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“Destruição”, a quarta de cinco telas do ciclo “O curso do império”, de Thomas Cole, que descreve o surgimento, apogeu e queda dos impérios.
“Destruição”, a quarta de cinco telas do ciclo “O curso do império”, de Thomas Cole, que descreve o surgimento, apogeu e queda dos impérios.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Ao longo da história, inúmeras civilizações ao redor do mundo encontraram seu apogeu e, posteriormente, experimentaram uma queda trágica. Em muitos casos, essa decadência foi associada a um declínio moral entre os povos dessas sociedades, de acordo com autores como Christopher Dawson.

A religião tem seu papel nesses processos. O historiador galês explica, por exemplo, que a comunidade cristã primitiva rompeu com a ordem romana, substituindo gradualmente o helenismo presente na cultura. Apesar das perseguições, o cristianismo se firmou, influenciando a cultura pagã e contribuindo para a formação de uma nova ordem espiritual e social.

O declínio moral foi apontado por Edward Gibbon como um fator importante na queda do Império Romano. À medida que o império crescia, valores tradicionais como a virtude, a disciplina e o senso de dever cívico foram gradualmente substituídos pela corrupção, decadência e busca pelo prazer pessoal. A falta de coesão social enfraqueceu a capacidade do império de enfrentar desafios internos e externos, contribuindo para a sua queda.

Tocqueville entendia que a religião controla e limita várias distorções na democracia, como o materialismo e o individualismo, tendências que, incontidas, poderiam se tornar exageradas e levariam as pessoas à mediocridade

Outras civilizações experimentaram o mesmo ciclo de apogeu e queda. O Império Bizantino também enfrentou problemas de declínio moral. O afrouxamento dos laços sociais, as lutas internas pelo poder e a corrupção no governo enfraqueceram a estabilidade do império, permitindo que invasores externos o conquistassem. A civilização maia, conhecida por suas realizações em ciência e arte, também entrou em declínio; mudanças ambientais, guerras e declínio moral foram apontados como fatores que contribuíram para o colapso de suas cidades e centros urbanos. O Império Mongol foi devastadoramente eficiente em conquistar vastos territórios, mas seu declínio moral, incluindo disputas internas e corrupção, acabou enfraquecendo sua coesão e capacidade de governança. O Império Otomano, um dos mais poderosos e duradouros da história, também enfrentou declínio moral em seus estágios finais.

Enxergando o momento que vivemos, podemos também notar sinais de declínio moral, na chamada “moral coletiva”, que catalisa os valores dos diversos segmentos sociais, e que deriva em parte absolutamente significativa do fenômeno religioso, na tríade DMC (Divindade, Moralidade e Culto). A moralidade é o código de valores e formas de conduta expressas pela relação com a transcendência, normalmente reveladas em um livro sagrado e que disciplina tanto a relação vertical (com a própria divindade) quanto horizontal (nas relações pessoais).

O cristianismo, como é sabido, está na base da moralidade ocidental. Mesmo em sua diversidade de tradições teológicas, há um conjunto de valores comum que sustentou os fundamentos das instituições que recebemos das gerações passadas. E a busca pelo exercício livre da religião redefiniu o mundo, quando os pais precursores fizeram a lendária viagem no Mayflower em busca de um lugar onde pudessem viver como suas consciências exigiam (liberdade com virtude sempre implica responsabilidade). Assim nasceu a democracia norte-americana, e da qual seu comentarista mais famoso (curiosamente, um francês), Alexis de Tocqueville, enxergou o âmago.

Tocqueville acreditava que a crença e religião eram naturais na democracia, e que, a despeito do que diziam muitos de seus contemporâneos, a religião não desapareceria. Ele entendia que a religião controla e limita várias distorções na democracia, como o materialismo e o individualismo, tendências que, incontidas, poderiam se tornar exageradas e levariam as pessoas à mediocridade, a ponto de aceitarem o despotismo (profético, não?). A religião também equilibra essas tendências, propondo objetivos diferentes, não materiais e sociais.

Sobre esta “pedra” foi erigida a América – que, mais recentemente, parece estar “cuspindo no prato em que comeu”. Uma pesquisa recente do Instituto Gallup revelou um cenário preocupante nos Estados Unidos, com um declínio na importância atribuída à religião. Enquanto a família ainda permanece como a maior prioridade para os entrevistados, outras atividades como hobbies, dinheiro e saúde estão ganhando destaque. Isso sugere uma mudança de valores na sociedade americana, com uma redução na ênfase dada à dimensão religiosa e moral da vida. Relações pessoais, como família e amigos, foram destacadas como fontes primárias de significado na vida das pessoas, superando a religião. Mudanças no comportamento social, como a postergação do casamento e a redução do número de filhos, também têm sido observadas.

Quando os valores morais são enfraquecidos, as instituições sociais e políticas ficam vulneráveis a corrupção, divisões internas e conflitos, enfraquecendo a estrutura geral da sociedade

É importante notar que o declínio na importância da religião pode ter implicações sociais significativas. A religião contribui substancialmente para a economia americana, com estimativas chegando a cerca de US$ 1,2 trilhão anualmente. Além disso, programas de apoio à recuperação de abuso de substâncias baseados em congregações religiosas foram avaliados em quase US$ 320 bilhões em economia para o país.

E aí voltamos ao começo. Quando os valores morais são enfraquecidos, as instituições sociais e políticas ficam vulneráveis a corrupção, divisões internas e conflitos, enfraquecendo a estrutura geral da sociedade. O declínio moral pode minar a confiança entre as pessoas, desencadear instabilidades e dificultar a resolução de desafios complexos. É importante aprender com a história e reconhecer o papel crítico dos valores éticos na construção e manutenção de sociedades saudáveis e resilientes.

Enquanto isso, o Brasil passa por mudanças no perfil religioso da sociedade, com aumento dos evangélicos, especialmente de tradição pentecostal e neopentecostal, suscitando a necessidade de um olhar para sua ética social, política, de trabalho, como decorrências naturais do exercício da fé. Há quem queira inventar todo tipo de doutrina para “encapsular” a religião, presa em uma visão laicista e cientificista da realidade. A religião permanecerá como valor humano, é parte de nossa essência. Que aprendamos com a história. Sem moralidade não há civilização que resista.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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