Igreja queimada em Santiago, no último dia 18, em atos de vandalismo.| Foto: Reprodução/Facebook
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Diz a famosa frase atribuída a Confúcio: “palavras convencem, mas exemplos arrastam”. É um provérbio que constata uma realidade, e vale tanto para o bem quanto para o mal.

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Assistimos, chocados, à turba terrorista que destruiu dois templos da Igreja Católica no Chile no último domingo, dia 18. Ainda vimos o ataque à Igreja Batista Chadwell Heath, em Romford, no leste de Londres, onde um homem é filmado tentando arrancar a cruz que orna o templo. No mesmo dia em que este último ataque foi divulgado, três jovens escalam a cruz da Igreja Matriz Puríssimo Coração de Maria, em São Bento do Sul, norte catarinense, tiram fotos ali e postaram em redes sociais mensagens com palavrões.

Em torno do tema, as discussões vão se desdobrando em dois argumentos principais (além dos vários “especialistas de Facebook” que proferem suas pérolas). Entre os que parecem gostar do que viram, mas não podem dizê-lo porque seria feio, relativiza-se as ações dos terroristas e vândalos, querendo justificar o sentimento de frustração pela falta de igualdade, pela herança opressora que tais símbolos representam e que o ato político de derrubar uma igreja é um manifesto contra as superestruturas que tanto mal fizeram à humanidade em processo de libertação e iluminação em direção ao “novo mundo”. Já o segundo trata de quem busque suscitar o debate em torno de um eventual “direito de blasfêmia”, uma liberdade para que aqueles que não creem possam expressar seu desprezo pela religião e seus símbolos.

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Para o dogma da religião marxista, a tríade do mal são justamente as forças que moldaram nossa civilização: a família nuclear formada pelo vínculo conjugal; a propriedade privada; e os valores oriundos do cristianismo

O primeiro “argumento” é parte do dogma da religião marxista, o de que o símbolo religioso está atrelado à opressão de estruturas que condicionam o ser humano a um comportamento conforme, alienando-o de sua consciência política, que poderia emancipá-lo e, suprimindo o ópio religioso, criar uma nova humanidade a cumprir um destino feliz, onde a igualdade se estabeleceria pela inexistência de classes opostas e em conflito permanente. Por isso mesmo, seja por quem o defende às claras, seja pela infinidade de correntes políticas que tangem assuntos paralelos, mas que conduzem a este rio caudaloso, a tríade do mal são justamente as forças que moldaram nossa civilização: a família nuclear formada pelo vínculo conjugal; a propriedade privada; e os valores oriundos do cristianismo. Não há como tapar o sol com a peneira. Ou seja, esta cosmovisão ataca tudo o que se chama de “mundo”, com o que sabemos, conhecemos, com os acertos a serem mantidos e desvios a serem corrigidos, dando como promessa uma utopia idílica. Se isso não for religião, é, no mínimo, plágio.

Já o segundo discurso é o de que a liberdade de expressão deve, por um lado, permitir a expressão da fé, e, ao revés, permitir o escárnio, a blasfêmia, inclusive ao ponto de relativizar eventuais arroubos de ataques a símbolos físicos. É a justificativa para todas as cenas horríveis que, volta e meia, vemos por aí de uso de símbolos religiosos das maneiras mais desrespeitosas. Sob este argumento alguns analisaram tanto o incêndio terrorista no Chile quanto a cena de depredação em Londres, passando pelo ocorrido em São Bento do Sul.

O Brasil – a sociedade política que forma a nossa nação e institui o Estado Democrático de Direito constitucionalmente formado – tem um conjunto de valores, uma caridade pública, que está assentada na herança cultural de múltiplas gerações de pessoas. Diz o filósofo francês Jacques Maritain, em sua obra O Homem e o Estado, que:

O cuidado que o Estado deve ter em não se embrenhar pelas coisas da religião não significa que, em matéria de moral e religião, o Estado deva conservar-se indiferente ou reduzido a uma completa impotência. O Estado não tem autoridade pra impor qualquer espécie de fé ao domínio íntimo da consciência nem tampouco para extirpar qualquer fé do aludido domínio. Mas o Estado (...) tem de favorecer, pelos meios adequados, a moralidade geral através do exercício da justiça e do cumprimento da lei, e bem assim superintender o desenvolvimento  de condições e processos sadios no corpo político para a boa vida humana, tanto material quanto racional. E, quanto a matérias religiosas, tem o Estado de tratar delas em certo plano, que é o plano da paz civil e do bem-estar, e considerando-as do seu ponto de vista, que é o ponto de vista do bem comum temporal.

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Isto dito, não há espaço, em nosso meio, para validar quaisquer atentados ao bem comum que coloquem em risco este conjunto de valores. Digo isto porque, embora tenhamos a tendência de minimizar comportamentos por aqui, este tipo de ato intolerante acontecendo logo após os maus exemplos veiculados (Chile e Inglaterra) só mostra que temos de tratar as coisas pelo nome. Ou o Estado brasileiro é firme ao manter o sistema de laicidade colaborativa e de cuidado com os valores espirituais como parte indissociável de nossa sociedade ou veremos crescer assustadoramente casos de desrespeito a locais sagrados, primeiro passo de violência religiosa real.

Damos um exemplo de como as coisas podem ser enxergadas sob a ótica penal no caso catarinense. Dois maiores de idade e um adolescente foram identificados pela Polícia Civil como autores do fato. O adolescente, pela legislação, deverá ser enquadrado em ato infracional (segundo o ECA), enquanto os maiores serão responsabilizados criminalmente. Mas por qual tipo penal? Há duas possibilidades.

Promover a paz também se estabelece pelo correto refrear do mal, além da promoção do bem

O primeiro é enquadrar como incursos nas sanções do artigo 208 do Código Penal, o chamado “crime contra o sentimento religioso”. O tipo ali descrito diz que o crime consiste em “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”, e comina pena de um mês a um ano de detenção, ou multa. Ou seja, crime de menor potencial ofensivo, resolvido com uma transação, e basta. O problema neste caso é que o sujeito passivo é pessoa determinada para a ofensa (não houve), impedimento ou perturbação da cerimônia (também não) ou vilipendiar o ato ou objeto de culto (também não aconteceu diretamente com o símbolo em si, mas com a veiculação da foto ao conteúdo da postagem).

Agora, vejamos o artigo 20 da Lei 7.716/89 (lei do racismo): “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Aí o crime sobe para um a três anos de reclusão e multa. E o §2.º aumenta mais a pena, considerando que o crime seja cometido “por intermédio dos meios de comunicação social”, que é exatamente o que aconteceu. Resumo da ópera: a religião é assunto sério, constitutivo do ser humano, e atos de preconceito e discriminação não dependem de uma vítima identificável. Pelo menos 130 milhões de católicos brasileiros foram vitimados.

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Neste 24 de outubro, dia em que comemoramos os 75 anos da Carta das Nações Unidas, organismo internacional que foi fundado justamente para promover o mais importante dos direitos de solidariedade, a terceira geração de direitos fundamentais, qual seja, o da paz, tenhamos em mente que promover a paz também se estabelece pelo correto refrear do mal, além da promoção do bem. A nação brasileira sempre foi um exemplo a ser seguido pelo respeito e convivência entre diferentes credos. Que continuemos neste bom e virtuoso caminho, corrigindo os erros e não admitindo atos como os que vimos nesta última semana. A responsabilidade é nossa.