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Progressismo e pedofilia deveriam ser palavras que jamais se juntam, mas depois de décadas de deturpação da ideia de progresso por gente que costuma ter mais olhos para os direitos humanos dos bandidos do que das vítimas, nos deparamos com o inacreditável apoio ao romance público de um adulto com uma criança, em nome da liberdade para amar sem as amarras da moralidade.

Não é sinal de progresso ver parte da sociedade enaltecendo o fato de um adulto para fazer o que bem entende, inclusive namorar uma criança. Mesmo que ele seja um jovem de 19 anos e que a criança, aos 12, já seja considerada adolescente perante a lei. E pouco importa que o namoro tenha a aprovação dos pais. Neste caso, aliás, além de possível pedofilia, a menina é vítima também de negligência.

O caso, alçado à condição de polêmica da semana, foi tornado público pelos próprios protagonistas com um beijo na boca ao vivo via transmissão em rede social, gerando repercussão imediata.

Muita gente minimizou o fato, porque a diferença de idade é “só” de 7 anos, como se nessa fase da vida 7 anos não fizessem uma diferença brutal. Enquanto ela transita entre a infância e a pré-adolescência, ele já é adulto, com todas as responsabilidades e deveres legais impostos a quem superou a faixa etária da maioridade.

O vídeo polêmico

Para quem, eventualmente, não tenha visto o vídeo do anúncio do namoro ou ouvido falar do caso, aí vai o resumo da ópera: dois tiktokers, a versão mais jovem e moderna dos youtubers, divulgaram o vídeo do que seria seu beijo de amor no aplicativo TikTok, que é febre entre crianças, adolescentes e jovens adultos, porque lá os vídeos são bem curtinhos e essencialmente de entretenimento.

Quem tem criança e adolescente na família com certeza sabe que se deixar, eles ficam horas assistindo, ininterruptamente, uma atrás da outra, essas gravações curtas, de 15 segundos a um minuto, que são basicamente piadas, diversão, gente zoando e se exibindo de todas as formas. É a famosa cultura inútil.

Os dois tiktokers são daqueles casos que conquistaram centenas de milhares de seguidores em pouco tempo. No momento em que anunciaram o namoro já tinham quase dois milhões de pessoas acompanhando as postagens, estavam curtindo a fama e não se importavam de expor detalhes da vida pessoal à audiência. Na verdade, eles, assim como tantos outros, não entendem a importância de privacidade.

O vídeo que desencadeou revolta de parte da internet e, por incrível que pareça, apoio de muitos, foi uma resposta a perguntas recorrentes dos seguidores, desconfiados que entre eles havia algo além de amizade.

Rafa e Pietro, para ficar só nos apelidos (embora, como eu disse, eles mesmos não tenham nenhuma preocupação em se preservar ou proteger a identidade) são vizinhos de condomínio e faziam gravações juntos desde o começo da quarentena. Pelo menos é o que contam, também em vídeo.

O nome do perfil, que agora foi banido do TikTok, fazia alusão a isso e dava a entender que os dois eram maiores de idade: “quaretenados1819”. Num dos primeiros vídeos, quando se apresentaram no começo da pandemia, diziam que tinham criado o perfil para se distrair durante a quarentena. Falavam juntos o nome do perfil, quarentenados. Depois ela, Rafa, apontava para si dizendo: "18". E ele, Pietro, dizia: "19", dando a entender que essas eram suas idades. Só que a aparência da menina, muito infantil, não enganava.

Depois do polêmico vídeo do “selinho”, com as bocas se encostando por um longo tempo, eles publicaram outro com a explicação de que era namoro e não, amizade.

Reprodução de vídeo do beijo entre tiktokers de 19 e 12 anos
Pietro e Rafa no vídeo do beijo ao vivo. Reprodução do TikTok

Para não expor ainda mais a menina, inclusive porque o Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é dever do Estado, da família e da sociedade proteger os menores de idade, segue apenas a transcrição do que foi dito vídeo, em forma de jogral, para responder à pergunta sobre um suposto namoro.

“Depois de muitas perguntas como essa a gente veio aqui esclarecer tudo pra vocês. Essa é a primeira e a última vez que a gente vai falar sobre esse assunto. Estamos, sim, namorando e estamos muito felizes. Nossos pais sabem e autorizam o nosso namoro. Aliás, toda a família sabe. Eu quero e autorizo o nosso namoro."

Essa parte sobre os pais, cheia de autoridade, é dita pela menininha de 12 anos. O adulto, de 19, que acha normal namorar uma criança, segue esclarecendo: “Eu tô 100% ciente do tempo da Rafa e vou respeitar muito isso”. E ela, na inocência infantil, talvez idealizando um príncipe daqueles de conto de fadas, complementa: “Então fiquem tranquilos que a diferença de idade entre a gente não é nada comparado ao amor que a gente tem um pelo outro”.

O vídeo segue com ele pedindo apoio, talvez já prevendo a enxurrada de críticas que viriam: “Comentários positivos são super bem-vindos e a gente fica muito feliz com eles”. E, depois da revelação chocante que tinha acabado de fazer, de que os pais autorizavam o namoro e a família inteira sabia, a menina parece querer demonstrar maturidade e dar exemplo para a audiência infanto-juvenil, de que o beijo não foi nada de mais.

“Aliás, gente, um selinho, vamo combinar, né?”, diz Rafa. Na sequência o namorado adulto revela que havia sim, algo de mais. “Já tinha um sentimento envolvido ali, né?”, diz Pietro, enquanto ela, a vizinha recém-saída da infância faz caras e bocas, encantada com a declaração. E concorda: “Já”, reforçando que foi por livre e espontânea vontade que o namoro se consumou: “os dois queriam, né, claro”.

Por fim ela tenta tranquilizar quem, eventualmente, fosse achar tudo aquilo bizarro demais: “Por favor, gente, parem de pedir beijos, selinho, porque isso não vai acontecer de novo, tá?” E o namorado, super sensível e preocupado diz: “A gente vai preservar nossa intimidade agora”, quase como um casal que parte em lua de mel. Rafa termina o vídeo dizendo “Nossos pais nos aconselharam muito e a gente achou super válido, né? Então beijão, tchau. Obrigada”.

Amor adolescente ou pedofilia?

Seria normal se tudo não passasse de um namorico entre dois pré-adolescentes, mas é um adulto se relacionando com uma criança. Isso por si só já seria estarrecedor demais se eles não tivessem publicado outro vídeo, fingindo que iam se beijar, com um agravante: os dois estavam de perfil olhando um para o outro diante da câmera para filmar a aproximação das cabeças.

E, acreditem, as duas mães estavam ao fundo> Não bastasse a presença, consentindo a "brincadeira", ainda estimulavam, vidradas, fazendo sinais de torcida para que o beijo acontecesse. E quando, já muito próximos de se beijar, eles se afastam, as duas lá atrás aparecem, decepcionadas.

É duro não emitir julgamento. Que mães são essas? Que adulto é esse rapaz? E seus pais, não têm discernimento algum para orientá-lo?Sobre a menina a gente não precisa nem se esforçar para imaginar em que mundo vive, com liberdade plena, não só para namorar alguém que está em fase mais adiantada da vida, mas para usar a internet a seu bel prazer, expondo, inclusive, os golpes em sua inocência.

Ainda que alguns dos ditos “progressistas” com mentalidade infantil e libertina não tenham visto qualquer anormalidade nisso, já que o namoro tem o consentimento dos pais, os adultos realmente conscientes da importância de preservar a infância e respeitar as leis passaram o dia cobrando uma posição do Ministério Público e do Conselho Tutelar para proteger a criança.

Muitos lembraram que o que aconteceu entre Pietro e Rafa diante das câmeras é primeiro passo para uma possível infração penal. Desde 2009 consta do Código Penal o crime de estupro de vulnerável, que prevê prisão de 8 a 15 anos para quem tiver “conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”, mesmo que isso não tenha resultado de violência.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou uma súmula (593), que resume o entendimento da maioria dos juízes do tribunal a respeito do assunto e ajuda outros juízes a definir sentenças. Segundo o STJ se alguém comete ato libidinoso com menores de 14 anos “é irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.”

O dia seguinte

Depois da gritaria, a mãe da menina se pronunciou nas redes sociais, mas continuava não vendo problema no que aconteceu, pelo menos é o que dá a entender a postagem: “Rafa e Pi são figuras públicas. Já estávamos preparados para esse ataque, mas para quem gosta da gente, fiquem tranquilos. Eles estão muito bem e mais felizes que nunca”.

A sociedade em geral não está feliz com a divulgação do namoro de um adulto e uma criança. Casos como esse, além de afrontar as leis do país, são exemplos negativos para meninas da mesma idade, que estão, sim, começando a viver a adolescência, a se interessar por meninos e até a se apaixonar. Mas não podem jamais ser deixadas soltas nos devaneios infanto-juvenis, inspiradas em histórias de adultos, imaturos ou não, que amam crianças como se elas fossem adultas também.

Tanto isso é visto como pedofilia que a quantidade de menções à palavra nas redes sociais fez a discussão chegar aos trending topics, os assuntos mais comentados do Twitter na segunda-feira.

Muitos lembraram da lei que pune o relacionamento íntimo de adultos com menores de 14 anos e que não necessariamente precisa haver a consumação do sexo para que o estupro fique caracterizado. Se o tiktoker de 19 anos não sabia disso, seus pais deviam saber. Para evitar maiores complicações o TikTok retirou do ar o perfil "quaretenados1819".

Antes que isso acontecesse os dois "namorados" ainda tentaram justificar que tudo não tinha passado de uma brincadeira. Pietro ameaçou processar todo mundo que tivesse associado o nome dele à pedofilia e acabou virando alvo de mais uma enxurrada de comentários, dessa vez debochados, levando o tema de novo aos trending topics, com a hashtag #processada.

E para nos trazer um certo alento, esse foi o primeiro caso que parece ter unido conservadores a uma parcela dos que se classificam no espectro ideológico contrário. Ainda que muitos dos chamados progressistas tenham se posicionado (como sempre) pró-liberação geral, outros tantos, de esquerda, repudiaram a história.

E não foram poucos os que pediram para que os demais internautas não expusessem ainda mais a menina de 12 anos, que já foi vítima de tantos adultos irresponsáveis. É uma pena que ela não tenha recebido orientação nem mesmo para se calar depois de todo o ocorrido.

Inocente, e aparentemente liberada para fazer o que der na telha, em público, ela ainda voltou às redes sociais e escreveu: “não sei por que você estão dizendo coisas negativas. Pra mim idade é apenas um número. Isso é tão normal, não vejo muita diferença.”

Provavelmente ela não entendeu que as inúmeras críticas eram de pessoas preocupadas com ela e com todas as brasileiras menores de 14 anos que podem, a qualquer momento, ser assediadas por marmanjos e, assim como ela, se tornar vítimas de um pedófilo.

Como bem disse um dos incontáveis comentários no Twitter: “Pedofilia não é opinião. Não existe relação consensual entre um homem de dezenove anos e uma criança de doze. É crime, não é amor. Tem gente romantizando só porque ele é novo e bonitinho, pedófilo não é só um tiozinho com uma jovem.”

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