

Quando o lockdown terminou o menino voltou para o colégio, mas já não se adaptava mais às aulas, não gostava dos professores, e aí, esse ano, a mãe preferiu que ele seguisse só com a educação em casa. O resto da história é pura burocracia.

A Promotoria de Justiça da Comarca de São José do Cedro informa que não há qualquer determinação de encaminhamento da criança para uma instituição ou família acolhedora, mas confirma que a Justiça determinou o pagamento de multa por descumprimento da decisão.

O MP-SC informa também que a Justiça determinou a obrigatoriedade dos pais de realizar a matrícula e frequência do aluno ao colégio, como medida de proteção ao direito à educação da criança. E ainda cita o artigo 101, do ECA - o Estatuto da Criança e do Adolescente, sem mencionar que o STF já decidiu como constitucional a prática do homeschooling.

A mãe promete seguir adiante em busca dos seus direitos e dos direitos do filho, que, segundo ela, está escrevendo bem, finalmente entendendo as matérias e gostando de estudar, e sem prejuízo ao convívio com outras crianças, porque pratica esportes e tem amigos, com quem se encontra todos os dias.

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